Quarta-feira, uma da tarde. Cabo da Roca. Marcelo elabora, em resposta às perguntas sobre a demissão da secretária de Estado do Tesouro Alexandra Reis, sobre a "perceção pública" - Pedro Nuno Santos, horas mais tarde, haveria de lhe acrescentar "responsabilidade política" - que não podia deixar de ter peso e sugere mudanças. O argumento para lá chegar é o PRR e o "ano difícil" que se aproxima: "O ano de 2023 é muito importante, é o ano em que vamos ver se há a eficácia que desejamos na execução dos fundos europeus e no avanço do país. Se for necessário ir mudando o Governo, muda-se o Governo. Se para isso basta o que já se mudou, veremos se é suficiente"..Nessa tarde, o ministro das Infraestruturas, que já desapareceu do site do governo, preparava a saída e a argumentação. Simplificou e endossou responsabilidades para o caso: primeiro, o secretário de Estado Hugo Mendes que "não viu incompatibilidades entre o mandato inicial dado ao Conselho de Administração da TAP e a solução encontrada " e que "entendeu, face às circunstâncias, apresentar a sua demissão"; e segundo, numa sub-reptícia referência à antiga diretora dos serviços jurídicos da TAP, mulher de Fernando Medina, escreveu que "todo o processo foi acompanhado pelos serviços jurídicos da TAP e por uma sociedade de advogados externa à empresa [onde está o irmão de Marcelo Rebelo de Sousa], contratada para prestar assessoria nestes processos, não tendo sido remetida qualquer informação sobre a existência de dúvidas jurídicas em torno do acordo que estava a ser celebrado, nem de outras alternativas possíveis ao pagamento da indemnização que estava em causa"..A sua saída foi ainda mais simplificada: "Face à perceção pública [expressão usa por Marcelo] e ao sentimento coletivo gerados em torno" decidiu "assumir a responsabilidade política e apresentar a sua demissão". António Costa aceitou sem reservas destacando o "contributo decisivo para a criação de condições de estabilidade política enquanto secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares [na altura da geringonça] e a energia com que assumiu as suas atuais funções, nomeadamente nas políticas ferroviária e da habitação"..Marcelo, que até à demissão de Alexandra Reis, viu nas então oito demissões [são agora 11], dos últimos nove meses, "vícios originais ou soluções que não provaram num espaço de tempo muito curto" não fez, até à hora de fecho desta edição, qualquer referência às últimas três saídas: Pedro Nuno Santos, Hugo Mendes e Marina Gonçalves..O que está garantido, até porque não houve "nenhuma indicação" do governo à Presidência, é que só haverá novo ministro e secretários de Estado a partir de terça-feira à tarde, dia 3, após o regresso de Marcelo Rebelo de Sousa do Brasil. O presidente parte esta manhã para assistir à tomada de posse de Lula da Silva, no domingo, e regressará na terça-feira durante a manhã..O cenário de uma "remodelação alargada", segundo fonte governamental, "politicamente significativa" é previsível. E há nomes, como os de Pedro Marques e de Eurico Brilhante Dias que parecem afastados do governo - é pelo menos isso que garantem as fontes contactadas pelo DN..A notícia da demissão de Pedro Nuno Santos, que surge depois da meia-noite de terça-feira, tem logo a reação imediata do Chega. André Ventura, no Twitter, coloca em cima da mesa a queda do governo instando Marcelo Rebelo de Sousa a "ponderar se está ou não em causa o normal funcionamento das instituições". À tarde, o pedido de ponderação transformou-se em "convocação de eleições antecipadas para que os portugueses possam dizer se querem continuar a viver neste pântano ou se querem uma solução alternativa", afirmou..Também durante a madrugada surgiu a primeira reação de Inês Sousa Real (PAN) e também através do Twitter: "Pedro Nuno Santos sai, mas persistem as dúvidas que todos temos relativamente às opções políticas feitas em torno da TAP, que infelizmente não é caso único! Banca, PPPs rodoviárias, entre outros exemplos são sorvedouros de dinheiros públicos que fazem falta ao país"..Por volta das três e meia da manhã, já a Iniciativa Liberal anunciava que João Cotrim Figueiredo iria falar pelas 10:00. À hora marcada, a decisão: "Este estado de coisas não pode continuar, este Governo não pode continuar, portanto anúncio que a Iniciativa Liberal vai apresentar, logo que possível, uma moção de censura ao Governo de António Costa"..O pedido, entregue no final de dia de ontem, apenas tem, até agora, o sim garantido do Chega. O PCP "rejeita a política ao serviço dos grupos económicos que o Governo do PS prossegue e a Iniciativa Liberal, tal como o PSD, CDS e Chega, querem ver ainda aprofundada" por isso "será na base desta consideração que se posicionará"; o PSD distancia-se e diz que "se o Governo está fragilizado e precisa de renovar a sua confiança e a sua legitimidade, deve ser o Governo a apresentar uma moção de confiança" - falta saber se o argumento de Paulo Rangel colhe em toda a bancada parlamentar; Rui Tavares, do Livre, também se afasta das pretensões da IL porque a direita "em vez de estar à altura da crise política, está a competir para ver quem chama mais a atenção"; o BE, que ainda espera por ver o texto da IL, exige "que o Governo venha já, pela voz do primeiro-ministro, dar resposta a todas estas matérias. Não pode esperar até à próxima semana para falar ao país. Isso seria incompreensível"..O BE pede a audição de Fernando Medina, de Alexandra Reis, de Pedro Nuno Santos e da presidente da Comissão Executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener..O PSD já entregou um requerimento para a marcação de um debate de urgência, na próxima quarta-feira, com a presença do primeiro-ministro, sobre "a situação política e a crise no Governo"..O PS, que considera o "assunto completamente" (...) esclarecido e resolvido (...) do ponto de vista político" - não esclarecendo se viabilizará o debate de urgência - diz, pela voz de Hugo Costa, que são "instrumentos naturais em democracia"..Questionado pelo DN, o gabinete de António Costa não esclareceu se o primeiro-ministro aceita estar presente do debate.."O tempo não é de se esconder, o tempo é de responder (...) Não, nunca nos habituaremos a esta partidarização do Governo e da Administração Pública", disse pela manhã Paulo Rangel.