Rússia provoca crise nos governos de Itália e da Bulgária
Os efeitos da invasão da Ucrânia pela Rússia no dia 24 de fevereiro continuam a repercutir-se bem longe da frente da guerra - onde as milícias pró-russas alegam estar prestes a cercar as cidades de Severodenetsk e Lysychansk. Em Sófia, uma moção de censura pôs fim ao governo de coligação chefiado pelo europeísta Kiril Petkov, enquanto em Roma, o primeiro-ministro Mario Draghi foi explicar a sua linha de ação ao parlamento, um dia depois de o ministro dos Negócios Estrangeiros da coligação ter abandonado o Movimento 5 Estrelas, em oposição à "ambiguidade" do partido em relação ao apoio à Ucrânia.
"Foi uma honra para mim liderar um governo derrubado por Borisov, Peevski, Trifonov e Mitrofanova", disse Petkov aos deputados, depois de o seu governo ter sido o primeiro na história da Bulgária a cair graças a uma moção de censura que juntou 123 deputados, mais dois do que o necessário para vingar. O primeiro-ministro referia-se a Boiko Borisov, ex-primeiro-ministro e líder do partido conservador GERB, que apresentou a moção; a Delyan Peevski, oligarca alvo de sanções por parte do Tesouro dos Estados Unidos; a Slavi Trifonov, apresentador de TV, cantor e também líder do partido contra o sistema ITN; e Eleonora Mitrofanova, embaixadora russa em Sófia.
Em novembro, depois de ter prometido um virar de página após uma década de governo de Borisov e o combate à corrupção endémica, o PP do liberal Kiril Petkov, em coligação com pequenas formações partidárias, venceu as eleições legislativas com 25,3% dos votos. Como só obteve 67 dos 240 lugares no parlamento, forjou uma coligação pós-eleitoral com três outros partidos, entre os quais o citado ITN, o BSP e o DB.
A invasão russa da Ucrânia, contudo, foi fatal para o destino da coligação. O BSP, um bloco de partidos de esquerda que inclui comunistas, mostrou-se contra o envio de armas à Ucrânia, tendo ameaçado sair da coligação, pelo que o governo ficou limitado a ajuda técnica militar, o que inclui a reparação e manutenção de armamento.
A guerra de Vladimir Putin polarizou uma sociedade com fortes laços históricos com Moscovo. Petkov opôs-se à exigência de Moscovo de abrir uma conta em rublos para pagar o gás - 90% era proveniente da Rússia -, pelo que a Bulgária ficou sem gás russo, tal como a Polónia. A decisão causou fricções no governo, tal como tinha vivido quando se discutiu o armamento da Ucrânia. Depois de o ITN ter abandonado a coligação - ao alegar que o país caminhava para a bancarrota e ao mostrar-se contra a aproximação diplomática à vizinha Macedónia do Norte - o GERB de Borisov apresentou a moção de censura.
DestaquedestaqueHá duas semanas, o líder do 5 Estrelas Giuseppe Conte apelou para que o governo parasse de enviar armas para Kiev, o que causou a saída do partido de Di Maio.
Em Itália, a política relativa à Ucrânia do governo chefiado por Mario Draghi recebeu um forte apoio dos deputados, um dia depois de os senadores já o terem feito. Depois de a câmara baixa ter aprovado uma resolução de apoio com 410 votos favoráveis e 29 contra, o anterior primeiro-ministro e atual líder do 5 Estrelas Giuseppe Conte disse que "o apoio a Draghi não está em discussão".
Há duas semanas, o líder do partido antissistema - até agora o maior da coligação governamental - apelou publicamente para que o governo parasse de apoiar Kiev com novas armas e equipamento e que o antigo presidente do Banco Central Europeu impusesse no seio da União Europeia a imposição da paz. Esta posição levou a que Luigi Di Maio rompesse de vez com Conte e com o 5 Estrelas. O chefe da diplomacia italiana criou um grupo parlamentar, Juntos pelo Futuro, e conta com cerca de 60 deputados que, com ele, abandonam o movimento criado pelo cómico Beppe Grillo.
"A unidade é essencial nestes momentos porque as decisões que devem ser tomadas são muito difíceis", disse Draghi aos deputados antes da votação. "A Ucrânia tem de se defender, e as sanções e o envio de armas servem este objetivo", continuou, criticando quem advoga que se "deve deixar a Ucrânia submeter-se".
Em Berlim, horas depois de ter chegado à Ucrânia o primeiro armamento pesado alemão, o chanceler Olaf Scholz também se dirigiu ao parlamento para defender um "apoio firme" a Kiev e um plano Marshall para aquele país. O líder social-democrata disse que as negociações de paz ainda estão longe porque "Putin ainda acredita na possibilidade de poder ditar a paz". Por esse motivo, Scholz apelou para os aliados manterem o apoio à Ucrânia quer através das sanções quer através do envio de armamento e apoio financeiro.
Sobre as relações de Berlim com Moscovo, o chanceler não mostrou otimismo. "Para o referir de forma clara, com a Rússia agressiva e imperialista de Putin, é inimaginável num futuro próximo uma cooperação com a Rússia."