Estado da Nação. Não gosto muito de pensar no Estado da nação, porque detesto políticos, não que a política não seja nobre, mas porque quanto mais estamos a ser estadistas, menos estamos a ver as pessoas. Geralmente, fujo de estadistas, porque são muito parecidos com os comentadores da guerra, são muito bons a dizer aquilo que não lhes passaria pela cabeça fazer. Ora, para mim, o princípio ético é simples: nunca peças aos outros algo que não estivesses disposto a dar. Gostava de ver comentadores da guerra dispostos a irem para a guerra, morrer, que é o que fazem na guerra os pobres e os jovens. Gostava de ver os estadistas que dizem que temos de habitar o interior, a dar o exemplo, a irem para lá. Gostava de ver os estadistas que dizem que não podemos ser todos doutores a fazerem um dos filhos tornar-se mecânico. gostava que algum desse o exemplo e fizesse de um dos filhos tornar mecânico.Maioria. A maioria está, geralmente, sempre errada. Mas não tem grande mal, porque o facto de ser maioria já lhe dá razão: tem sempre uma força grande. A maioria das pessoas em Portugal, suponho, neste momento não se está a sentir muito bem, porque está com uma dificuldade enorme em viver. E acho que uma boa governação é feita para a maioria e também para a minoria..Populismos? Populismos é como o mau gosto, é sempre dos outros. O populismo parte de um princípio que, para mim, é perigoso, que é o tomar o interlocutor por estúpido e, em vez de o tentar puxar para cima, empurra-o ainda mais para baixo, para um estado de preguiça mental, moral, cultural. O risco do populismo não é o Trump, o Ventura, é o tratar os outros como se fossem idiotas..Cultura? Cultura é tudo. Há duas ideias básicas de cultura, de que gosto: uma é a cultura erudita, letrada, que implica um esforço para lá chegar e que tem alto e baixo, tem uma pirâmide até económica e de valor em que se ganha pontos. A ideia da universidade é de que quem está lá sabe mais do que quem para lá vai. O outro sentido de cultura, e que está ao mesmo lado, é a água onde estamos mergulhados. Cada povo tem a sua cultura, cada época tem as suas práticas culturais e aí é o conjunto, desde a religiosidade ao anedotário..Os media? Dizemos à americana, mas na verdade média é uma palavra latina, e a língua portuguesa tem muito mais a ver com o latim do que a língua americana. Há uma coisa engraçada, que acontece muito neste Portugal novo-rico do conhecimento, das business schools, que é vamos dar uma volta enorme para chegar onde já estávamos. Media [média] é o plural de medium, vem do latim, e o português, como língua românica, é uma língua que descende do latim. Significa comunicação. Tem muita graça pronunciar media [mídia], porque significa que estamos colonizados pelo mundo anglo-saxónico, para o mal e para o pior..Liberdade. A liberdade é como o humor, o amor, a poesia. É uma palavra que, se for definida, deixa de o ser. A liberdade está no nosso horizonte e pode ser medida por métodos e instrumentos internos e externos. A liberdade externa é simples: num país rico, temos mais liberdade de movimentos do que num país pobre. A liberdade interna é definida pela nossa capacidade, pelo nosso poder, pelo capital adquirido de conhecimento e capacidade de reflexão. E há uma coisa fundamental para a liberdade interna: tempo. E o meu receio é que no futuro, mesmo nas profissões que exerço, escritor e professor, comecem a tirar tempo para pensar. Neste momento, nas universidades e nos liceus, a burocracia é tão grande que o objetivo é um só: tirar àquelas pessoas, de quem se espera que ensinem a pensar, tirar-lhes tempo para pensar..Medo. Tenho medo de tudo, por isso é que escrevi um livro chamado A Instalação do Medo. O medo, obviamente, de quem é pai, é um medo que perdurará sempre, que é os filhos. Acho este meu medo saudável, é natural. Os outros medos já me parecem insidiosos, como o medo do futuro que os jovens têm, o medo de perder o emprego, o medo de falar. E isso é um instrumento social. Sou da teoria de que o mundo inteiro está a ser banhado por uma onda fascista. Não digo no sentido literal, Esquerda-Direita, digo que qualquer poder tende a usar o medo como instrumento de manutenção, de manipulação para melhor conseguir os seus objetivos. E o que é interessante é que a publicidade e a política usam o mesmo instrumento, que é tirar o tempo para pensar de modo que a outra pessoa fique tensa..Livro que mais gostou de escrever? Tenho vários livros os quais gostei muito de escrever, mais ou menos um ou dois por década. Há um livro que foi reeditado agora que acho que é um livro que faz felizes os leitores, não é necessariamente o que mais gostei de escrever, mas é aquele que acho que mais feliz faz os leitores, que é O Anibaleitor. É um livro que suscita e ajuda a entender qual é a alegria de ler, mas em Portugal foi um bocadinho chutado de lado..Um livro para as férias. Por exemplo, o Estendais, da Gisela Casimiro. É um conjunto de crónicas do nosso quotidiano português, mas vistas por um olhar minoritário. Não só a Gisela escreve muito bem, como também pensa muito bem, aliás, pensa um bocadinho de lado - mas isso é bom em quem escreve -, e essas suas crónicas são quase sempre inusitadas, inesperadas, amáveis e fazem sorrir. Ajudam a compreender este espaço onde andamos..O luxo é... Ter dinheiro no bolso para apanhar um táxi se quiser. É não ter dívidas e ter um teto onde morar. Isto para mim é luxo, até porque o luxo está associado ao conforto, mas não devemos pensar em coisas caras - a menos que sejam coisas caras que nos tragam mesmo muito prazer -, devemos antes pensar no que nos conforta. São as coisas que fazem com que a nossa vida seja rica. Sou o português sem carro, porque tenho um luxo espantoso: durmo a um metro do sítio onde escrevo, mas também onde vou, de vez em quando, dar aulas - o que é uma chatice, porque cada vez mais detesto jovens -, mas consigo pôr-me em 15 minutos a pé na faculdade de onde ainda não fui despedido. Consigo pôr-me em 15 minutos a pé no banco, a dois minutos estou no dentista, tenho o metro à porta de casa. Quem é que atualmente tem carros? Os pobres, porque moram em sítios onde não têm acessos de transporte fácil. Para mim, isso é luxo, é ter algum dinheiro no bolso, ter as contas em dia, não ter dividas e poder usar a cidade como meu jardim..Ouça aqui o podcast: