RTP Internacional a livrar-se da Sport TV

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De vez em quando acontecem coisas sensatas. Uma delas é a intenção da RTP Internacional em abdicar do jogo da Liga portuguesa para os emigrantes. Bom... dito assim parece uma desconsideração, porque se a RTP Internacional não consegue dar um joguito da bola ao fim de semana, então lá se vai a sua missão... Para que serve afinal? Para muito mais.

Mas comecemos pelo futebol e pela amada Seleção. Ora, canais como a RTP Internacional já estão há muito inibidos de transmitir jogos da Seleção em jogos oficiais porque os direitos são vendidos país a país - e não há compatibilização possível com canais que transmitem via parabólica para continentes inteiros. Portanto, seleção para emigrantes? Só nos canais nacionais. E o mesmo é verdade, infelizmente, até em competições como os Jogos Olímpicos.

O mesmo sucede com a Liga dos Campeões. Por mais interessante que fosse ter os clubes portugueses na RTP Internacional, os direitos são, uma vez mais, vendidos país a país. Portanto, zero para os emigrantes. Solução: comprar os pacotes locais para ver os jogos das competições europeias.

Até que chegamos à Liga portuguesa. Bom, aqui os direitos são nacionais. Todavia, a Liga portuguesa também é vendida no exterior, incluindo pelo sistema de parabólica ou de internet da Sport TV. Portanto, quando a RTP Internacional tenta comprar algum futebol nacional para a sua antena, tem no vendedor dos direitos também um concorrente. E o que faz a Sport TV? Vende um jogo, com as condições que mais lhe interessam. Que são: a RTP Internacional só pode escolher esse jogo depois da Sport TV decidir qual o melhor, que fica para si. Ou seja, este fim de semana a RTP Internacional poderia transmitir qualquer um... exceto o FC Porto-Sporting. E todos as semanas igual, porque o melhor jogo é exclusivo Sport TV. Portanto, nunca há um Sporting-Benfica ou um FC Porto-Benfica para os emigrantes, além de que também não pode haver nenhum jogo em casa do Benfica porque os direitos são apenas da Benfica TV.

Ora, o que está a suceder neste momento, segundo diz o Expresso, é que finalmente a RTP Internacional não quer gastar 1,7 milhões de euros (sensivelmente 50% do seu orçamento) para comprar as sobras do futebol. Sobras essas que provavelmente pouco importam aos emigrantes porque estes, para verem bons jogos, ou já têm a Sport TV via parabólica, ou vão ao "bar português" da zona ver o jogo grande. Portanto, a quem interessa este negócio? Apenas à Sport TV, que vende a gordura do fiambre ao preço de presunto.

Claro que a tentação de se fazer ruído neste tema é grande. Já veio um deputado do PSD chamar à atenção para esta suposta ofensa à diáspora. Mas qual ofensa? Durante os três anos em que que fui diretor da RTP Internacional, comecei a sondar os órgãos ligados aos emigrantes sobre a importância do futebol. As respostas demonstravam que a prioridade seria ver aquele dinheiro aplicado em conteúdo sobre as comunidades emigrantes - mais do que ver tanto do orçamento gasto num jogo semanal.

Além disso, há um problema mais vasto: o monopólio das transmissões desportivas (nacionais ou internacionais) nas mãos de um só operador deveria exigir uma atitude da Comissão Europeia. Dois operadores por cada evento para aumentar oferta e baixar o preço. O custo das transmissões não para de subir, criando uma bolha milionária absurda no mundo do futebol - sem paralelo em nenhuma outra atividade legal. A RTP está a tomar a atitude certa ao abdicar desta subjugação, tal como fez quando desistiu de comprar a Liga dos Campeões. O tempo é outro.

Jornalista

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