Saúde. Tapar o sol com uma peneira

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Vejamos duas realidades que assombraram o Ministério da Saúde nas últimas 48 horas! A realidade número um é que a Direcção Executiva do SNS (DE-SNS) espera há oito meses pelos estatutos que definam a sua organização interna, estatutos que são vitais para um bom e regular funcionamento daquela instituição.

A realidade número dois trata-se de um concurso para a contratação de 987 novos médicos de família que apenas recebeu 300 candidaturas.

Sobre estas duas evidências/realidades, que são episódios esclarecedores sobre o estado em que se encontra o SNS, vejamos de seguida como é a visão em tons cor- de -rosa do ministro da Saúde, Manuel Pizarro!

O concurso para médicos de família foi um enorme sucesso, diz o ministro. Porquê? Bom, porque para as 978 vagas abertas existiram 300 candidaturas e destas foram selecionados 90 por cento dos candidatos. Portanto um estrondoso sucesso diz Pizarro. Querendo "esconder o sol com uma peneira" o ministro da Saúde ignora que das 978 vagas abertas, apresentaram-se apenas 300 candidatos porque são, manifestamente, insuficientes as condições oferecidas. Com fracos vencimentos, pouca flexibilidade horária e uma permanente desvalorização da carreira médica como quer o governo ter mais candidaturas?

Portanto, talvez o ministro Manuel Pizarro tenha uma boa oportunidade de aferir o "sucesso" do seu processo da candidatura para médicos de família, logo de madrugada, num dos centros de saúde que, habitualmente, têm uma longa fila de utentes do SNS obrigados a deslocarem-se antes do sol raiar para conseguirem uma senha de atendimento para uma consulta.

Quanto à segunda realidade, sobre os estatutos da Direcção Executiva do SNS, Manuel Pizarro diz que este atraso de oito meses se deve à complexidade do processo que é "muito difícil".

Imaginamos que sim, sobretudo sabendo que este governo foge das reformas como o "diabo da cruz". Calculamos como será difícil mexer nos "quintais instalados" na área da saúde. Mas, mais uma vez, no habitual exercício de visão cor-de-rosa governamental, os utentes que não se preocupem porque está tudo a correr bem e a Direcção Executiva do SNS, no dizer do ministro, "está em pleno funcionamento como aliás acho que os portugueses têm visto".

Ah pois têm! Que o digam os pais do bebé de onze meses que faleceu no Hospital de Portimão enquanto aguardava transferência para os cuidados intensivos do hospital de Faro, que estava sem serviço Pediatria e com a ambulância de serviço avariada.

Há um desfasamento entre a realidade quotidiana vivida pelos portugueses e aquela "realidade" que o Executivo nos quer apresentar. Começa a ser cansativo, irritante para a população, desgastante para o governo, esta permanente ilusão do país que o Executivo nos quer impor. Há um país da classe média empobrecida, dos mais necessitados, dos que ganham parcos vencimentos, dos que tudo fazem para vencer as dificuldades do dia-a-dia, e há, depois, a narrativa do Governo.

Não sabemos bem o que ganha o Governo com esta sua teimosia em querer esconder "o sol com uma peneira". Cada vez mais a narrativa governamental ilusória vai-se afastando dos portugueses. Torna-se cada vez mais evidente que o Executivo quer esconder os aspectos mais penosos que afligem a sociedade portuguesa, procurando criar um imaginário ideal que não se coaduna com a realidade vivida, todos os dias, por quem tem de enfrentar as dificuldades de um país que se vai deixando ficar pela cauda da Europa.

Jornalista

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