"Se Rui Rio ganhar as eleições do PSD este Governo dura quatro anos"

"Sem bola de cristal", adverte, Rui Moreira lança um olhar desde o Porto sobre o tabuleiro político nacional e considera que esta solução governativa do PS pode depender das próximas diretas do PSD, confessando, para bom entendedor, que preferia um cenário que afaste a ideia de um Bloco Central. Nesta entrevista ao DN e TSF, o autarca portuense defende que a regionalização deve avançar já nesta legislatura, sem necessidade de referendo, e critica a descentralização em curso, que deixa as autarquias no papel do "mau da fita"
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Empresário de profissão, autarca por missão. É pelo menos essa a ideia que "vende" ao país desde que decidiu, em 2013, candidatar-se, pela primeira vez, como independente, numa das maiores autarquias do país. Foi presidente da Associação Comercial do Porto e uma das vozes que mais se faz ouvir a norte sobre a região, e não só. Em 2017, recandidatou-se a novo mandato e, desta vez, ganhou com maioria absoluta.

Regionalista convicto, considera que o país não pode esperar mais por essa reforma administrativa. Rui Moreira defende que a regionalização avance já nesta legislatura, mesmo que para isso seja necessário convencer o primeiro-ministro António Costa a ir contra a vontade do Presidente da República. Segurança, criminalização do consumo de droga, orçamento de Estado, eleições do PSD, Rosa Mota e um terceiro mandato autárquico são alguns dos outros temas desta conversa com o presidente da Câmara Municipal do Porto, em entrevista DN/TSF.

Recebeu esta semana o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, para uma conversa onde se falou de regionalização. E onde, se me permite a expressão, deixaram um pouco as orelhas quentes ao Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa é, nesta altura, o principal entrave à regionalização no nosso país?

Eu não sei se deixámos as orelhas quentes. Eu tive o cuidado de dizer que é perfeitamente legítimo da parte do senhor Presidente da República manter uma agenda que sempre teve. E que tem mais de 20 anos. Ser uma pessoa que se opõe à regionalização. É perfeitamente legítimo. Também é legítimo que haja outras pessoas, como é o nosso caso - falo por mim, mas Fernando Medina também o disse - que pensamos o contrário. Que pensamos que o país precisa de regionalização. E se outra coisa não pudéssemos evocar, podemos evocar aquilo que foram as promessas feitas há mais de 20 anos, naquela noite em que os portugueses recusaram a regionalização. E que, quer os defensores da regionalização, quer os adversários da regionalização prometeram fazer uma coisa. Disseram: nós agora vamos mesmo descentralizar o país. Quando nós olhamos hoje ao que é o país, na própria máquina do Estado, a verdade é que hoje o país é um país muito mais centralizado do que era. E com isso não ganhou grande coisa.

E acha que o problema está só em Marcelo Rebelo de Sousa? Na vontade de Marcelo Rebelo de Sousa? Acha verdadeiramente que o Governo tem vontade de regionalizar o país?

É um pouco estranho quando há uma vontade de uma transformação profunda da estrutura do Estado - porque é disto que estamos a falar - que este assunto tenha passado ao lado da campanha eleitoral das últimas legislativas. Eu julgo que teria sido perfeitamente legítimo que pelo menos um dos partidos, ou dois, dissesse "bom, depois das legislativas, em sede até de uma alteração à Constituição, nós vamos avançar com a regionalização". Com ou sem referendo. E eu acho que, sinceramente, não precisamos de referendo. E acho que é perfeitamente democrático não o ter. Até porque no último referendo, como sabem, não houve 50% dos portugueses a votar. E o que é facto é que é um pouco estranho termos uma norma constitucional que está sujeita a um referendo. Mas os partidos políticos não o quiseram discutir. E, portanto, a responsabilidade não é apenas do senhor Presidente da República. O senhor Presidente da República mantém a posição que sempre teve. Foi ele que, de alguma maneira, pôs aquela condição e, portanto, acho que é completamente legítimo. Agora, o senhor Presidente da República, com todo o respeito por ele, tem uma posição, mas os portugueses podem ter outra. E os partidos podem ter outra. É assim o nosso modelo.

E acha que a regionalização pode avançar, mesmo contra a vontade política do Presidente da República?

Acho que sim.

Através de uma revisão constitucional?

Através de uma revisão constitucional ou através de um referendo. De uma forma ou de outra.

E acredita que isso pode acontecer nesta legislatura?

Acho que tem de acontecer nesta legislatura. Nós não podemos esperar pela próxima legislatura. O país não pode continuar a esperar por ter níveis intermédios. Porque, neste momento, tudo aquilo que está a acontecer com a descentralização... estamos a perceber que nada vai acontecer ou o que acontecer vai acontecer mal. Porque nós precisamos do nível intermédio do Estado. Desesperadamente. Vemos aquilo que acontece nos outros países. Quando comparamos o centralismo em Portugal com todos os outros países, nós estamos mal. E vemos que, de facto, é preciso fazer aqui alguma coisa. A máquina do Estado hoje não funciona bem.

Para haver uma revisão constitucional é preciso haver uma maioria de dois terços no Parlamento. Isso significa que o PS e o PSD têm de se colocar de acordo em relação ao tema...

Exatamente.

E ninguém sabe que PSD é que vai sair destas diretas do partido.

Sim, não sabemos. Não sabemos, mas, por aquilo que eu sei, o doutor Rui Rio diz-se favorável à regionalização e julgo que os outros candidatos do PSD também. Não assisti ao último debate entre os três candidatos do PSD, mas, não me parece que haja aqui grandes divergências. Mas, há sempre uma dicotomia entre o que é uma vontade anunciada e depois aquilo que é prática política dos partidos.

Mas se o Primeiro-Ministro já disse que não quer ir contra a vontade do Presidente da República, e o Presidente da República diz que não pode haver regionalização sem haver referendo, como é que admite que possa haver regionalização, nesta legislatura, sem referendo?

Temos de mudar a opinião do senhor Primeiro-Ministro.

E é nesse trabalho que está a apostar?

Claro. As pessoas mudam de opinião.

Ir contra a vontade do Presidente, neste caso, nesta questão?

Sim. Porque não? Repito, o senhor Presidente da República - que vai, supomos, recandidatar-se à Presidência da República - tem todo o direito de ter essa agenda. É perfeitamente legítimo, claro, transparente. Mas também é perfeitamente legítimo, claro e transparente que outras pessoas pensem diferente. E se os partidos políticos pensam diferente e o Parlamento pensar de forma diferente ... então teremos de chegar aqui a uma conclusão qualquer. Não me parece que, nos poderes do Presidente da República - já li a Constituição atentamente - esteja lá que ele tem o poder especial de inviabilizar uma regionalização se ela for determinada por uma alteração constitucional ou se for determinado por um referendo.

Tem receio que o resultado do referendo possa ser uma machadada definitiva na regionalização?

Pode ser, se for feito da forma que foi o último. Porque, como nós nos recordamos, no último bastaria que uma das regiões não quisesse a regionalização para que a regionalização fracassasse. Ora, nada implica, nada exige que o referendo seja feito dessa forma. Se me perguntar se hoje estou convencido que mais de 50% dos portugueses pretendem a regionalização, eu estou convencido que sim. Aliás, houve uma sondagem feita, salvo erro, pelo JN, que demonstra isso. Mas há uma região em que as pessoas não querem a regionalização que é a região de Lisboa, também por razões óbvias, porque, naturalmente, eles percebem que Lisboa e a área metropolitana de Lisboa beneficiam, de alguma maneira, do status quo. Mas, o que me parece é que não há razão nenhuma para que haja uma única região que possa determinar o futuro das outras regiões.

Nesse sentido acha que é possível, como disse em tempos, que a regionalização possa acontecer apenas nalgumas regiões do país que o desejem e não nas outras?

Exatamente. Aliás, isso chegou a ser pensado a seguir ao último referendo da regionalização. Não sei se se lembram, chegou a ser pensado fazer uma região experimental. Parece-me perfeitamente razoável. Isso tem acontecido noutros países. Há modelos. Basta olhar aqui ao lado em Espanha em que cada uma das regiões e autonomias funciona de forma totalmente diferente.

O senhor foi crítico do acordo que a Associação Nacional de Municípios e o Governo fizeram para a descentralização, precisamente. Chegou a admitir a possibilidade de colocar o Porto de fora da Associação Nacional de Municípios. Continua a achar que o Porto estaria melhor fora do que dentro?

Sim. Se eu tivesse a maioria na Assembleia Municipal do Porto, o Porto já não estaria lá na Associação Nacional de Municípios.

Portanto, se for candidato novamente e se tiver essa maioria tira o Porto da Associação Nacional de Municípios?

Com certeza.

Essa é uma das coisas que lhe falta fazer?

Não, não é muito importante. Nós não participamos nas reuniões da Associação Nacional de Municípios, não estamos interessados. Achamos que a agenda da Associação Nacional de Municípios tem um defeito. E, se calhar, tem um defeito que resulta da própria constituição da Associação. É que é aquela ideia, muito portuguesa, de ter soluções iguais para realidades diferentes. Aquilo que nós precisamos é de modelos equitativos. Não precisamos de modelos igualitários entre coisas muito diferentes. Quer dizer, como o Fernando Medina dizia, pegámos num pequeno município como Alfandega da Fé - ainda por cima, bem governado - e compararmos com o Porto e com Lisboa e compreendemos que as realidades são diferentes. Na Associação Nacional de Municípios naturalmente há este problema. E depois ela é tradicionalmente controlada por quem? Pelos dois maiores partidos políticos. Porque são eles que têm a maioria absoluta dentro das câmaras. Para municípios independentes, como é o nosso caso, ou até para municípios que são presididos, por exemplo, pela CDU ou o CDS, não faz muito sentido porque nós somos, mais ou menos, ignorados. E, portanto, não é avaliado o peso relativo entre municípios maiores e municípios menores, com realidades muito diferentes.

Mas o que é que faltou, principalmente, nesse acordo entre a Associação Nacional de Municípios e o Governo, de que foi tão crítico? Faltou sobretudo mais dinheiro para as autarquias, é isso?

Faltou bom senso. Em primeiro lugar, vejamos. Escolher o ano de 2021 para obrigar todas as autarquias a adotarem este modelo de descentralização é, no mínimo, ridículo. Porquê? Porque em 2021 nós vamos ter eleições autárquicas. Isto implica que, no próximo ano, a partir de junho, comecemos a construir orçamentos municipais que vamos ter de aprovar em 2020 e que depois só vão ter efeito em 2021. Ano de eleições. Eu creio que corremos aqui um enorme risco de aqui e ali surgirem candidaturas autárquicas em que, subitamente, se vão fazer promessas à população, relativamente à descentralização. Vão querer ficar com todas essas competências, prometendo mundos e fundos à população. E, depois, aquilo que vai acontecer no futuro é que essas autarquias não as vão ter. Não vão ter os recursos pertinentes para cumprirem as suas obrigações. E o que é que vai acontecer? Se amanhã Portugal tiver uma nova dificuldade, a nível internacional, e podemos voltar a ter problemas, o que é que vai acontecer? O Estado central vai ainda reduzir as verbas que vai transferir para as autarquias. E depois os maus da fita vão ser as autarquias.

Ou seja, eu acho que isto é uma enorme ameaça ao municipalismo. Hoje o municipalismo em Portugal tem tido bastante sucesso. Como sabem, basta pensar na dívida acumulada dos municípios, que tem vindo a ser, paulatinamente, reduzida. E hoje os munícipes têm uma proximidade com os municípios muito maior do que tinham há anos. Este esforço de credibilização do municipalismo em Portugal corre o risco de ficar pelo caminho, exatamente pela suborçamentação. Porque aquilo que nós vemos é que as verbas disponibilizadas para cada um dos ramos da descentralização proposta são manifestamente insuficientes. E, portanto, qual é o risco? É nós de repente ficarmos com competências, acharmos que mandamos em tudo, mas depois não termos dinheiro para realizar estas necessidades. Em Portugal, se nós olharmos e compararmos com a média europeia, aquilo que é o investimento nas autarquias e os recursos financeiros das autarquias na percentagem do PIB são muito menores do que no resto da Europa. Se vamos passar competências na área da saúde, na área da educação, na área da habitação, e noutras áreas, para as autarquias, é preciso, antes de mais, perceber que as autarquias vão ter de poder contratar recursos e de ter competências. Ora, esta descentralização, além de tudo mais, não nos dá competências.

Eu vou dar um exemplo que acho que todos vão compreender. Vamos pensar nos centros de saúde. Aquilo que está previsto é que a gestão dos centros de saúde passe para os municípios. Mas que gestão? Nós somos responsáveis pela contratação do pessoal auxiliar e pela manutenção dos edifícios. Ora isto é meramente nós sermos os tarefeiros. Relativamente aos médicos a única competência que vamos ter é pagar a fatura do táxi quando ele vai visitar um doente. Não vamos ter outra competência. Desculpe, se isto é descentralização, estamos conversados.

Não estranha que um Primeiro-Ministro que já foi autarca, ainda por cima de uma grande câmara como Lisboa, esteja a fazer uma descentralização assim? Como acabou de descrever?

Eu acho que isto é tipicamente aquela questão do "yes Minister", da série [britânica] que todos nós nos lembramos com saudade. Vamos lá ver. Nós tivemos uma Cimeira em Sintra, como sabem, entre as duas áreas metropolitanas e o Governo - e com a presença de vários membros do Governo, o senhor Primeiro-Ministro, vários ministros e também o senhor Presidente da República. E aí houve um trabalho prévio entre as áreas metropolitanas do Porto e Lisboa - eu estive envolvido nisso, com o doutor Fernando Medina, com o presidente Eduardo Victor Rodrigues, com a senhora presidente da Câmara da Amadora. Fizemos trabalhos preparativos. E definimos, claramente, aí, o roadmap para aquilo que seria a descentralização destes municípios. Porque estes municípios têm, de facto, competências diferentes dos outros, pela sua dimensão. Infelizmente aquilo que ficou dessa Cimeira foi apenas uma coisa. Foi a questão do PART. Ou seja, dos transportes públicos. Em todo o resto, tudo isso ficou esquecido. E depois, sem que nós percebêssemos como, o Partido Socialista faz o entendimento com o PSD, com o recém-chegado dr. Rui Rio, e a seguir, com a Associação Nacional de Municípios, que é determinada e definida por estes dois partidos, e com grande voluntarismo - não digo que tenha sido por mal vamos lá ver... os políticos não tomam as decisões por mal - decidem fazer isto. Foi tratado com uma grande leveza. E a descentralização é um assunto muito sério. Passar uma competência qualquer para uma câmara municipal é muito sério.

Imagine o que é, subitamente, nós ficarmos com todas essas competências. Assim com um número aproximado, ficarmos com a parte da Educação, que não é nossa, custará à cidade do Porto, num primeiro ano, 34 milhões de euros. É mais de 10% do nosso orçamento. E eu pergunto: e de onde é que vem essa verba? O Estado estará disponível para pôr essa verba? E nos anos seguintes? 30 milhões. E depois se houver uma crise orçamental? Um dia o senhor Ministro das Finanças diz: já não vem 30, vem 10. Portanto, toda a questão do financiamento das autarquias devia ter sido revista, ou teria que ser revista, exatamente se querem que as autarquias fiquem com estas competências. Eu percebo qual é o problema do Estado. É que o Estado tem uma despesa corrente, nomeadamente com recursos humanos, que é extremamente rígida. E, portanto, o Estado, ao passar competências para as autarquias não se vai libertar dos custos inerentes. Portanto, andamos aqui num jogo de empurra, que é muito mais grave, repito, por quererem fazer isto num ano de eleições. E isso é péssimo porque, seguramente, vão aparecer fenómenos de demagogia, fenómenos do populismo..

Mas acha que há aqui uma estratégia autárquica de António Costa para dar uma ajuda ao PS?

Não acho que seja por estratégica autárquica. Acho que isto foi, manifestamente, por descuido. Ou seja, houve uma vontade do Primeiro-Ministro e depois, na execução da vontade, as coisas não foram bem tratadas. Tenho a certeza que se fosse o doutor António Costa a tratar disto este assunto teria sido tratado doutra maneira.

Virando um pouco a página, a sua sugestão de criminalizar o consumo de drogas na via pública foi alvo de várias críticas. Quando Portugal é apresentado como um modelo mundial pela despenalização do consumo e pelos resultados obtidos com isso, se não significaria uma espécie de recuo civilizacional, essa sua proposta, da criminalização do consumo na via pública e se não sente que ficou um pouco a falar sozinho nesta matéria?
Olhe, falar sozinho não falei porque o apoio da população, principalmente daqueles que vivem em zonas mais vulneráveis, foi enorme. Mas eu não disse que se devia criminalizar o consumo das drogas na via pública. O que eu disse é que, na proximidade das escolas devia ser criminalizado, ou pelo menos penalizado, o consumo de drogas duras. Porque vejamos, há uma coisa chamado atentado ao pudor. Nós podemos ter relações sexuais nos vários sítios que queremos, pelo menos em casa, num sítio privado. Mas não vamos ter à porta de uma escola. Há coisas que não se fazem à porta de uma escola. Aquilo que acontece, e a comunicação social tem-se fartado de divulgar imagens, vídeos, etc, é que nós hoje temos uma parafernália de situações à porta das escolas, em que até são atiradas para dentro das escolas seringas. E são espetadas em árvores. Vamos lá ver, esta questão dos recuos civilizacionais são coisas que a nós todos nos preocupa. Nós todos entendemos e percebemos hoje que é bom que os toxicodependentes sejam atualmente vistos como doentes e não como criminosos. Sou o primeiro a estar de acordo com isso. Sendo verdade que eles têm direitos, também é verdade que a população mais desfavorecida - como são claramente as crianças - também têm os seus direitos e também têm de ser protegidos. E não parece que uma coisa e outra sejam antagónicas. Se isso não foi entendido...

Algumas associações de toxicodependentes ou de antigos toxicodependentes, e que apoiam os toxicodependentes, fazem o papel deles e eu respeito inteiramente. Mas compreenderão que eu aqui tenho que ver o todo, tenho de me preocupar com o cidadão comum. Eu não posso apenas olhar para os direitos dos toxicodependentes. Se eu entendo que deve haver salas de consumo assistido - e sabem que eu defendo que deve haver salas de consumo assistido, exatamente para criar condições para que, com mais segurança, os toxicodependentes possam consumir - também entendo que, à porta das escolas, nós temos de ter uma atitude diferente. Porque hoje não há nenhuma lei que permita sequer que um polícia vá ter com uma dessas pessoas, que está a chutar para a veia, como se diz na gíria, e diga assim "desculpe, mas não pode fazer isto à porta da escola". Não pode. Ele só se afasta se quiser. E um dia nós vamos ter reações. Eu começo a receber cartas de associações de moradores, a dizer que se não houver lei eles tomam a lei a seu cargo, ou seja, quando há anúncio de vigilantismo na cidade do Porto e é bom que nós que gostamos da liberdade cuidemos dela. Cuidemos dela sem perder autoridade. Nós hoje temos fenómenos a crescer na sociedade portuguesa e já temos pelo menos um partido no Parlamento que defende situações não libertárias. Estamos no tempo certo para tomar medidas de prevenção relativamente a esta matéria, percebendo que os direitos são direitos alargados e não direitos apenas de um lado da população.

E o que é que está a atrasar a construção dessas salas de consumo assistido no Porto?
Estamos à espera do Ministério da Saúde. Aliás, escrevi uma carta à senhora Ministra - ainda não recebi resposta. Aquilo que nós dissemos foi: em primeiro lugar, dentro do âmbito das nossas competências, a cidade do Porto autoriza que sejam criadas salas de chuto. No nosso entender, elas devem ser móveis ou amovíveis, porque este é um fenómeno migrante. A segunda coisa que nós dissemos foi que disponibilizaríamos, nos próximos dois anos, 400 mil euros de recursos municipais para isso. Há uma coisa que nós não vamos fazer. É montar essas salas. Porquê? Porque as câmaras não têm competências nessa matéria. Nós não temos possibilidade, nem no quadro de pessoal, como compreende, na macroestrutura da câmara, de contratar enfermeiros (têm que lá estar), psicólogos (têm que lá estar), sociólogos - que a meu ver, deviam lá estar - psiquiatras, que deviam lá estar. Ora o que nós dissemos foi: sim, montem e nós pagamos. Isto foi alvo de uma reunião com o anterior Secretário de Estado [da Saúde] e tudo isto tinha ficado claro. E agora, subitamente, recebemos, da Direção Regional de Saúde uma carta que parece endossar isto à câmara, dizendo a câmara que monte e nós depois vamos avaliar. Isso não é possível. Não faz nenhum sentido. Ou então o Ministério da Saúde que diga que não quer montar. Portanto, nessa matéria creio que o assunto está perfeitamente claro. Estou à espera de resposta da senhora Ministra.

Enviou também uma carta ao Ministro da Administração Interna, há poucos dias, na sequência de confrontos, aqui, na cidade do Porto, entre adeptos de equipas de futebol estrangeiras, a reclamar mais meios policias. Quer a videovigilância também a controlar o tráfego e o consumo de droga, como já anunciou. Reclama como urgente a criminalização do consumo junto a escolas, como acabou de referir. O presidente da Câmara do Porto transmite hoje a ideia de que o Porto não é uma cidade segura...
Não. Eu acho que somos uma cidade segura. Eu não quero é que deixemos de ser uma cidade segura. E a verdade é que não vale a pena nós tentarmos ocultar um facto. Hoje, nas nossas cidades, nós temos vários fenómenos e um dos fenómenos é o do envelhecimento da população. O que torna a população muito mais sensível à questão da perceção da segurança. E hoje há uma perceção menor de segurança. Porquê? Desde logo porque a polícia é muito menos visível que era há uns anos. E porquê? Porque nos últimos anos houve um fortíssimo desinvestimento no número de agentes da Polícia de Segurança Pública. Nós hoje estamos com o mesmo número de agentes, no Porto, que tínhamos no ano de 1948. E as cidades mudaram e as necessidades mudaram. Mas o número é mais impressionante se nós pensarmos que em poucos anos perdemos 12% dos agentes. E esta situação ainda se vai complicar porque nos anos da Troika Portugal não formou agentes da polícia. E agora voltou a formar, mas está a formar 600 por ano, quando todos os anos vão para a reforma entre 1.200 a 1.500. Se pensar que nós temos, no total do país, cerca de 22 mil agentes compreenderemos, rapidamente, que há um problema e que o Estado está a desinvestir nas questões de segurança. É um pouco a mesma questão do consumo à porta das escolas. Se nós hoje ainda estamos bem é altura de tratarmos do assunto. Nós devemos tratar do assunto do nosso corpo antes de estar doente, não é depois de estar doente.

E foi exatamente isso que o ministro [Eduardo Cabrita] lhe prometeu: 20 milhões, novos agentes até 2021. Acha que isto é um problema deste Ministro em concreto, por falta de peso político, ou é um problema do Estado?
Não, aliás foi conhecido que este ministro, ainda agora, relativamente ao reforço das condições dos agentes de segurança, terá feito uma proposta e terá sido recusada pelo Ministro das Finanças. Não é este Ministro, nem sequer este Governo. Este é um problema que dura pelo menos há 20 anos. Pelo menos há 20 anos em Portugal que tem havido um desinvestimento. A propósito de despenalizar isto ou aquilo com o qual nós concordamos, temos vindo a convencer-nos de que não precisamos de ter segurança. Porquê? Porque as estatísticas são boas. E depois? Por exemplo, o caso da videovigilância. Eu não consigo compreender porque é que em Portugal nós havemos de ter, relativamente a esta matéria, complexos, quando nós sabemos o que aconteceu nos outros países, que, talvez por terem tido atos de terrorismo - e que nós, felizmente, nunca tivemos - ou terem tido outras questões desta matéria, têm hoje recursos tecnológicos que substituem, muitas vezes, a necessidade de ter um policiamento de proximidade. Isso parece-me absolutamente óbvio. Todos nós sabemos que na maratona de Boston, quando houve o ataque terrorista, os atacantes foram detetados exatamente porque havia videovigilância. Eu não consigo compreender este garantismo relativamente à videovigilância. Não é para o presidente da câmara estar a ver. É para a polícia poder ver, principalmente em condições de emergência. E, portanto, nós estamos a colocar câmaras que usamos apenas como, sabem, para o trânsito. O que estamos a dizer é, quando a polícia quiser, pode usá-las. Estão lá disponíveis. E, há várias cidades que o estão a fazer, nas áreas metropolitanas do Porto e Lisboa.

Desse ponto de vista, do ponto de vista das prioridades do Estados, estávamos a falar da questão da segurança mas há outras prementes, que se tem discutido muito, como a saúde. Estamos a uma semana da apresentação do Orçamento de Estado. Que prioridades é que gostava de ver lá espelhadas?
Bom, eu acho que neste momento, por aquilo que nós nos apercebemos é absolutamente necessário um reforço relativamente à questão da Saúde. Quando nós hoje olhamos aquilo que aconteceu a seguir ao 25 de abril, as conquistas de abril, talvez a saúde pública tenha sido a maior das conquistas. A questão da Saúde é uma questão que a todos nos afeta e que se vai complicar. E complica-se exatamente porque nós hoje temos mais exigências, porque é mais caro. A verdade é que houve um enorme desinvestimento em Saúde nos últimos anos. Um desinvestimento tecnológico, em equipamentos. Nós vamos aos hospitais hoje e percebemos que as coisas parecem um pouco como eram nos anos 80. Portanto eu creio que, na questão da Saúde, nós precisamos de fazer alguma coisa.

E faz-lhe sentido que o Ministro das Finanças esteja a ambicionar um superavit orçamental, quando depois a saúde está nesse estado?
O que eu acho é que é preciso fazer escolhas. Eu percebo que se queira um superavit orçamental face aquilo que é a nossa dívida. E é nestes tempos de bonança que nós devemos fazer isso. Ou seja, percebo que a consolidação orçamental é importante. Agora, a questão aqui é uma questão de escolhas. E, pelo que nós vemos muitas vezes nas escolhas que são feitas pelo Estado Central, podemos é duvidar das escolhas e das prioridades. Eu creio que, nessa matéria, a Saúde tem ficado um pouco esquecida. E nos últimos tempos, principalmente com esta senhora Ministra da Saúde, parece que esta nossa perceção é negada. Há quase que um negacionismo por parte da Ministra da Saúde relativamente a uma coisa que nos parece absolutamente transversal. E isso a mim, naturalmente, preocupa-me.

.Pergunto-lhe se lhe parece que este Governo, nesta nova legislatura, tem condições para durar os quatro anos?
Não faço ideia nenhuma. A minha bola de cristal, nesse aspeto, está muito enevoada. Não sei.

Há pouco falava das ameaças que o país enfrenta, e a verdade é que, para além dessas ameaças externas, a solução política é agora diferente. A famosa geringonça que tinha acordos escritos já não existe e agora não há acordos escritos.
Sem ter bola de cristal acho que isso vai depender do que acontecer nas eleições do PSD no início de janeiro. Acho que se o senhor doutor Rui Rio ganhar as eleições do PSD, o Governo vai governar quatro anos porque o PSD vai viabilizar a governação do doutor António Costa. Se surgir uma solução diferente, o Governo vai ter de procurar uma geringonça. Acho que é isto que é claro.

Uma nova geringonça escrita?
Sim, escrita desta vez, sim. Portanto, acho que isso vai tudo depender, curiosamente, do que vai acontecer, salvo erro, dia 11 de janeiro [data das diretas do PSD]

E, nesses cenários, o que lhe parece melhor para o país?
Eu não gosto das soluções de Bloco Central. Olhando também para o que se passa na Europa, quando nós percebemos que nas franjas, quer à Direita, quer à Esquerda, há franjas populistas a aparecer, acho que é muito perigoso situações de Bloco Central. Porquê? Porque ao não haver divergência ao Centro, o Centro é comido pelas extremidades. Portanto, teoricamente, pelo menos, sem pensar muito no caso português, é mau haver situações de consenso ao Centro. E quando nós hoje, como digo, temos nas franjas, algum extremismo, se quiser, algum populismo, alguma demagogia, acho que, a médio prazo, é mau. É mau para o país. Acho que é bom que os dois principais partidos sejam partidos diferentes. Porque são eles, ao fim e ao cabo, os garantes da democracia. E sabemos que o eleitorado que uma vez vota de um lado, outra vez vota do outro, é esse, no fundo, que tem levado a estes 45 anos de democracia, dos quais, apesar de tudo, nós devemos estar contentes. Quando comparamos com outros países, e com outras realidades, eu sou um otimista, mas, mais do que um otimista, eu estou muito agradecido pelo que se fez nos últimos 45 anos. E acho que era bom acentuar essas diferenças e não procurar - por razões táticas ou de querer manter o poder - situações de excessivo consenso.

Uma das polémicas mais recentes em que se viu envolvido teve a ver com o Pavilhão Rosa Mota, agora Super Bock Arena Rosa Mota. De tudo aquilo que foi dito, do lado da Câmara e do lado da própria Rosa Mota, há uma questão que talvez ainda esteja por responder. Prometeu ou não prometeu à Rosa Mota uma solução diferente daquela que acabou por ser apresentada?
Não.

Então ela mentiu?
Eu acho que ela quis uma coisa diferente. Vamos lá ver, para sermos claros: aquilo que nós sabemos, e foi, aliás, tornado público, por ela, é que ela resolveu ter - ela e o marido - reuniões com a Super Bock nas quais a Câmara não participou. E a Câmara não tem, como sabe, nenhum contrato com a Super Bock. A Super Bock não é concessionária do Pavilhão Rosa Mota. Há um grupo, que ganhou um concurso público, que esse sim procurou encontrar um patrocinador para o Pavilhão Rosa Mota e encontrou a Super Bock. E esse grupo começou por nos propor uma solução. Que aquilo se passasse a chamar, tout court, Super Bock Arena. Eu recusei. Nem sequer levei a reunião de Câmara. E depois aquilo que se consciencializou foi "nós temos de manter ali o nome"... Para já, aquilo não se chamava Pavilhão Rosa Mota. Chamava-se Pavilhão dos Desportos Rosa Mota. E, para muita gente, Palácio de Cristal. Era assim que aquilo era chamado. Não havia lá em lado nenhum o nome Rosa Mota. Não constava. E aquilo estava a cair. E muitas das pessoas que agora levantaram estas questões durante os anos em que aquilo esteve a cair ninguém lá pregou um prego, nunca disseram nada, nunca se preocuparam. A verdade é que nós encontramos um modelo que foi possível concessionar e hoje aquilo está como está e acho que toda a gente que lá vai gosta. Daquilo resulta uma receita para a Câmara e nenhuma despesa. Daquilo resulta, ainda, a utilização livre de um pavilhão e passamos a ter um centro de congressos no Porto com dimensão que não tínhamos. Portanto, primeira coisa, o objetivo foi atingido e isso é que preocupa as pessoas lá fora. Relativamente a essa questão, aquilo que eu lamento, naturalmente, é que tenha havido aqui alguma confusão relativamente a esta matéria, mas, da minha parte, posso garantir que nunca menti. Disse sempre a verdade, e, por isso mesmo, no dia em que lá fui inaugurar o pavilhão, tive o cuidado de dizer que tinha muita pena que a Rosa Mota não estivesse. Eu tinha estado, como sabem, uma semana antes a abrir o Parque Oriental da cidade com ela e nesse dia não havia problema nenhum. Depois ela foi a Lisboa e surgiu algum problema.

Em relação a outra polémica, a envolver o El Corte Inglés e o terreno da Boavista onde, supostamente, irá crescer o El Corte Inglés, qual é a posição do doutor Rui Moreira? Tem dito que não tem capacidade para impedir a obra e assumir uma possível indemnização. Mas, diretamente, é a favor ou contra o nascimento ali do El Corte Inglés?
Eu não tenho de ser a favor ou contra a instalação do El Corte Inglés. Aquilo que nós sabemos é que, na altura em que o El Corte Inglés foi impedido pelo dr Rui Rio ele argumentava, provavelmente com as razões dele, que se o El Corte Inglés fosse instalado ali o comércio tradicional na Baixa iria morrer. Hoje o comercio tradicional da Baixa já não morre. E, portanto, não vejo que esse risco, que existia nessa altura, hoje exista.

Mas o senhor criticou, na altura, Rui Rio por ter deixado fugir o El Corte Inglés para Gaia...
Exatamente. Achei que na altura nós ficámos com todo o prejuízo e nenhum benefício. Porque o que é facto é que o El Corte Inglés foi-se instalar em Gaia e todo o benefício foi para lá e nós não ficamos com nenhum. Se eu olhar aquilo que é a Avenida da República em Gaia, na proximidade do El Corte Inglés, o que eu vejo é que era uma avenida abandonada e hoje há muito comércio próximo. Portanto, parece-me que o El Corte Inglés funcionou, se quiser, como loja âncora daquela zona de Gaia.

Nós hoje relativamente ao El Corte Inglés no Porto, se se quiser ali instalar e cumprir aquilo que está previsto no Plano de Diretor Municipal, pode-se instalar ali. Agora, eu não sou acionista do El Corte Inglés, não tenho de me pronunciar exatamente sobre essa matéria. E creio que até ao momento não entrou nenhum PIP [Pedido de Informação Prévia]. Entrando um PIP na Câmara será analisado pelos serviços e será cumprido o Plano de Diretor Municipal. Coisa diferente é se o Estado quiser oferecer aquele terreno à Câmara. E reverter a decisão com o El Corte Inglés. Então sim, nós claramente estamos interessados em ficar com esse património e olharemos para aquele património de outra maneira. Não acredito nisso porque eu já não acredito no Pai Natal há já alguns anos. Mas como ainda há quem acredite no Pai Natal, não me vão pedir a mim para dizer que o Pai Natal não pode vir no Natal.

Já falou várias vezes sobre a requalificação do matadouro de Campanhã. A decisão sobre a requalificação do matadouro, que está travada no Tribunal de Contas, pode ser decisiva para o seu futuro? Ou seja, quando dizia, há pouco tempo, que só se recandidataria ao terceiro mandato se achasse que não tinha acabado tudo aquilo que queria fazer, esta é uma das coisas?

A minha preocupação não é deixar as coisas acabadas. Porque elas acabarão por natureza. E andarão. Agora, aquilo que eu disse é: se eu perceber, e se eu chegar à conclusão, que há bloqueios relativamente à minha governação, nesse caso... vão ter de contar comigo mais algum tempo. É só isto que eu estou a dizer.

E a questão do matadouro é um desses casos?

A questão do matadouro eu espero que agora esteja resolvida, porque o senhor Presidente da República acaba de promulgar, esta semana que passou, um decreto em que esclarece, até relativamente aos assuntos que estão em Tribunal de Contas, que a Lei das Parcerias Público-Privadas não se aplica às autarquias. E o Tribunal de Contas tem de se conformar com esse Decreto de Lei. E, portanto, quer a situação da habitação a preços controlados em Lisboa, quer o nosso, que foram recusadas pelo Tribunal de Contas pelas mesmas razões, terão agora de ser aprovadas. Perdeu-se muito tempo, mas eu quero crer que o assunto está ultrapassado.

Então não será o matadouro que vai ser decisivo para se recandidatar...

Espero que não.

O que é que é decisivo, então? Em que circunstância vão ter de "levar consigo"?

Se eu verificar que há uma obstrução indevida e não democrática àquilo que é o poder que nós temos - porque fomos democraticamente eleitos

Mas, por parte de quem?

Por parte destas máquinas. Nomeadamente por parte do Tribunal de Contas.

Então é a questão do matadouro.

Pode ser o matadouro, mas pode haver outras. Já tivemos outras. Tivemos a Sociedade de Reabilitação Urbana, que teve não sei quanto tempo para passar para a Câmara. Teve de ser por Decreto de Lei também. Ou seja, nós estamos numa fase em que o Governo se vê obrigado a publicar Decretos de Lei para ultrapassar obstáculos criados pelo Tribunal de Contas. E não é apenas por causa do Porto. É por causa do Porto, Lisboa e outros municípios.

E quando é que decide? Se se recandidata ou não?

Um dia acordarei de manhã e decidirei.

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