Foi quando viu o filho Konstantin nascer no sábado, uma experiência que disse ter sido "extraordinária" e melhor do que vencer duas eleições, que Sebastian Kurz tomou a decisão de deixar a política. Aquele que foi, aos 31 anos, o mais jovem chanceler austríaco, foi obrigado em outubro a deixar o cargo por suspeitas de corrupção. Mas muitos acreditavam que era algo passageiro e que, depois de limpar o seu nome, acabaria por voltar. A sua saída deixa o Partido do Povo Austríaco (ÖVP, direita) órfão.."Não sou santo, nem criminoso. Sou um ser humano com pontos fortes e fracos", disse Kurz numa conferência de imprensa. A decisão de abandonar a vida política "não foi fácil, mas apesar de tudo não sinto nenhuma amargura", explicou, dizendo-se "cansado" por causa de todas as acusações de que foi alvo. "Nos últimos meses, a minha vida política diária já não tem sido uma competição pelas melhores ideias, mas uma defesa contra acusações, alegações, insinuações e processos", referiu. "A minha paixão pela política, que tive enormemente durante dez anos, diminuiu certamente um pouco nesta fase.".Eleito líder do ÖVP e depois chanceler em 2017, Kurz foi obrigado a demitir-se devido à forte pressão do parceiro de coligação, os Verdes. O antigo chanceler é suspeito de ter utilizado dinheiro do governo para garantir um tratamento mediático favorável. Entre 2016 e 2018 terão sido publicados artigos elogiosos e sondagens positivas num tabloide austríaco, em troca da compra de espaço publicitário por parte do Ministério das Finanças. Kurz nega as acusações, mas quando o gabinete e a sede do partido foram alvo de buscas por parte dos procuradores anticorrupção, a coligação ficou em risco..Apesar de ter deixado o governo, Kurz continuou como líder da bancada parlamentar do ÖVP e como secretário-geral do partido. Agora, afasta-se de ambos os cargos, depois de já em novembro o Parlamento ter decidido levantar a sua imunidade. "Como chanceler, tens que tomar tantas decisões todos os dias que sabes, desde logo, que vais tomar decisões erradas". Na hora de deixar a política, deixou o balanço: "Espero ter dado o meu contributo para mover um pouco a nossa bela Áustria na direção certa.".Apelidado de wunderkind (criança maravilha), Kurz ganhou nome quando aos 27 anos se tornou chefe da diplomacia austríaca no governo de Werner Faymann (do Partido Social-Democrata austríaco, SPÖ). Membro da juventude do ÖVP desde os 17 anos, acabaria por suceder a Reinhold Mitterlehner na liderança partidária em maio de 2017, tinha então 30 anos. Nas eleições de outubro, levaria o partido à vitória, fazendo depois coligação com a extrema-direita do Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ), de Heinz-Christian Strache..Tinha 31 anos quando tomou posse, tornando-se no mais jovem chanceler austríaco (e no mais jovem líder europeu). Entre as suas políticas, defendeu o fecho das fronteiras e o endurecer as condições de asilo. Mas essa coligação acabaria por cair em 2019, quando o vice-chanceler Strache se viu envolvido num escândalo de corrupção - conhecido como Ibizagate..Dois anos após o Ibizagate, ondas de choque ameaçam Kurz.O ex-líder da extrema-direita foi condenado já este ano a uma pena suspensa de 15 meses. O crime veio a público por causa de um vídeo, filmado em Ibiza antes das eleições de 2017, onde um embriagado Strache prometia que um hospital privado ganharia apoios públicos se ele entrasse no governo. Em troca pedia dinheiro para a campanha. Após a sua saída, o FPÖ deixou Kurz sem maioria no Parlamento, acabando por cair numa moção de censura em maio de 2019..Mas não foi por muito tempo. Em setembro venceu de novo as legislativas - ainda com mais apoio - fazendo desta vez uma coligação com os Verdes do presidente Alexander Van der Bellen. Quando este partido começou a pressionar por causa das suspeitas de corrupção, Kurz optou por deixar de ser chanceler e lançar o seu aliado Alexander Schallenberg (até então chefe da diplomacia) para o cargo. Mas muitos acreditavam que ele estava só a guardar o lugar a Kurz, até este limpar o nome e poder voltar. Agora, o ÖVP terá que procurar uma alternativa - aposta-se no ministro do Interior, Karl Nehammer -, sendo que nos últimos anos o partido tinha sido desenhado à imagem do jovem chanceler..susana.f.salvador@dn.pt