Rui Rio tenta passar à margem do Chega na convenção dos partidos "à direita do PS"
Falam os dois hoje, mas há um que dispensa as colagens ao outro. O líder do PSD vai discursar no encerramento na convenção do Movimento Europa e Liberdade (MEL), que se iniciou ontem em Lisboa , e depois do presidente do Chega já ter marcado o terreno sobre os desafios da direita. Rui Rio irá posicionar o PSD no centro, sem falar de nenhuma das outras forças, para tentar estancar as críticas dos que o acusam de estar a deslocar o partido para a extrema-direita e que lhe tornaram a semana passada muito negra.
"Aclarar as diferenças", como pedia o seu ex-opositor Miguel Pinto Luz, talvez seja mesmo a chave para o presidente social-democrata recuperar a ideia de que o acordo feito nos Açores com o Chega... chega, quando falar pela primeira vez neste encontro que junta, no entender do líder social-democrata, os "partidos à direita do PS". Até porque tem o crédito de ter rejeitado à partida eventuais coligações com o Chega nas eleições autárquicas, o que não aconteceu em relação a outras forças, como por exemplo o Iniciativa Liberal.
Já este mês, o líder do PSD criticou a estratégia que diz estar a ser seguida na Europa de "ostracizar" a extrema-direita, admitindo ser preferível aceitar o apoio desses partidos, mas sem "nunca permitir que passem linhas vermelhas".
Mesmo tentando sacudir o "abraço" do Chega, a verdade é que André Ventura tem procurado passar a ideia de que essa aproximação é inevitável se a direita tiver aspirações de atingir o poder. O que poderá hoje repetir na mesma convenção, que lhe abriu a porta. "O dr. Rui Rio só chegará a primeiro-ministro com os votos da direita. O PSD só estará no Governo com os votos do Chega", disse ainda esta semana em entrevista à SIC. Hoje se verá se repete a mesma ideia...
Miguel Morgado, ex-deputado e antigo assessor político de Pedro Passos Coelho, que se tem batido pela aproximação do centro-direita em Portugal como única forma de este conquistar o espaço à esquerda, afirmou na convenção do MEL que "todos sabem que uma federação das direitas é indispensável mais tarde ou mais cedo. Só evitam dizê-lo com medo de represálias eleitorais".
No primeiro dia da convenção do MEL, Miguel Pinto Luz, vice-presidente da Câmara de Cascais e que foi um dos opositores de Rui Rio nas últimas eleições internas, deixou críticas implícitas à liderança e ao rumo de deu ao partido. Com Pedro Passos Coelho sentado na plateia disparou: "Só estamos aqui hoje a falar de convergência porque Pedro Passos Coelho deixou de ser líder do PSD. Se hoje estamos a falar de movimentos alargados no centro direita é porque eles nascem quando o PSD foi incapaz de dar soluções aos liberais, aos conservadores e aos sociais-democratas mais empedernidos."
Foi ainda mais claro quando sublinhou que "é preciso ganhar eleições" e que isso tem de ser feito pelo maior partido deste espectro político que é o PSD, quando a direita se tem "abstido de marcar a agenda e tem ido a reboque do governo" em vez de "falar para a classe média, para os empresários" e com "políticas concretas". E abriu a porta à convergência à direita, sem exclusões.
Pedro Passos Coelho esteve na sala a ouvir Pinto Luz, mas não discursou. Aos jornalistas que o interpelaram não garantiu estar presente nos dois dias da convenção do MEL, ainda que se tenha manifestado interessado na intervenção de Rui Rio. "Estarei tanto quanto possível a assistir aos trabalhos e no caso do dr. Rui Rio, ainda para mais que é o presidente do PSD, terei muito gosto em ouvi-lo".
O ex-primeiro-ministro, que é visto por alguns setores do centro-direita como o único capaz de "colar" as diferentes sensibilidades, quis manter-se o mais discreto possível. "Percebo o vosso interesse em ouvir alguma coisa da minha parte. Vim assistir a esta convenção com muito interesse como, de resto, fiz nas convenções anteriores. Julgo que há um espaço de debate e de liberdade que é muito importante estimular e promover no país, sobretudo quando as nossas tarefas de natureza política, económica e social são sempre tão desafiantes como são - e agora agravadas pelas circunstâncias que vivemos com esta crise pandémica". E mais não disse.
Dentro do núcleo duro do PSD a participação do partido nesta iniciativa revelou divergências de opinião. David Justino, vice-presidente social-democrata, deixou claro em entrevista ao Público/Rádio Renascença que "o congresso das direitas está a reconhecer o Chega como uma força política importante" e declarou que não iria à convenção. "Só não sei porque não convidam o PNR, já agora! Também era bem-vindo, pelos vistos", disse em tom crítico.
No seu habitual espaço de opinião na SIC, Marques Mendes já tinham advertido que o PSD está a perder os eleitores moderados do centro e a entregá-los ao PS. O antigo líder do PSD considerou que o partido tem, neste momento, "um problema de natureza estratégica" que se deve à "perceção pública" de "uma aproximação ao Chega", o que cria "mal estar".
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