Um dos estádios mais míticos da Europa poderá estar à beira da demolição. O Estádio Giuseppe Meazza, também conhecido por San Siro, por estar situado no bairro com o mesmo nome, a noroeste do centro de Milão, tem sido a casa dos dois históricos clubes da cidade, AC Milan e Inter, que agora estudam a possibilidade de avançarem para a construção de um moderno e mais rentável recinto, mesmo ao lado do imponente recinto inaugurado em 1926..A decisão será tomada no final de abril. E a ideia está a deixar em choque alguns dos mais tradicionais adeptos dos dois clubes. Foi o AC Milan que em 2015 apresentou o projeto de construção de um estádio próprio com capacidade para 48 mil pessoas, num projeto inovador que iria custar mais de 300 milhões de euros. Só que este sonho nunca saiu do papel ou da maqueta, sobretudo devido à mudança de donos do clube rossoneri, adquirido em 2017 pelo grupo britânico Elliott..Nos últimos meses, Milan e Inter têm procurado uma solução conjunta no mais absoluto segredo, quebrado nesta quarta-feira, com a revelação de toda a história pelo jornal italiano Corriere della Sera. Alguns administradores dos dois clubes estiveram recentemente nos Estados Unidos onde analisaram alguns exemplos de recintos partilhados e chegaram à conclusão de que esta é a solução mais viável para os dois clubes, que assim podem dividir as despesas do novo empreendimento que, segundo o jornal Gazzetta dello Sport, deverá rondar os 600 milhões de euros e pode estar concluído no prazo de quatro anos (2023)..Afastada está a possibilidade de remodelação do histórico Giuseppe Meazza, apesar de ser a opção defendida pelo município de Milão, que é o proprietário do estádio, pelo qual cobra aos clubes dez milhões de euros por ano. Ainda assim, nesta quarta-feira, Giuseppe Sala, o presidente da Câmara, já veio mostrar disponibilidade de aceder à vontade dos clubes, mas com uma condição essencial: "Temos de encontrar uma fórmula para que o novo estádio seja propriedade do município, com uma concessão a longo prazo. É óbvio que não queremos perder a propriedade do estádio.".Apesar de rivais eternos, Milan e Inter estão condenados a continuar na mesma casa, sobretudo por razões de viabilidade económica, mas desta vez com um estádio onde os dois clubes possam coabitar e rentabilizar os respetivos espaços. Com capacidade para 60 a 65 mil espetadores, o novo recinto, cujo nome não está ainda definido embora seja quase certo que não será Giuseppe Meazza, contará com os museus dos dois clubes, entradas diferentes para os dois emblemas e uma cobertura do estádio. Na próxima semana está marcada uma reunião com os administradores dos dois emblemas, em que serão acertados os últimos pormenores, ficando a entrega do projeto na Câmara agendada para o final de abril..Uma ideia de Piero Pirelli.Em marcha está já a contagem decrescente para a demolição do mítico Giuseppe Meazza, estádio inaugurado a 19 de setembro de 1926 com um jogo entre os dois rivais, que o Milan venceu por 6-3. À data chamava-se Nuovo Stadio Clacistico San Siro e era propriedade do AC Milan, que passava a ter um recinto apenas para o futebol. Na altura, o governo italiano dava subsídios aos clubes que construíssem os seus próprios estádios, mas para isso tinham de ter pista de atletismo. Contudo, o presidente rossoneri, Piero Pirelli (fundador da empresa de pneus Pirelli), não quis a ajuda do Estado porque queria um recinto só para o futebol..Por essa altura o Inter jogava na Arena Civica, que tinha sido construída em 1807, muito antes do nascimento do futebol, e que se destacava pela sua arquitetura neoclássica. Um recinto que atualmente é a casa da equipa de râguebi Amatori Milano e que é usado ainda para provas de atletismo, concertos, mas também jogos de futebol da equipa Brera Calcio..Em 1947, o Estádio de San Siro - só foi batizado de Giuseppe Meazza em 1980 em homenagem ao antigo futebolista que jogou nos dois rivais - foi comprado pela Câmara Municipal de Milão, passando também a ser a casa do Inter, que deixava assim a Arena Civica. Nesse momento, nasceu uma parceria entre os dois principais clubes da cidade que dura até hoje e que promete agora prolongar-se com a construção de um novo e moderno recinto..Jogos míticos no Scala do futebol.Quando for demolido o imponente estádio localizado no bairro de San Siro, ficarão apenas as memórias de grandes tardes e noites de futebol daquele que foi um palco mítico do futebol mundial, que chegou a ter capacidade para 140 mil pessoas. Ali se disputaram três jogos do Campeonato do Mundo de 1934, entre os quais uma meia-final em que a Itália venceu a Áustria, por 1-0..Em 1980 foi palco de mais três jogos da fase final do Europeu e dez anos depois jogaram-se ali seis jogos do Mundial, entre eles o encontro inaugural, em que os Camarões venceram a Argentina de Maradona, por 1-0. Para o Itália 90, foi expressamente construído o terceiro anel do recinto, dotando-o de uma lotação de 80 mil lugares sentados, com uma cobertura suportada por onze torres cilíndricas exteriores, que tornaram o estádio ainda mais imponente, que levou a ser chamado de Scala do futebol..O Estádio Giuseppe Meazza ficou ainda ligado ao segundo título de campeão europeu do Inter, pois foi palco da final em 1965 que os nerazzurri venceram o Benfica, por 1-0, graças a um golo do brasileiro Jair, para o qual muito contribuiu o frango de Costa Pereira. Esta foi a primeira de quatro finais da Taça/Liga dos Campeões que ali se realizaram: em 1970, o Feyenoord conquistou o troféu com um triunfo sobre o Celtic por 2-1; em 2001, o Bayern Munique fez a festa diante do Valência no desempate por penáltis, depois de um empate 1-1; e, em 2016, foi a vez do Real Madrid derrotar o Atlético também no desempate por penáltis, após uma igualdade a uma bola..A casa de muitos portugueses.Naquele estádio desfilaram ainda grandes estrelas do futebol mundial, tendo sido a casa da mítica equipa do AC Milan de Arrigo Sacchi e depois de Fabio Capello, que conquistou a Europa com estrelas como Franco Baresi, Paolo Maldini, Ancelotti, Donadoni, Rijkaard, Gullit, Van Basten, entre outros. Foi também naquela casa que os rossoneri viveram os seus tempos mais gloriosos, com a conquista de 15 títulos de campeão italiano e sete títulos de campeão europeu..O Inter também ali viveu momentos inesquecíveis, com o festejo de 13 títulos italianos e três de campeão europeu, um deles com José Mourinho no comando técnico..Vários portugueses tiveram San Siro como a sua casa nas respetivas carreiras: Paulo Futre, Rui Costa e André Silva com a camisola do Milan; enquanto Jorge Humberto, Paulo Sousa, Sérgio Conceição, Luís Figo, Maniche, Ricardo Quaresma, Rolando, Pelé, João Cancelo e agora João Mário e Cédric Soares ao serviço do Inter..Históricos com opiniões diferentes.Foi devido à grande rivalidade entre os adeptos dos dois clubes que o estádio que tem agora o seu fim anunciado foi conhecido por dois nomes. Os tiffosi do AC Milan preferem chamá-lo de San Siro, enquanto os do Inter adotaram o nome de Giuseppe Meazza, antigo jogador que jogou nos dois clubes, mas foi com a camisola nerazzurra que se destacou..Apesar dessa divergência, agora os adeptos mais conservadores dos dois parecem estar a movimentar-se para uma luta contra o desaparecimento de um pedaço importante de história, estando inclusive em marcha um movimento nas redes sociais batizado de "Save San Siro" (Salvem San Siro). Mas está também em andamento um pedido de referendo lançado nesta quarta-feira por Pietro Tatarella, representante do partido Forza Italia. "Não é apenas um estádio, trata-se de um dos símbolos reconhecidos da cidade", justificou, lembrando que são precisas apenas 15 mil assinaturas para que se realize um referendo municipal. Mais intransigente é Marco Bestetti, que tem o cargo equivalente em Portugal a um presidente de freguesia do bairro de San Siro. "Para mim, San Siro é Milan e o Milan não pode ser demolido", atirou..Giovanni Lodetti, estrela do Milan dos anos 60, já veio a público dizer que é contra a demolição do estádio para ser construído outro mais moderno. "Em San Siro não se toca. Deve manter-se como o estádio dos dois clubes, mantendo a excelente coabitação que já dura uma vida", assumiu ao jornal Corriere della Sera, que ouviu outro histórico futebolista do Inter, Sandro Mazzola, que está a favor da construção de uma nova casa. "É a solução mais lógica, uma necessidade. Nós não vivemos de lembranças, mesmo que sejam bonitas como as minhas", disse o antigo médio que fez parte da equipa que conquistou a Taça dos Campeões frente ao Benfica, defendendo que os adeptos precisam de "melhores condições"..O exemplo da Juventus.O primeiro clube italiano a decidir avançar para um novo estádio foi a Juventus, que em 2011 inaugurou o Allianz Stadium, deixando de partilhar o Estádio Olímpico de Turim com o rival Torino. Milan e Inter podem seguir este exemplo, embora Roma e Lazio também tenham planos para remodelar o Olímpico, que partilham desde a década de 1950, tal como o Bolonha que quer manter o arco que distingue o seu Renato Dall'Ara há 92 anos..Itália é um dos países da Europa com os recintos mais antigos da Europa, com destaque para o Luigi Ferraris, partilhado por Génova e Sampdoria, que foi inaugurado há 108 anos..Um pouco por todo o continente europeu tem-se assistido a uma remodelação dos palcos de futebol. Em Portugal foi a organização do Euro 2004 que levou a que Benfica, Sporting e FC Porto construíssem as suas novas e modernas casas. Logo a seguir foi a Alemanha, a propósito do Mundial 2006, que avançou para este processo, destacando-se o Bayern Munique com o seu imponente Allianz Arena..O Hertha Berlim viu o seu Estádio Olímpico ser completamente reformulado, mantendo a arquitetura pensada para acolher os Jogos de 1936 e que se tornou um símbolo histórico do país. Aliás, nas obras de remodelação para o Mundial 2006, os trabalhadores encontraram debaixo de uma das bancadas uma bomba lançada durante a Segunda Guerra Mundial. No entanto, os restantes clubes alemães, mesmo aqueles que ficaram fora da rota desse Campeonato do Mundo, sentiram necessidade de modernizar os seus recintos..Nos próximos meses, em Londres irá abaixo o estádio mais antigo da Premier League: Stamford Bridge. O Chelsea vai iniciar a construção de um moderno recinto, pondo ponto final a uma história com 142 anos. Os blues seguem o exemplo de Arsenal, Manchester City e agora do Tottenham, que têm estruturas modernas, à semelhança do histórico Estádio de Wembley, que em 2007 reabriu as portas com uma nova cara que nada tem que ver com aquele que foi demolido e que estava no mesmo local..O Liverpool chegou a ter projetado um novo estádio, mas optou por construir uma nova bancada que irá prolongar ainda mais a vida do mítico Anfield, inaugurado há 135 anos. Já o Manchester United resiste em manter-se em Old Trafford, inaugurado em 1909, que tem sofrido constantes remodelações..Em Espanha, Atlético de Madrid, Espanyol e Athletic Bilbau têm recintos novos e os dois grandes clubes do país, Real Madrid e Barcelona, vão iniciar as obras de profunda remodelação e modernização de Santiago Bernabéu e Camp Nou, respetivamente. As maquetas dos novos recintos impressionam pela grandiosidade, sendo que ali serão investidos muitas centenas de milhões de euros..Os sócios do Real Madrid já aprovaram o projeto que contempla um investimento superior a 500 milhões de euros. O Barcelona planeia ter a sua nova casa pronta em 2023, estando previsto um investimento superior a 600 milhões de euros.