Os museus do Calçado e da Chapelaria, em São João da Madeira, têm patente até agosto uma mostra inédita sobre o vestuário da fadista Amália Rodrigues (1920-1999), incluindo vestidos, joias e pares da sua coleção de 219 sapatos..Resultando de uma parceria com a Fundação Amália Rodrigues e com curadoria de Joana Galhano, Sara Paiva e Tânia Reis, a exposição reúne cerca de uma centena de peças da coleção privada da artista que, consciente da sua feminilidade, a explorou com um particular sentido de moda e "inventou a figura da fadista vestida de negro, posicionada à frente dos guitarristas e atuando com as mãos juntas, em oração"..A mostra "Amália Mulher" combina assim peças de vestuário e acessórios de moda com fotografias, notas biográficas, citações, poemas e letras de canções, dando a conhecer o que Joana Galhano considera os contrastes da cantora. Trajando desde o negro integral aos grandes padrões floridos e exóticos, a imagem cuidada da cantora ajudou, por um lado, "a que a elevassem a Rainha de Portugal" e "diva dos palcos", e, por outro, a que se preservasse também a sua "meninez", a postura de "mulher humilde e devota"..Das cerca de 100 peças dispostas pelos dois museus, destacam-se alguns dos 17 pares de sapatos que Amália adquiriu especificamente para aumentar a sua figura em palco, já que a artista media apenas 1,58 de altura e procurava disfarçar esse aspeto. "Criados especialmente para ela pela marca Mabel, esses sapatos teriam entre 15 e 17 cm de altura, pelo que quem a via em palco tinha sempre a ideia, graças ao seu 'calçado-plataforma', de que era uma mulher alta", explica Joana Galhano..Nos eventos formais, a cantora usava marcas de alta-costura como Prada, Versace, Salvatore Ferragamo e Yves Saint Laurent; em contexto mais informal, adotava o estilo de mulher independente, com o qual se distinguiu sobretudo nos anos de 1950..Para Joana Galhano, tratava-se de uma vantagem proporcionada pelo seu estatuto de lenda viva e desafiava os cânones conservadores impostos pela ditadura: "Divorciada, usava calças, fumava, divertia-se como bem lhe aprazia, ignorava as más-línguas, sentia-se bem na sua pele"..Descrita como usando sempre cabelo arranjado, sobrancelhas bem definidas, olhos delineados a preto e lábios em batom vermelho, Amália "tinha uma maneira de estar na moda muito própria" e, pelos dois museus, há citações em que ela própria comenta as suas opções.."Estar bem vestida é quando uma pessoa olha para o espelho e se sente bem. Mesmo que seja fora de moda", defende a cantora, citada num dos painéis da exposição. "Gosto tanto de coisas que brilhem que chego ao fundo da escada e tenho de voltar para trás, porque olho para mim e acho que é demais", refere noutra zona da mostra..Para Joana Galhano, o certo é que os vestidos, chapéus, sapatos e joias de Amália Rodrigues se tornaram "fragmentos de uma história de vida dedicada à Cultura", contribuindo para o "ícone internacional" -- de música, arte, política, religião e beleza - que ainda hoje inspira gerações de novos fadistas e outros criadores.