Salgado e Isabel: a História já lhes cortou a cabeça
A diferença entre Ricardo Salgado e Isabel dos Santos é a de que pelo menos o primeiro reinventou um império familiar global, apesar de terminar a vida a enganar "legalmente" toda a gente que podia, incluindo o Banco de Portugal. Isabel dos Santos é um caso diferente: participou num saque ao seu muito pobre país quando foi colocada num lugar de "front-office" de uma farsa montada pelo papá. Nunca enganou ninguém porque tudo era imensamente visível.
Isabel, entretanto, deslumbrou-se por ela própria ao ouvir a miserável corte de advogados, gestores e jornalistas sobre os seus méritos e dotes. E assim se criou mais uma egocêntrica de dimensão global. Infelizmente foi amputada das sinapses da consciência como se a sua programação genética não lhe desse acesso ao mundo real.
Nem toda a gente corta a direito com estas figuras poderosas, e a vida é difícil, e há sempre a velha frase sobre os "filhos para sustentar". Chegamos então às grandes consultoras financeiras e jurídicas, reputadas e internacionalíssimas, que servem para validar/inventar todos estes negócios opacos e que deixam os pobres cada vez mais pobres - por via das fugas para offshores, ou leis feitas à medida que tornam legais coisas que jamais o poderiam ser.
O que se passou, por exemplo, com a KPMG no BES, e agora com a Price Waterhouse Coopers, Boston Consulting e outras que tais no dossier "Isabelinha", é humilhante para estas multinacionais. Mas, calma, nada acontece. Lembram-se da famosíssima consultora Andersen que, no início deste século, faliu de um dia para outro por nunca ter visto nada que levasse às centenas de milhões de dólares de fraudes na elétrica norte-americana Enron? A Enron caiu e a Andersen logo a seguir. Mas a América é a América. Por cá isso não interessa muito até porque o cartel é pequeno e a pessoas são as mesmas.
Assim chegamos ao ponto essencial: as Universidades que ensinam Direito, Gestão e "MBAs" são escolas de como se chegar o mais depressa possível ao topo da pirâmide. "Nenhum remorso, toda a desfaçatez" é a doutrina global. O Excel comanda a vida. É muito duro perder-se o emprego. Ou ter de se inventar um. Ou emigrar. Ou não se ser "ninguém".
Via-se a olho nu que a Princesa era a fachada da fuga de milhões (dois mil milhões, diz o Consórcio de Jornalistas...) a mando de Eduardo dos Santos. O mesmo que avalizou três mil milhões do BES-Angola, a pedido de Salgado, através do Banco de Angola para disfarçar desvios por lá - e que a cretiníssima atitude de Passos/Portas/Carlos Costa levou a considerarem esta dívida sem valor no dia seguinte à resolução do BES. Porquê? Quando um dia isto se perceber como e porque rasgamos sem piar o aval de três mil milhões angolano, vamos ficar espantados.
Depois de mais esta missão dos hackers (com Rui Pinto na equipa, ele sim, preso), questões essenciais: pode-se devolver o capital da "Princesa" na GALP, NOS, Euro BIC e Efacec, ao Estado angolano, antes que ela venda essas participações? Se as compras foram financiadas por bancos portugueses, que as retomem ou as ponham à venda - e entreguem o encaixe a quem de Direito. Mas certamente não são de Isabel, porque a sua capacidade creditícia só resultava da credibilidade fiadora da cleptocracia que representava.
Já agora: desconheço se a participação angolana na própria Global Notícias, de que este jornal faz parte, pertence a entidades com reputação credível. Aqui está uma bela oportunidade para se clarificar "Angola".
Entretanto: pode o Tribunal de Haia ser chamado a julgar este tipo de crimes? E se a Princesa não sair do Dubai, pode pelo menos ficar lá por umas décadas sem direito a amanuenses sofisticados que lhe salvem os offshores?
É-me algo indiferente que Ricardo Salgado ou Isabel dos Santos sejam presos. Mas a "Revolução Global" contra os 1% mais ricos parece estar em curso. Espera-se que as cabeças rolem e os offshores finalmente sejam eliminados. Até Trump sairá um dia do poder. Há que ter esperança.
Ricardo Salgado derrotou este país pelos negócios que levou Sócrates a inventar; destruiu o BES por arrogância e incapacidade de reconhecer a falência do GES; inventou e/ou empolou empresas, que depois se evaporaram, gerando uma rutura económica brutal; destruiu boa parte da perda de soberania do país; esmagou ainda mais a vida de cada cidadão português, via Orçamento de Estado, para cobrir as imparidades da sucata chamada Novo Banco. Este homem é a maldição da nossa vida por várias décadas.
A Princesa Isabel viveu entre as homenagens e o mimo do nepotismo. Mas desconhece o que é a fome. Nunca sofreu com a falta de dinheiro e condições de vida que o Estado angolano impôs aos seus compatriotas. Talvez nem perceba o que esta frase quer dizer. A sua família é uma maldição para Angola.
As suas vidas passam. Mas ambos ficarão provavelmente na História como duas das pessoas que mais vigarizaram os seus concidadãos desde a fundação das respetivas nacionalidades. Isso já é inapagável.