Em 1992, impelido pelo seu "cérebro" robótico, Dante I tateou com oito pernas pantográficas o solo da cratera de Erebus. Érebo, personificação da escuridão, uma das divindades primordiais da mitologia grega, apelida desde o século XIX aquele que é o segundo vulcão mais alto da Antártida, depois do Monte Sidley, e o mais meridional do planeta Terra. Após o transporte até aos 3.790 metros de altitude, cume do Monte Erebus, o robô exploratório iniciou a descida rumo ao lago de magma. Construído na Universidade Carnegie Mellow, nos Estados Unidos, Dante I levou para a cratera ainda ativa do Erebus uma missão da ciência robótica e uma outra da vulcanológica. Dante I procurava demonstrar as virtudes da exploração com recurso a robôs em ambientes extremos, as capacidades de locomoção nesses contextos e a autossustentação. Paralelamente, recolheu amostras de gás no interior da cratera e mediu a radioatividade dos materiais ali presentes..Oitenta e quatro anos antes, num mundo que ficcionava a robótica como uma maravilha futura, olhos humanos espreitaram para o interior da cratera do Erebus. O momento inaugural deu-se a 9 de março de 1908, no verão austral antártico, quando a temperatura média ronda os -20 ºC. Dois dias antes, um grupo de homens partira à conquista do cume do vulcão. O dorso branco do gigante do sul fora descoberto, aquando de uma erupção em 1841, pelo explorador polar e oficial da Marinha Britânica, James Clark Ross, que a avistara a bordo do navio HMS Erebus. O vulcão seria apadrinhado em homenagem ao nome da nave. Por seu turno, o mapa da Ilha de Ross, nos limites continentais da Antártida, ganhou o seu contorno mais robusto, o Erebus, a par do Monte Terror..Aquela que ficou apelidada como a Idade Heroica da Exploração Antártica, período delimitado pelos finais do século XIX até à década de 1920, assistiu a um frenesim de explorações geográficas e científicas, marítimas e terrestres ao extremo sul do planeta. Entre elas, aquela que, entre 1907 e 1909, prometia levar a bandeira britânica ao Polo Sul do Planeta. Não o conseguiu, mas estabeleceu um novo recorde rumo ao limite mais a sul da Terra. A 9 de janeiro de 1909, a bandeira adejou nas coordenadas 88º 23" S, a 180 Km de distância do Polo Sul. O momento, fixado em fotografia, revela-nos três homens (o médico Eric Marshal, o oficial da marinha Jameson Adams e o marinheiro Frank Wild, todos eles britânicos) magros e andrajosos, numa imagem de glória, dor e sofrimento. Do outro lado da objetiva encontrava-se o promotor da expedição, aquele que em 1906 iniciara em Inglaterra a angariação de apoios para a empresa que almejava conquistar o Polo Sul. O anglo-irlandês Ernest Henry Shackleton, nascido em 1874, não era um estreante nas paisagens solitárias do sul. Era, contudo, a primeira vez que se lançava por mote próprio rumo ao Polo. A Expedição Nimrod (ou Expedição Antártica Britânica), em alusão ao navio que empreendeu caminho até à Antártida, nasceu de um desejo de conquista a par do desaire que acometera Shackleton nos primeiros anos do século XX. Em 1903, como oficial subalterno do explorador e oficial da marinha britânica Robert Falcon Scott, o jovem Shackleton vira-se na condição de abandonar a expedição à Antártida (1901-1904) a bordo do navio RRS Discovery. Aos 29 anos, o oficial sofria de esgotamento físico, condição que seria mais tarde recordada por Scott no livro The Voyage of Discovery (1905)..Em 1906, Ernest Shackleton trabalhava como relações públicas para o magnata da indústria naval, o anglo-escocês William Berdmore. Em paralelo, o homem que se sentira humilhado pelas palavras de Scott, procurava patrocinadores para a expedição que planeava aos ermos gelados do sul, empresa que Shackleton estimara em 30.000 libras, com o objetivo de alcançar o Polo Sul Geográfico e o Polo Sul Magnético. O explorador nutria a esperança de ganhos futuros, com a venda de um livro e de selos postais decorrentes da expedição, assim como os proventos de palestras. Sem o apoio da inglesa Royal Geographical Society, a expedição contou com empréstimos privados e contribuições individuais, como os de Berdmore, de Edward Guinness (patriarca da família anglo-irlandesa de cervejeiros), do oficial do exército britânico Philip Brocklehurst e, mais tarde, dos governos da Austrália e da Nova Zelândia..Antes, Shackleton havia de encontrar o navio que levaria homens e equipamentos até aos limites do continente antártico, assim como contratar uma tripulação. A resposta para o transporte marítimo chegou da Noruega. O "velhinho" Nimrod, navio baleeiro de 41 metros de comprimento, construído na Escócia em 1867, maltratado pelo tempo, mas a um preço acessível aos bolsos de Shackleton, teria de servir à viagem de dezenas de milhares de quilómetros. Restaurado em Inglaterra, Nimrod acolheu uma tripulação heterogénea. Entre os já citados, sublinhe-se a presença do geólogo australiano Douglas Mawson, futuro promotor da Expedição Antártica Australasiática, entre 1911 e 1914. Nos porões do navio também embarcaram póneis da Manchúria, cães de trenó e um veículo motorizado para locomoção no gelo..No verão de 1907, o Nimrod apartou-se do litoral inglês rumo à Austrália, depois à Nova Zelândia para se embrenhar no oceano Antártico. Em fevereiro de 1908, sediada na Ilha de Ross, no estreito de McMurdo, a equipa Nimrod, enfrentou o inverno austral na cabana montada para o efeito. Finalmente, a 29 de outubro de 1908, Shackleton, Marshall, Adams e Wild, amparados na carga por trenós com a tração dos póneis e cães, iniciaram a marcha rumo a sul. Penosa caminhada, estimada em 2.767 Km que arrastou homens e animais para os confins antárticos. A 4 de janeiro de 1909, após perder todos os póneis, com víveres minguantes, e ainda distante do Polo Sul, Shackleton aceitou a sua sorte: não alcançaria o ponto mais a sul do planeta. A 9 de janeiro, após mais de 70 dias de caminhada, em pleno planalto polar, a equipa fincou a bandeira da Union Jack. O quarteto sofria infeções intestinais e subnutrição. A 28 de fevereiro de 1909, Shackleton e Wild, avistaram o Nimrod ancorado ao largo do Cabo Royds, na Ilha de Ross. A 3 de março, seria a vez do restante grupo expedicionário ser resgatado mais a sul, num posto de reabastecimento de provisões. O navio apontou a sua viagem a norte. No currículo da expedição, a equipa de Shackleton trazia outro marco, o de alcançar o Polo Sul Magnético a 17 de janeiro de 1909..A 14 de junho de 1909, uma multidão acolheu Shackleton na estação de Charing Cross, com as presenças de Leonard Darwin, presidente da Royal Geographical Society, e a do capitão Scott (a internet possibilita-nos escutarmos o discurso de Shackleton com perto de quatro minutos em Ernest_Shackleton-MySouthPolarExpedition.ogg). Dois anos depois, a 15 de dezembro de 1911, um navegador norueguês, Roald Amundsen, alcançaria o Polo Sul. Shackleton estabeleceu um novo limite, atravessar o continente antártico, empresa gorada no decorrer da Expedição Transantártica Imperial de 1914-1917. A 5 de janeiro de 1922, Ernest Henry Shackleton morreu vítima de um ataque cardíaco. Faleceu a bordo do navio Quest, ao largo das atlânticas Ilhas Geórgia do Sul no decorrer da Expedição Shackleton-Rowett. O objetivo: circum-navegar o continente antártico..dnot@dn.pt