Margarida Luíz Gomes lembra-se do tempo em que a Rua Castilho "era uma beleza, era só moradias", por onde passava no passeio com os avós até ao Parque Eduardo VII. São memórias de infância, os passeios e as moradias. "Foram indo abaixo", substituídas pelos prédios que agora albergam sobretudo escritórios. "Ali havia uma moradia enorme com um grande jardim", aponta, do outro lado da rua onde ainda moram as tias, nonagenárias. A casa foi demolida e veio mais tarde a dar lugar a um prédio alto (uma "coisa feia") onde viria a abrir o Hotel Diplomático, agora encerrado. Tem "saudades" dessa rua bonita da infância, que a partir de certa altura "se transformou num bairro de escritórios" e onde hoje vão escasseando os moradores..Mas a Rua Castilho ganhou recentemente, se não um novo morador, pelo menos um proprietário famoso. Cristiano Ronaldo comprou a penthouse de um edifício, ainda em construção, por cerca de 7,2 milhões de euros, apontado como um valor recorde na venda de um apartamento em Portugal..O Castilho 203 já se levanta na rua, na esquina com a Rua Padre António Vieira, substancialmente mais alto do que os edifícios vizinhos, mas ainda rodeado de andaimes e tapumes, cobertos por placards que publicitam "20 apartamentos T2 e T3, com vista de 360º" sobre a cidade de Lisboa. Do último piso, o 13.º, sabe-se que terá 287 metros quadrados de área coberta e um terraço de 260 metros quadrados. Situado no último dos muitos quarteirões da rua (que se prolonga desde a Rua do Salitre até ao Estabelecimento Prisional de Lisboa, na ponta oposta), tem vista sobre o Parque Eduardo VII e a Avenida da Liberdade. O edifício, comercializado pela Vanguard Properties, tem estacionamento privativo, spa e a duas piscinas em zonas comuns..Considerando o preço e a área interior da casa, o resultado são uns estratosféricos 25 mil euros por metro quadrado. Mesmo tendo em conta também os 260 m2 da área do terraço, o preço ascende a mais de 13 mil euros por metro quadrado, bem acima da média, mesmo para a Avenida da Liberdade, a zona mais cara de Lisboa. O imóvel de luxo explicará muito do preço, mas a localização também entra na equação - pela proximidade com o eixo central da cidade, e a construção em altura numa zona já mais elevada da colina, que permite uma amplitude de vistas que não é possível mais abaixo. A Rua Castilho, como muitas das ruas adjacentes à Avenida da Liberdade, transformou-se nos últimos anos num alvo preferencial do setor imobiliário, concentrando muitos dos projetos de habitação de luxo da capital. Alexandre Herculano, Rosa Araújo, Rodrigues Sampaio ou, do outro lado da Avenida, a Duque de Loulé transformaram-se em extensões da artéria mais cara de Lisboa..Dois passos abaixo está o restaurante Estrela do Parque. A casa já leva mais de oito décadas, o senhor Oliveira trabalha lá há 26 anos. A visão da Castilho não é muito glamorosa: "Em princípios de março começa o turismo, vai até outubro. Fora disso, não há ninguém", diz ao DN, exceção feita aos "autocarros com pessoas mais velhas que vão chegando ao fim de semana para ir passear no Parque. Mas dantes eram muito mais". Eram mais os visitantes e os moradores: "Há muito menos gente a morar aqui agora, pessoas de idade. E há pessoas a sair por causa das rendas.".Descendo a rua, passado o cruzamento com a Joaquim António de Aguiar, ganha expressão o comércio, com lojas de várias marcas internacionais, hotéis, sedes de bancos, de grandes e pequenos escritórios de advogados, que concorrem para a qualificação da Castilho como uma extensão da Avenida da Liberdade. Margarida Brandão anda por ali a passear - "é uma rua simpática, é arejada" - não tanto a comprar: "A catedral do consumo aqui é o El Corte Inglés.".Desde a sua construção que a Castilho é uma rua "endinheirada". Como as artérias adjacentes, foi aberta nos primórdios do século XX, num processo que não se revelou nada fácil, dado que a Câmara de Lisboa teve de expropriar o quartel de Vale do Pereiro, um processo que se arrastou durante anos. Albergou a burguesia lisboeta em moradias que em muitos casos saíram do traço de arquitetos de renome, caso de Norte Júnior, que projetou em 1921 o Heron Castilho, hoje mais conhecido por lá ter morado José Sócrates..Outro exemplo é Raul Lino, que receberia o Prémio Valmor de 1930 por uma moradia construída para Sacadura Cabral (que não chegou a habitá-la) e que viria a ser demolida em 1982 - a "moradia enorme com um grande jardim" de que se lembra Margarida Luíz Gomes, que primeiro deu lugar a um parque de estacionamento e depois ao hotel.."Uma loucura de preços".Se a habitação se vê substituída pelos escritórios, há uma realidade que parece não mudar na Castilho. Alexandra Pereira abriu, há 19 anos, um quiosque no Edifício Castilho 50 e não poupa nos adjetivos para qualificar o que vai vendo à volta. "As rendas são caríssimas, pedem uma loucura pelas lojas, é uma loucura de preços", diz ao DN, sublinhando que há lojas a sair por causa dos preços incomportáveis que são pedidos. E moradores? "São muito poucos, neste quarteirão [entre a Braancamp e a Joaquim António de Aguiar] já há muito poucos. Nas férias ou feriados desaparece tudo daqui.".Do outro lado da rua, o Edifício Castil (no cruzamento com a Rua Braancamp), construído no início da década de 1970, foi o primeiro centro comercial da cidade, juntando num mesmo espaço escritórios, lojas e um cinema. Este há muito que desapareceu e a loja mais emblemática, a Loja das Meias, que durante anos ocupou parte do edifício, saiu (para a Avenida da Liberdade) dando lugar à sede da consultora imobiliária JLL (e imobiliárias não faltam na rua)..Há 40 anos que a ourivesaria Loja das Pratas está no edifício e José António Alves também não tem coisas boas a dizer dos tempos que correm. "Isto já foi uma rua com muito movimento, mas neste momento acho que está em declínio." O ourives fala num "decréscimo das vendas" que atribui à singela explicação de que "as pessoas não têm dinheiro". E não há vizinhança milionária que venha alterar este estado de coisas: "Está a ver os relógios que o Ronaldo usa? Acha que vem comprá-los aqui? Não vem, compra-os lá fora."