São Estados, senhores, são Estados

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Italianos e franceses estão em guerra por causa dos imigrantes, e muito mais do que isso; holandeses e franceses estão à bulha por causa do domínio da companhia aérea Air France - KLM; e 17 Estados membros da União (quase todos os pequenos e médios) estão a queixar-se dos grandes. Mas, mesmo assim, continua a haver quem acredite que a União Europeia é a superação dos Estados. Não é. Mas essa ilusão não tem constrangido os fiéis da causa. O problema é que, sendo irreal, prejudica a análise dos factos e, sobretudo, a política.

Depois da guerra que lhes foi movida pelos italianos a propósito dos imigrantes e refugiados, os franceses acordaram há dias e descobriram que o (sempre liberal) governo holandês tinha andado sorrateiramente a comprar ações da companhia aérea Air France - KLM, em nome da defesa dos interesses nacionais (holandeses). Entretanto, 17 chefes de governo da UE (os nórdicos, os bálticos, quase todos os pequenos e médios, incluindo Portugal, e deixando de fora todos os grandes menos a Polónia) escreveram uma carta ao presidente do Conselho, Donald Tusk, a pedir-lhe que a próxima Comissão se empenhe na remoção das barreiras que subsistem, e nas novas que vão surgindo, para que de facto se construa um mercado único e uma Europa digital. O exercício pode parecer irrelevante, ou uma mera repetição, mas o que estes primeiros-ministros querem dizer é que a próxima Comissão Europeia não pode ser insensível aos protecionismos intraeuropeus que subsistem. Como, por exemplo, nos serviços na Alemanha, na expatriação de trabalhadores para França ou em tudo o que tenha que ver com gastronomia, quando toca aos italianos.

O que estes Estados membros estão a dizer é que para defender o seu interesse é necessário que a UE intervenha e limite a defesa do interesse dos restantes. Por outro lado, só o pedem porque é do seu interesse. É um paradoxo, e é do mais puro realismo.

Há dias, o primeiro-ministro maltês (o que Ana Gomes considerou ser vergonhoso) e que assina a dita carta, numa entrevista ao Politico explicou que as reuniões do Conselho Europeu (que junta chefes de Estado e de governo) podem ser "bastante divertidas", havendo mesmo ocasiões em que quase se chega a vias de facto, garante. E outras em quem há quem adormeça. E, embora diga que nem sempre é uma questão de interesse nacional, também diz que manifestamente não é um encontro em que as divisões sejam esquerda vs. direita. Ou seja, e é este o ponto. Divertidas, com gente a dormir e gente quase ao estalo, o que parece ser certo é que o que divide os governos europeus não é a ideologia. É o seu interesse e a sua perceção do interesse europeu. Nada de extraordinário, mas suficientemente importante para ser recordado, sobretudo a caminho de umas eleições.

A Europa é uma união onde o acordo possível é que querem viver juntos e ceder onde seja necessário e útil. O acordo que não existe é que pretendem deixar de ser o que são: Estados soberanos, livres e muito diferentes. Isto devia ser simples.

Consultor em assuntos europeus

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