A figura de António Lobo de Almada Negreiros, pai do pintor José de Almada Negreiros, sempre me mereceu curiosidade, desde logo por ter nascido no mesmo concelho alentejano dos meus pais e avós, em Aljustrel. Ele nasceu a 15 de agosto de 1868. Depois de cursar em Beja e assumir a chefia dos Correios de Monchique e de Cascais, foi nomeado administrador do concelho da ilha de São Tomé. Na visita que fiz a esta ex-colónia portuguesa, ir à Roça Saudade era um dos objetivos, dado que foi aí que o pai Almada Negreiros passou a residir na casa do sogro, depois de desposar uma mestiça abastada natural da ilha e de ascendência angolana, que lhe deu dois filhos, entre os quais o famoso pintor, a 7 de abril de 1893. António desempenharia o cargo durante dez anos, regressando depois à Metrópole. Em 1899, parte para Paris, para participar na Exposição Universal do ano seguinte, onde mostrou os seus conhecimentos sobre as Colónias Portuguesas, porque foi responsável pelo Pavilhão das Colónias, precisamente. Não mais voltou a São Tomé. Porém, passou os anos a escrever uma obra literária notável sobre este território colonial. Um velho amante das "coisas antigas" mostrou-me uma cópia de "Os Ratos na Ilha de S. Tomé. Maneira de exterminá-los", que se encontra na biblioteca pública da cidade. É curiosa a forma interessada com que o meu anfitrião me explicou aquele artigo, publicado na "Revista Portuguesa Colonial e Marítima" (20 de outubro de 1899). A obra literária de António Lobo de Almada Negreiros contempla muitos títulos em áreas como o ensino, a economia e a administração pública. Porém, depois dessa explicação acerca do pai do pintor, era sobre este último que o ancião estava interessado em falar comigo. Na Roça Saudade, onde existe um museu dedicado à família Almada Negreiros no meio de uma beleza luxuriante, o meu companheiro de viagem citou-me uma frase de José de Almada Negreiros: "As pessoas que mais admiro são aquelas que nunca acabam." Também a memória do pintor não morreu ali na roça, percebi eu. Ele nasceu numa casa cuja janela grande dá para um mar de verdura, quem sabe se lhe terá inspirado a vida de artista, e onde nos seus dois anos na roça comeu provavelmente peixe-agulha, a espécie mais abundante nestas águas, quem sabe se lhe terá dado aquela veia de crítico feroz e incisivo através dos seus manifestos - "Basta, pum, basta!" A minha imaginação a funcionar. Em 2015, a figura de Almada, o artista multifacetado, voltou a São Tomé, pela mão de João Carlos Silva, Kalu Mendes e do ator João Grosso. Revisitou, saboreou, dançou e matou saudades da Saudade..Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.