O calor e as habituais multidões marcaram os primeiros dias do Festival de San Sebastián, um dos maiores certames europeus e atualmente numa renovação artística fulgurante. A competição pela Concha de Ouro está ao rubro e o filme de estreia de Gonçalo Waddington, Patrick, é o concorrente português nesta quarta-feira. Uma história baseada em muitas histórias verdadeiras sobre crianças desaparecidas e atiradas para o mundo da pornografia infantil. Mesmo sem assumir a inspiração, é possível pensar-se na influência de alguns dos mais falados casos em Portugal neste argumento imaginado pelo ator português..O Patrick do título é um jovem de 20 anos apanhado pela polícia francesa numa festa com drogas num apartamento parisiense. Mais tarde, descobre-se que Patrick é Mário, raptado quando era criança de uma aldeia no interior de Portugal. Patrick ou Mário é levado para casa da mãe que, atónita, recebe o seu filho perdido, agora já homem feito. Mas para trás está uma vida marcada por abusos numa rede de tráfico sexual de menores. Segredos que o atormentam e o impedem de uma aproximação normal à vida familiar num contexto rural..Segundo Gonçalo Waddington, num dossiê enviado à imprensa internacional aqui presente, a ideia era evitar a abordagem dos casos das crianças raptadas, em que o ângulo é sempre o dos pais em sofrimento, e propor ao espectador um enigma moral: "A moral, aparentemente ausente, leva a que no fim as pessoas tenham de resolver este enigma sem a ajuda do filme. A batalha entre o bem e o mal tem de ficar connosco. Há lugares escuros na nossa vida e na nossa cabeça que nem sempre são iluminados e o dever do cinema é precisamente espalhar luz e sombra sobre tudo...".Patrick é protagonizado por Hugo Fernandes, um jovem luso-francês, e é uma coprodução com a França e a Alemanha, tendo também no elenco Alba Baptista, Teresa Sobral e Carla Maciel. Adivinha-se que o verão triunfal do cinema português no circuito dos festivais possa ter outra página dourada neste festival. Depois de curtas como Nenhum Nome (2010) e Imaculado (2013), esta é a prova de fogo na realização de um dos grandes atores portugueses. San Sebastián está já em expectativa para o choque de Patrick e já se pressente que possa vir a ser um dos favoritos no palmarés para as Conchas. Uma coisa é certa: James Franco, que estava em competição com Zeroville, foi retirado da seleção oficial depois de uma infração: o filme já se tinha estreado fora do seu país de origem, na Rússia. O festival descobriu e desqualificou a obra. O ator e realizador americano tinha entretanto anunciado que nem estaria presente..De resto, o melhor filme do arranque foi o francês Proxima, de Alice Winocour, com Eva Green e Matt Dillon, um conto de amor de mãe situado em redor de uma astronauta francesa (Green) em vésperas de uma missão espacial. Obra de sensibilidade feminina envolvente, Proxima teve uma ovação emocionada na gigante sala Kursaal e revela uma cineasta capaz de repensar poeticamente os encantos e as dores da maternidade. Um imenso filme feminista que é uma homenagem a todas as mães trabalhadoras. Na secção Pérolas, aplausos também para La Vérité, de Hirokazu Koreeda, com Catherine Deneuve e Juliette Binoche. Uma visão em tom de fantasia sobre o cinema francês e as suas hierarquias das atrizes divas. É como se o cineasta japonês quisesse fazer um intervalo criativo no seu cinema de observação do comportamento nipónico para "brincar" ao jogo das perceções - Deneuve está em gozo com a imagem de rainha que construiu. E na função de comédia amarga é mais encantada do que se supunha.