Há 200 anos descobriam a Antártida. Um iate russo refez o caminho de Bellingshausen
Sergey Shcherbakov tem absoluta confiança de que o Sibir (Sibéria, em russo), apesar dos seus 12,5 metros, cruzará todo o Atlântico no sentido sul até atingir a Antártida e a estação científica russa Bellingshausen. O capitão sabe bem do que fala e por várias razões: foi ele quem desenhou e construiu o iate, foi ele quem o trouxe de Omsk, cidade siberiana a milhares de quilómetros do mar, até Cascais, primeiro pelo rio Irtysh até ao Ártico, depois desde o norte da Rússia ao Báltico (via um canal), de seguida descendo a costa ocidental da Europa. E, ao comando da pequena embarcação, já deu antes a volta ao mundo, o que prova que o Sibir está preparado para missões tão difíceis como esta agora de ir até ao continente gelado celebrar os 200 anos da sua descoberta por Fabian von Bellingshausen (que dá nome à tal estação russa), que aconteceu a 27 de janeiro de 1820.
"Foi um grande feito a viagem de Bellingshausen e Lazarev e orgulha muito os russos. Estamos a homenagear mundo fora estes dois grandes navegadores e em Portugal é especial por causa da grande tradição marítima do país", diz o capitão, que fala um pouco de inglês mas prefere que a conversa seja em russo e traduzida por uma compatriota cá residente. Para distribuir tem alguns folhetos em português sobre a expedição, que conta com apoio oficial, e durante os dias em que o iate Sibir esteve ancorado na marina de Cascais (terra que o capitão Shcherbakov adora) houve até uma espécie de aula sobre os grandes navegadores russos dada aos estudantes da Escola Eslava de Lisboa.
A acompanhar o capitão estão o seu número dois, Vladimir Zazdravuyk, e ainda Aleksey Dekelbaum e Evgeny Zabradin. Juntos vão agora rumar às Canárias, arquipélago espanhol, depois Cabo Verde, de seguida Brasil. Depois da chegada à Antártida, o Sibir iniciará o regresso a Omsk subindo a costa ocidental das Américas, até chegar ao Ártico via Estreito de Bering. "Se tudo correr como previsto, estaremos de volta a casa em outubro do próximo ano", sublinha Sergey Shcherbakov. A viagem iniciou-se em julho.
"Depois da vitória sobre as tropas napoleónicas, o czar precisava de manter ocupados os militares que tanta bravura tinham mostrado. E estas expedições militaro-científicas tornaram-se uma aposta importante do país, contribuindo para a grandeza da Rússia. Todos os russos conhecem a história da viagem de Belingshausen. Também estudamos na escola as viagens marítimas dos portugueses, que foram pioneiros em muitas partes do mundo. Mas a Antártida foram os russos a descobrir", sublinha o capitão do Sibir, admitindo que para marinheiros habituados ao frio do Ártico os gelos da Antártida não metiam medo.
Bellingshausen, um súbdito do czar oriundo de uma família de alemães do Báltico, foi cadete da marinha russa desde os dez anos e jovem participou na primeira circum-navegação feita pela frota russa. Na expedição à Antártida comandava o Vostok (Oriente, em russo), enquanto o seu número dois, Mikhail Lazarev, capitaneava o navio Mirny (Pacífico). Fundada em 1968, no tempo da União Soviética, a estação científica russa na Antártida tem o nome do descobridor russo, mais tarde promovido a almirante Bellingshausen.
Artigo publicado originalmente a 2 de novembro de 2019