Às 13.30 de ontem, o diretor do Serviço de Urgência do Hospital de Santa Maria, que integra o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, dava o alerta que se avizinhava desde o início da semana: "Os doentes de hospitais de outras áreas que não venham referenciados "não vão ser atendidos", porque o Santa Maria não tem capacidade para garantir esse acompanhamento.".Há mais de uma semana que aquela urgência, a maior do país, está a registar enorme pressão com o atendimento de doentes de outras áreas - cujas urgências ou estão com falta de médicos ou tiveram mesmo de encerrar temporariamente - que "estão a congestionar a urgência e os internamentos", explicaram ao DN. Logo na segunda-feira, dia 2, o número de atendimentos na urgência geral atingiu um pico, 511, sendo que metade eram doentes de fora da área do hospital e não urgentes..Na conferência de imprensa, o diretor da urgência, João Gouveia, foi taxativo: "Venho pedir que só venham às urgências, nomeadamente à urgência do serviço do Hospital de Santa Maria, os doentes que necessitam de cuidados urgentes e emergentes", explicando que a partir daquele momento "os doentes de hospitais de outras áreas que não venham referenciados por instituições ou pelo CODU (Centros de Orientação de Doentes Urgentes) do INEM não vão ser atendidos neste hospital"..Esta afluência é justificada com o encerramento temporário de algumas urgências de unidades satélites da cidade de Lisboa, nomeadamente de Almada, Amadora-Sintra, Santarém, Caldas da Rainha, Leiria, etc. João Gouveia confirma: "Há uma afluência contínua devido ao encerramento dos serviços de urgência dos outros hospitais e a nossa dificuldade está a ser escoar os doentes", sublinhando que "os profissionais de saúde estão aqui para cumprir o seu trabalho", mas precisam que a "afluência seja regulada". O médico assumiu mesmo ser "impossível o hospital responder sozinho a este problema"..Questionado pelo DN, sobre o facto de o maior hospital do país ter necessidade de acionar o plano de contingência no atendimento das urgências, o bastonário dos médicos, Carlos Cortes, não se mostrou surpreso, dizendo mesmo: "Santa Maria é o primeiro hospital de grande dimensão a acionar o plano de contingência, mas não vai ser o último. Tenho perfeita noção disso. Por isso mesmo é que esta semana disse ao Sr. ministro da Saúde que tinha de dar rapidamente uma resposta ao que está acontecer.".A Ordem dos Médicos tinha avisado que os serviços de urgência de, pelo menos, 25 hospitais iriam começar a encerrar por falta de médicos, visto que os médicos estavam a apresentar declarações de escusa para fazerem mais horas extras do que as 150 previstas na lei, e pediu uma reunião urgente ao ministro Manuel Pizarro, que aconteceu na última quarta-feira e de onde saiu "satisfeito"..Mas o alerta sobre o que iria acontecer veio também dos sindicatos médicos, já que no final do mês de setembro mais de 1500 médicos tinham entregado escusas para fazerem mais horas extraordinárias do que as legais e, passado uma semana, este número já ultrapassa os dois mil, prevendo-se que, em novembro, esta situação ainda agrave mais..A verdade é que, justificavam os sindicatos, muitos médicos já cumpriram até esta altura do ano mais de 400, 500 e até do que 600 horas extras. Na semana passada, um balanço feito pela Federação Nacional dos Médicos (FNAM) dava conta de constrangimentos durante o mês de outubro em vários hospitais devido a esta recusa, nomeadamente em Almada, Amadora-Sintra, Aveiro, Barreiro, Braga, Bragança, Famalicão, Figueira da Foz, Lamego, Leiria, Lisboa, Matosinhos, Penafiel, Ponte de Lima, Porto, Póvoa de Varzim, Portalegre, Portimão, Santa Maria da Feira, Torres Vedras, Viana do Castelo, Vila Nova de Gaia, Vila Real, Viseu, Barcelos, Caldas da Rainha, Chaves, Guarda, Santarém e Tomar..O bastonário argumenta ao DN: "Os médicos estão nas unidades para cumprirem o seu trabalho, mas não são máquinas e estão esgotados. Tenho estado em muitos hospitais e, desde que sou médico, nunca vi as pessoas assim. Isto tem de ser entendido. Não é uma questão de dinheiro que está em causa. É uma questão de se tornar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) mais atrativo para que os profissionais queiram ficar lá e queiram ir para lá. Temos cerca de 20 mil a 21 mil especialistas no SNS, mas são precisos mais"..Carlos Cortes defende que, para se resolver o problema da falta de médicos no SNS, "o Ministério da Saúde tem de usar um penso rápido", justificando até: "Estou a usar uma expressão que, normalmente, uso no sentido negativo, mas aqui usa-o no sentido positivo". Ou seja, "algo tem de ser feito rapidamente. As soluções que o ministério vai apresentar aos sindicatos e que já apresentou à Ordem dos Médicos nesta semana têm de ser implementadas rapidamente. É necessário estabilizar esta situação, que se agrava de dia para dia"..Uma situação que já está a ter efeitos colaterais, porque, específica, "ao que sei o problema em Santa Maria não tem a ver com dificuldades internas, porque só alguns cirurgiões entregaram escusa para mais horas extras e isso não está a afetar a urgência, o problema são os constrangimentos existentes em muitos outros hospitais que estão a referenciar para aquele serviço"..O bastonário, médico no Centro Hospitalar do Médio Tejo, conta também que a sua unidade já está a ser atingida. "Há hospitais que deveriam referenciar para Lisboa, mas como sabem que as urgências estão com dificuldades já estão a enviar doentes para o Médio Tejo. Portanto, é uma situação que, mais tarde ou mais cedo, vai afetar outros hospitais centrais". Carlos Cortes assume que a questão é uma das grandes preocupações da Ordem dos Médicos..Por isso, "pedimos uma reunião urgente ao Sr. ministro para debater algumas questões, e disse ao Sr. ministro que a solução não é arranjar mecanismos para carregar mais os médicos que estão no SNS. A solução é criar mecanismos para conseguir mais médicos para o SNS". Ou seja, "isto é um mudança de fundo, mas para já tem de haver uma resposta imediata por parte da tutela esta questão"..No final da reunião com o ministro, Carlos Cortes mostrou-se satisfeito com a abertura da tutela para voltar ao diálogo, deixando claro que a Ordem não se meterá nas questões sindicais, mas que pretende também negociar questões técnicas e normativas para a formação médica, concluindo, de uma vez por todas "têm de perceber que os médicos têm de sentir confortáveis a trabalhar"..Os sindicatos, após a reunião da Ordem com o ministro, garantiram que só voltavam às negociações se a tutela apresentasse uma proposta escrita.