O caso mais flagrante é o do SIRESP, o Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal. É uma parceria público-privada (PPP) com um contrato assinado na 25.ª hora do governo de Pedro Santana Lopes, por um ministro da Administração Interna (Daniel Sanches) que fez que o prémio saísse à casa: à sociedade de onde o ministro tinha saído para (des)governação, a Sociedade Lusa de Negócios (SLN). A SLN era a proprietária do BPN e o abrigo de muitos governantes e ex-governantes do PSD..Reza a história que a SLN estava repleta de exímios negociadores quando faziam contratos com o Estado, capazes de concluir os negócios mais exigentes, sempre com ganhos extraordinários para os privados. Isto era particularmente verdade quando o Estado se fazia representar por alguém com ligações à SLN ou ao PSD. Fosse esse espírito empresarial transversalmente forte e não teria a SLN ido à falência e o BPN explodido nas contas públicas do país. Mas, para azar do contribuinte, a genialidade só se manifestava quando era para sacar dinheiro do nosso bolso coletivo..A genialidade dos negociadores da SLN também bastou para assustar António Costa, que foi quem acabou por dar continuidade ao estabelecido por Daniel Sanches. Mudou o detentor da cadeira ministerial, mas não mudou o resultado do negócio: foi muito mau para todas e todos nós. Segundo a história narrada pelo PS, António Costa terá sido confrontado com condições contratuais tão draconianas que a única hipótese era continuar a adjudicação do SIRESP aos suspeitos do costume: SLN ao comando das operações, PT, GES e BES a guardar a retaguarda, a Motorola a controlar as comunicações. Narrativa para aplacar consciências pesadas, como é claro. O ministro da Administração Interna da altura podia e devia ter feito mais: a salvaguarda do interesse público era suficiente para denunciar um contrato que era e é notoriamente lesivo para o Estado..O SIRESP acabou por custar cerca de 500 milhões de euros, quando a previsão inicial para um sistema similar era de 100 a 150 milhões. Oliveira e Costa, ex-gestor do BPN e SLN, reconheceu, sob juramento no Parlamento, que "o que se gastou para fazer o SIRESP julgo que andará à volta de 80 e tal milhões de euros"..O processo do SIRESP resume--se em poucas palavras: foi uma burla, em que o Estado pagou cinco vezes mais do que devia, por um sistema que não funciona quando é necessário. A única proposta capaz de defender o interesse público e garantir a segurança e proteção das populações é o resgate do SIRESP para a gestão pública. Resgatar o SIRESP da negociata da PPP e garantir uma gestão em função da importância estratégica que tem para o país..A criação da PPP do SIRESP não é um ato isolado. É integrado na agenda política da privatização das funções de vigilância e segurança no Estado. Veja-se o exemplo das forças armadas: cortes sucessivos em recursos próprios resultam na entrega a privados de funções de vigilância e segurança. "Cortar para privatizar" é a linha política que foi seguida. Segundo o presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas, a situação está "ao ponto de algumas seguranças de acessos e de algumas unidades já estejam a ser feitas por empresas de segurança privada"..A proximidade entre militares, agentes de forças de segurança, agentes de serviços secretos e as empresas de segurança privada também tem sido várias vezes notícia pelos piores motivos. Meramente a título de exemplo, que funções assumiu Silva Carvalho, o espião ex-diretor do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa que foi condenado pelos crimes de violação de segredo de Estado, acesso ilegítimo a dados de tráfego, devassa da vida privada por meio informático e abuso de poder? Enquanto estava a ser julgado tornou-se diretor executivo de uma das principais empresas de segurança privada, a 2045. Este é apenas o exemplo mais mediático da passagem de funções públicas para privadas, mas está muito longe de ser o único. Com estes crimes no curriculum, que conhecimento o tornou valioso ao ponto de ser contratado para uma das principais funções dentro da empresa privada?.E quantas empresas de segurança privada estão a ser utilizadas como fachada para sociedades de associação criminosa e extorsão? Estaremos nós a criar um Estado paralelo, à margem das leis da República? A realidade está a dar respostas preocupantes a estas perguntas. E, seguramente, a privatização de funções de segurança do Estado é terreno fértil para vários destes problemas..A segurança do Estado e das populações é demasiado importante para estar nas mãos de privados. Ainda estamos a tempo de mudar estas políticas.