A 29 de novembro de 2002, Luiz Felipe Scolari foi confirmado como selecionador de Portugal, através de um comunicado emitido pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF). Com a decisão da organização do Euro 2004 confirmada em Portugal, Gilberto Madaíl, presidente da FPF na altura, apostava numa liderança com o treinador que tinha feito do Brasil campeão do mundo em 2002. "Scolari não é um paraquedista no futebol. Tem um historial e é um homem que fala a nossa língua e conhece os nossos jogadores. Tem uma conceção do futebol que é perfeitamente aplicável à seleção portuguesa", disse na altura o líder da FPF. E assim foi. Em janeiro de 2003, Felipão pegou na seleção portuguesa para preparar o Euro 2004. Portugal arrancou em falso com uma derrota com a Grécia, na estreia na fase de grupos, mas a partir daí só parou na final, com um futebol de qualidade que encheu de orgulho os adeptos e criou uma ligação nunca antes vista. No jogo decisivo, em pleno Estádio da Luz, a Grécia voltou a vencer Portugal. E assim se esfumou o sonho de a seleção conquistar o seu primeiro título internacional..Nesta entrevista ao DN, quando se completam 15 anos do arranque do Campeonato da Europa em Portugal, Scolari recorda a união que existiu no grupo de trabalho, o ambiente criado com os adeptos, o que sentiu no jogo dos quartos-de-final com a Inglaterra quando Ricardo tirou as luvas para defender um penálti e ele próprio marcou o castigo máximo decisivo... e também dos sentimentos que gerou a final perdida com a Grécia..Faz nesta quarta-feira precisamente 15 anos que arrancou o Euro 2004 em Portugal. O Luiz Felipe Scolari era o selecionador na altura. Que recordações guarda do torneio, dentro e fora do campo, com todo aquele ambiente único em torno da equipa? Bem, a melhor recordação que eu guardo é a de que nós fizemos uma equipa. Juntamente com os jogadores, formávamos uma verdadeira equipa, um grupo, tínhamos um ideal juntos, trabalhámos em conjunto em 2003 e 2004 para chegarmos ao Campeonato da Europa naquelas condições e conseguimos chegar à final. Claro que o objetivo inicial era ganharmos a prova. Mas não conseguimos, infelizmente perdemos aquela final com a Grécia. Depois há também todas aquelas recordações dos momentos que vivemos em Alcochete, onde a seleção portuguesa treinava e onde nos concentrávamos e nos organizávamos para os jogos. As saídas de Alcochete para os jogos eram qualquer coisa... e não falo apenas daquele episódio dos barcos e dos cavaleiros, daquele ambiente maravilhoso antes da final. Aconteceram muitas coisas, todas elas são recordações da minha vida e memórias maravilhosas..Pode-se dizer que um dos segredos daquela seleção foi o excelente ambiente? Eram mesmo uma família? Eu penso que sim. Quando começámos os treinos e a jogar os encontros particulares fomo-nos conhecendo. Eu, que tinha saído do Brasil, encontrei uma cultura diferente na seleção portuguesa, comecei a conhecer o ambiente, os jogadores, a atmosfera da seleção no seu íntimo. E aos poucos fui tomando contacto e comecei a descobrir o povo no geral. Por isso considero que nós formámos ali um grupo que era verdadeiramente uma família. Em determinados momentos, em algumas situações, um ou outro jogador sempre tomou as rédeas da situação, ou tomámos em conjunto decisões sobre o que nos poderia acontecer, assumindo compromissos. Tal e qual como numa família. E então, nós todos nos tratávamos dessa forma, uma família, e fomos assim até ao fim. Portanto, eu acho que podemos dizer que tínhamos uma família no Euro 2004, Eu posso dizer que sim..Um dos momentos que marcam a campanha de Portugal é o jogo diante da Inglaterra, nos quartos-de-final, que é decidido no desempate por grandes penalidades. O Ricardo tira as luvas para defender um penálti e depois ele próprio marca a grande penalidade decisiva. Como viveu esse momento no banco? Bem, nem deu tempo para pensar em nada. Naquele momento toda a gente ficou surpresa, eu incluído. Não tínhamos o que falar entre nós ali junto ao banco porque a bola já estava na marca do penálti para o rapaz da Inglaterra bater [Darius Vassell]. Foi uma surpresa, uma surpresa agradável e feliz, quando ele defendeu. Porque aquilo que ele fez, ao tirar as luvas para defender o penálti, talvez tenha afetado psicologicamente o adversário. Eu não tenho certezas, não sei, mas pode ter sido isso que aconteceu. Mais feliz ainda fiquei quando o Ricardo bateu o penálti decisivo e fez o golo da vitória que nos apurou para as meias-finais..Custou muito encaixar aquela derrota com a Grécia na final? Já todos viam Portugal como campeão europeu... Veja bem... Quando o jogo terminou ficámos todos com aquele sentimento de uma perda irreparável, mas depois ao observarmos o nosso balneário, ao vermos o público nas bancadas, as pessoas que assistiram ao jogo fora do estádio... vendo aquilo tudo que nos foi possível observar, de alegria e confiança por tudo o que os jogadores conseguiram fazer durante toda a prova até à final, acho que foi uma semente para que Portugal crescesse ainda mais em termos de futebol..A semente que contribuiu para o sucesso atual de Portugal, é isso que quer dizer? Foi uma semente que foi lançada para os bons resultados que Portugal atingiu. O público entendeu, as pessoas em Portugal entenderam... podemos dizer que o país entendeu. A seleção portuguesa continuou a trabalhar fortemente e de forma séria como nós o fizemos naquela altura, e conseguiram depois os resultados que atingiram nos anos seguintes. E que, aliás, estão a alcançar até hoje. Vi que não tinha mais o que fazer, porque perdemos. Perdemos a final, mas fomos reconhecidos e tivemos esse sentimento de termos dado o primeiro impulso à seleção portuguesa. Depois a sequência foi dada por outros, com grande qualidade, até aos dias de hoje..ronaldo Infogram