Rio evoca Sócrates, Costa responde com Passos
O debate sobre o plano de recuperação para a próxima década está a ser marcado por uma questão bem mais imediata. Depois de Rui Rio ter questionado o aumento do salário mínimo nacional (SMN) numa altura de grande dificuldade para as empresas, lembrando o aumento feito por José Sócrates em 2009, o primeiro-ministro respondeu evocando... Passos Coelho.
"Pareceu-me ouvir o seu antecessor em 2016 quando explicou que o aumento do SMN ia destruir a criação de emprego, ia destruir as empresas, a economia. Aquilo que demonstrámos ao seu antecessor e seguramente estará cá para ver também é que o reforço do rendimento das famílias é uma condição essencial de revitalização da economia ", disse o primeiro-ministro, defendendo que o "futuro das empresas e as empresas do futuro não são as empresas de baixos salários". "Vamos ter de prosseguir a trajetória de aumento do salário mínimo nacional", garantiu.
Na resposta às intervenções feitas pelos vários partidos, Costa começou por afirmar-se "completamente perplexo" por não ouvir dos sociais-democratas "uma única ideia ou proposta para o futuro" quando está em debate um plano "desta importância estratégica para o país".
Já na resposta a Jerónimo de Sousa, o líder do Executivo disse que voltou a tomar nota das "múltiplas preocupações" elencadas pelo PCP e acrescentou que o Governo procurará dar-lhes resposta já no Orçamento do Estado para o próximo ano. Quanto às críticas de que o plano estratégico continua a obedecer aos ditames de Bruxelas, Costa defendeu que esta é "uma oportunidade única de não fazer o que a União Europeia nos impõe, mas de dizermos à União Europeia o que queremos fazer".
Num tom bastante diferente, Costa desmentiu os números apresentados por Catarina Martins sobre o descréscimo de profissionais no SNS, afirmando que há mais 5216 profissionais que no início do ano, entre os quais mais 691 médicos. E, sobre as dúvidas levantadas quanto aos fundos europeus, Costa disse sentir a líder do BE "insegura" quanto à aprovação do plano europeu de recuperação, mas sublinhou que falta apenas o sim do Parlamento Europeu e que espera que os eleitos do Bloco aprovem a proposta da Comissão.
Depois de Costa, fala João Cotrim Figueiredo, deputado da Iniciativa Liberal, que aponta "um catálogo de medidas em tudo é fundamental, essencial, fulcral, em que tudo, ou seja nada, é prioritário".
Já a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, sublinha que é preciso responder com "rapidez e eficácia" à crise e contraria a dicotomia entre as questões urgentes e as de médio/longo prazo apontadas pelo BE. "Devemos rejeitar falsas dicotomias entre a urgência e o que é estrutural" referiu a ministra.
Nas intervenções finais, José Luís Ferreira, pelo PEV, pede ao Governo que "não falhe a pontaria" na altura de usar a bazuca europeia, defendendo "opções sustentáveis, que não hipotequem o futuro" e que diz não encontrar no documento.
Inês Sousa Real, do PAN, diz que o plano é "muito pouco" em matérias como o combate às alterações climáticas, o ambiente ou a coesão social.
Pelo CDS, Telmo Correia classifica o plano que esteve a debate como um "conjunto de generalidades" e questiona como vai ser paga. Defendendo que é preciso definir o modelo económico que se quer seguir, o parlamentar centrista avisa desde já que, se o caminho é mais Estado, não terá o apoio do CDS.
João Oliveira, líder parlamentar do PCP, volta às críticas ao PSD: "Quem fez prática governativa do corte de salários tarde ou nunca se habitua a que os salários dos trabalhadores tenham que aumentar". Numa referância ao discurso de Mariana Vieira da Silva, o deputado comunista recusa um antagonismo entre as respostas imediata e estrutural, mas sublinha que há respostas que são necessárias "hoje" - em particular no que se refere aos trabalhadores.
Pelo BE, o líder parlamentar, Pedro Filipe Soares, volta à questão do SNS, insistindo que os dados públicos revelam uma diminuição do número de médicos e sublinhando que o número de utentes sem médico de família tem vindo a aumentar - "mais 300 mil no mês de Agosto". "O SNS é uma aposta deste Governo e do país?", questiona o deputado bloquista. Sobre o plano de António Costa Silva, diz que "falhou na falta que fazem ao país as pessoas" - "não há uma única palavra sobre trabalho e sobre valorização de rendimentos".
Adão e Silva, líder parlamentar do PSD, insiste que a maior fatia dos apoios europeus deve ser destinada às empresas. E alerta para o risco de "desperdícios, os elefantes megalómanos, as cadeias de corrupção e compadrio". Apontando o imperativo de "nem um cêntimo desperdiçado", Adão e Silva diz que são necessárias "soluções de acompanhamento e fiscalização dos fundos comunitários para não voltarmos a ter a dor de alma que tivemos no passado de má utilização dos fundos comunitários".
Pelo PS a intervenção final é feita por Carlos Pereira, que repete a expressão "estarmos juntos". "Os portugueses não nos perdoarão se a Assembleia da República for incapaz de gerar um entendimento alargado sobre um plano de recuperação que ultrapassa esta legislatura e que mais não é que o desenho do resto das nossas vidas", diz o deputado, acrescentando que "podemos estar perante um marco histórico". "Os portugueses esperam de nós a maturidade democrática para falarmos a uma só voz", refere o parlamentar socialista, falando num documento "sem identidade partidária".
A finalizar, o ministro do Planeamento, Nelson de Souza, começa a intervenção a dizer que tinha "expectativas de um maior contributo" dos partidos, e acrescenta que o Governo continuará "à espera até ao limite do tempo" - que "é curto". O governante aponta à "obsessão ideológica da direita contra o papel do Estado" que a "impede de perceber" que, nesta altura, só o Estado pode responder às necessidades de investimento que as atuais circunstâncias exigem.
No período de intervenções que antecedeu a resposta do primeiro-ministro, o líder do PSD, Rui Rio, defendeu que o salário mínimo não deve aumentar este ano, questionando "qual o objetivo do governo em aumentar o salário mínimo". "Aumentar o desemprego, aumentar as falências?", questionou Rui Rio, lembrando o Governo de José Sócrates que aumentou os salários em 2009, para posteriormente os cortar.
Dizendo-se favorável ao aumento do salário mínimo, mas não numa situação de dificuldade económica como a que se vive presentemente, Rio sublinhou: "Não é agradável dizer isto que estou a dizer, não rende um voto". E insistiu com António Costa. "Acha sensato agravar os custos das empresas dessa maneira?", questionou, numa intervenção onde começou por afirmar que a "prioridade tem de ser dada às empresas".
Num formato que, ao contrário do que acontecia nos debates quinzenais, não prevê a resposta imediata do primeiro-ministro (que só responde no fim ao conjunto de intervenções de todos os partidos) foi Ana Catarina Mendes, líder parlamentar do PS, a responder logo de seguida a Rui Rio: "Não esperava esse contributo do PSD".
Jerónimo de Sousa também não deixou Rio sem resposta: "Disse que não ganha um voto. Ai não, que não ganha, ganha os votos do grande capital que está à espera dessas verbas para encher os bolsos à custa dos trabalhadores".
Sobre o plano que esta tarde está a discussão, Jerónimo defendeu que repete as orientações políticas que "fragilizaram" o país ao longo dos anos, não dando resposta aos direitos dos trabalhadores e à valorização dos rendimentos. O secretário-geral comunista deixou o caderno de encargos do partido - proibição de despedimentos, aumento geral dos salários e do salário mínimo em particular, controlo público do Novo Banco, controlo público dos CTT, contratação de profissionais para a escola pública, entre outros.
Já Catarina Martins, líder do Bloco de Esquerda, começou por lembrar o fim dos debates quinzenais e centrou-se no que disse serem os temas urgentes para o país. A começar pelo número de médicos no Serviço Nacional de Saúde, "menos do que no início da pandemia", num contexto em que as contratações previstas pelo Governo no Orçamento do Estado para 2020 "pura e simplesmente não foram feitas".
A líder do BE sublinhou o crescente desemprego e a pobreza para defender que é preciso garantir proteção ao emprego. E terminou a intervenção a lembrar que faltam duas semanas para a entrega do Orçamento do Estado para 2021, sobre o qual "nada se sabe" e a dizer que o país precisa de pensar o longo-prazo, mas também de resolver as urgências que se lhe colocam no imediato.
Pelo CDS, Cecília Meireles pediu a "descida cirúrgica" de alguns impostos em lugar da linha de crédito para as empresas poderem pagar impostos - "Dizer às pessoas 'endivide-se para pagar impostos' é viver alheado da realidade".
Já Inês Sousa Real, do PAN, reiterou que o plano que está hoje a ser discutido assenta num "modelo obsoleto", questionando que pontes está o Governo disposto a construir.
Pelo Chega, André Ventura questionou se haverá impostos europeus para financiar as medidas previstas no plano.
José Luís Ferreira, dos Verdes, voltou a apontar a questão da soberania alimentar, que diz não ser contemplada no plano que está hoje a debate.
Antes, António Costa abriu o debate parlamentar voltando a apelar ao contributo de todas as forças políticas, dos parceiros sociais, das autarquias, para que os fundos europeus sejam aplicados de forma eficiente. "É preciso acelerar o futuro", afirmou o primeiro-ministro, defendendo que "não podemos regressar a onde estávamos em fevereiro".
Costa enunciou três prioridades do plano estratégico: "responder às vulnerabilidades sociais", onde cabe o reforço do Serviço Nacional de Saúde, as respostas habitacionais e a integração dos territórios de exclusão; "aumentar o nosso potencial produtivo", investindo nas qualificações e na modernização do ensino; e, terceira prioridade, "assegurar um território mais competitivo externamente e mais coeso internamente", onde cabe a reforma da floresta ou o reforço das ligações transfronteiriças.
O Parlamento debate esta tarde o Plano de Recuperação e Resiliência para a próxima década. O documento foi apresentado por António Costa aos partidos com assento parlamentar, na última segunda-feira, e foi recebido com críticas, mas também com a disponibilidade dos partidos para dar contributos para a estratégia de recuperação económica.
O plano, definido pelo Governo incorporando a visão estratégica para o país que foi delineada por António Costa Silva, visa definir o destino dos futuros fundos comunitários no período de recuperação pós-pandemia covid-19. Foi dividido em três grandes áreas - resiliência, transição climática e transição digital.
De acordo com a agência Lusa, para a resiliência, que junta as vulnerabilidades sociais, o potencial produtivo e a competitividade e coesão territorial, o Governo prevê, no esboço inicial do documento, um investimento de sete mil milhões de euros, mais de metade do total, sendo que a maior parcela - 3200 milhões de euros - será aplicado no Serviço Nacional de Saúde, na habitação e em respostas sociais.
Para o potencial produtivo, que agrega o investimento e inovação com qualificações profissionais, estão destinados 2500 milhões de euros. Já para a competitividade e coesão territorial estão previstos 1500 milhões de euros.
Para a transição climática, o plano prevê um investimento de 2700 milhões de euros e para a transição digital estão alocados três mil milhões, divididos entre as escolas, as empresas e a administração pública.
Para já, este é um primeiro debate (pedido pelo Governo) sobre o plano, que será apresentado em meados de outubro à Comissão Europeia.