Segredos
erras pequenas, segredos grandes", costuma dizer-se, e, quando ontem me pus a ler a sinopse do novo thriller de John Grisham, o dito rei da literatura de aeroporto, lá estava de novo a frase: "Terras pequenas, grandes segredos."
Perguntei-me quais serão os segredos da minha freguesia, que apesar destes quase três anos e meio de regresso ainda não devo sabê-los a todos. Lembrei-me de telefonar à minha mãe, a cuja memória a minha própria mais deve.
Ela hesitou, deu voltas à cabeça, soprou:
- Bom, ali em baixo, no Terreiro, havia um velhote tão forreta que vendia um ovo de duas gemas ao preço de dois ovos.
Engoli em seco:
- Desculpa?
- Sim. E aqui há uns anos - lembrou-se - alguém entrou no nosso quintal, cortou as cabeças aos galos e levou as galinhas todas. Mas eu sempre desconfiei quem foi. Houve aí muita alcatra de galinha.
- Ó mãe, pelo amor de Deus. Melhor do que isso até eu sei. A senhora que andava com o motorista da urbana. Os almoços da FLA. Os namoriscos dos pedreiros do continente...
- Ah - suspirou ela, num alívio. - É desse tipo de coisas que queres? Falou-me de pilhagens após as grandes tragédias e de desvios em casas comerciais e repartições públicas. Falou-me de outros corações partidos por motoristas de urbana. De um rapaz que era filho do avô e de um homem que matou a mulher e os filhos.
Eu mal conseguia anotar tudo. Era bom de mais - tão bom que eu nem sequer poderia usar.
- Quer dizer - indignei-me eu, não sem alguma preocupação com o estado de saúde dela -, tantos segredos fantásticos, e tu vens-me falar de ovos de duas gemas?
- Ó filho - suspirou ela -, essas coisas nunca foram segredo para ninguém...
Fiquei a pensar se não teria acabado de receber o maior de todos os ensinamentos sobre o campo. Talvez ainda não o tenha assimilado na sua plenitude.