Scott já tinha ouvido Rodrigo sem saber que um dia lhe ia dar voz
Era um rapaz nos seus 17 anos, vivia no meio do campo, num sítio onde era muito difícil ter acesso a música, mas chegou-lhe às mãos uma cassete na qual descobriu uma canção que o encantou. "Talvez durante um bom ano" ouviu O Pastor, assim se chamava essa canção dos Madredeus (do álbum Existir, de 1992).
"Fiquei completamente marcado por essa canção e devo tê-la ouvido, talvez durante um bom ano, a toda a hora, era uma das minhas experiências favoritas de sempre", recorda Scott Matthew, o jovem que muitos anos depois, em 2011, seria desafiado pelo músico e compositor Rodrigo Leão a emprestar a sua voz e palavras a uma canção. "Quando me convidou para fazer alguma coisa com ele, fiquei encantado...", confessa Scott, à conversa com o DN, com Rodrigo ao seu lado. "No início não fiz logo a associação", entre o compositor português e a canção que ouviu à exaustão na adolescência. "Mas cinco minutos no Google e, de repente, "oh, wow", é ele..." - e os dois riem-se.
Foi assim que se iniciou a viagem que agora se concretiza com Life Is Long, o disco a quatro mãos que é hoje lançado. A cumplicidade de Rodrigo e Scott salta à vista: sentados na esplanada da Casa Independente, ao Intendente, em Lisboa, os dois músicos explicam que o seu processo de criação é "natural".
Fizeram "tudo por e-mail". "Pode parecer estranho para as outras pessoas, mas para nós foi bastante natural. Quero dizer: nós os dois vivemos em diferentes partes do mundo", o australiano em Nova Iorque, o português em Lisboa, "mas não sentimos uma forte necessidade de comunicar sobre o que estávamos a fazer ou sobre o que estávamos a tentar alcançar. Foi mais uma resposta emocional a uma peça musical. Eu tive uma resposta emocional a isso, escrevia e enviava-lhe de volta. Não foi nada stressante, de todo", explica-se Matthew.
Rodrigo completa: "Nós não conversámos muito acerca de... Foi só comunicar através da música." Scott acrescenta que foi um processo "mais intuitivo" e o português acrescenta. "Quando começámos a falar em fazer um álbum completo, em conjunto, pensei que talvez devêssemos falar sobre o que iríamos fazer, mas depois acabámos por não o fazer..." - e riem-se de novo. "Continuámos a fazer da mesma maneira que tínhamos começado a fazer."
O processo foi "longo": o álbum foi gravado em junho de 2014 e misturado em janeiro deste ano. "Penso que, por causa disso, foi um processo agradável porque não tínhamos a pressão do tempo, não tínhamos uma data-limite autoimposta ou imposta pela editora. Tivemos muito tempo para escrever as canções. Foi agradável", descreve Scott.
Sem quase mexer no que registaram. "Não mudámos muito entre as gravações e as misturas", recorda Rodrigo. "Pensei, algures, que podíamos mudar mais do que aquilo que acabámos por mudar. Nós queríamos algo simples, nada de demasiado trabalhado, com muitos arranjos. Mas temos o apoio das cordas, três sopros, a bateria, os baixos, as guitarras..."
As letras apareceram sempre depois da primeira ideia da canção, conta o português. "Por vezes pensei, quando estava a tentar compor, na voz de Scott, claro... mas noutras canções só estava a tentar fazer alguns coros... Estava a tentar fazer algo para ser cantado", argumenta o compositor, que tem uma vasta obra instrumental. Neste disco, "só há dois pequenos instrumentais. É um álbum de canções com voz".
A voz masculina que acompanha Rodrigo é melancólica, como são as suas letras. O australiano prefere não falar em "tristeza". "Não gosto da palavra, porque me parece muito forte para aquilo que fazemos. Gosto de "melancolia" - e penso que há muita beleza na melancolia", responde. "A minha história de escrita de canções lida - há muito tempo já - com a melancolia, a perda e o abandono e tudo isso sobre amor e perda." Como a música de Rodrigo, que "tem essa atmosfera".
Scott sacode qualquer "depressão". "Nós ouvimos as canções, antes de iniciar estas entrevistas, e fiquei surpreendido com a quantidade de canções que têm uma mensagem positiva." Como a primeira canção, The Child, que lhe parece uma lullaby. "Eu inspiro-me naquilo que a música me diz, naquilo que deve ser, e em particular nessa soou-me exatamente como uma canção de embalar", diz.
Desligado o gravador, fechada a entrevista, com o calor de Lisboa a apertar, o australiano começa a cantarolar O Pastor...
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