Tecnologia, vestuário e calçado. É por aqui que os portugueses andam a gastar dinheiro. Os números não enganam e mostram que no ano passado, particularmente em dezembro, houve um regresso aos velhos comportamentos de consumo do tempo pré-crise. "Assistimos a um dezembro de um consumo desenfreado" - explica Mafalda Ferreira, docente do IPAM - The Marketing School -, "os portugueses revelaram, em vários estudos, estarem cansados das restrições e decidiram aproveitar esta folga, mesmo sem terem dinheiro no bolso, para gastar. Claro que vão pagar mais tarde"..Esta realidade até parece contrária ao índice de confiança dos consumidores - desceu no último trimestre do ano, face aos dois anteriores em que tinha melhorado. O que aconteceu? "Depois de alguma turbulência política, os portugueses voltaram a olhar para o país de uma forma positiva. A isto acresce que o número de cartões de crédito concedidos, bem como o plafond, aumentou. Ou seja, houve maior acesso ao dinheiro e as pessoas compraram muita tecnologia, vestuário e calçado", explica a professora..[destaque:Quantidade de vezes que portugueses jantam fora subiu 25% em relação a outubro de há dois anos].Esse não foi o único fator. A alteração das datas de saldos também terá sido essencial: "As marcas avançam com promoções, preços atrativos, e os consumidores aderem." A conclusão, como diz Mafalda Ferreira é simples, "o comportamento mais responsável, mais poupado, que se viu em Portugal durante três anos, não serviu de aprendizagem, foi um comportamento conjuntural"..[destaque:Gastos no final do ano passado superam os anos anteriores e cartões de crédito também aumentaram].Os números são a prova desse regresso ao consumo. Os últimos dados da SIBS - responsável pela gestão de empresas especializadas em áreas de serviço que atuam essencialmente no setor dos pagamentos eletrónicos - revelam que entre 23 de novembro de 2015 e 3 de janeiro de 2016 foram efetuadas 110,2 milhões de compras pagas com cartões. Isto significa um acréscimo de 10,9% em relação ao ano anterior, com um valor total de 4,3 mil milhões de euros, mais 6,6% do que no período homólogo. Atualmente existem em circulação cerca de 20 milhões de cartões bancários, um valor ligeiramente superior a 2014, que em termos percentuais não tem qualquer peso, segundo a SIBS..Apelo à poupança.Face a estes números, a Deco, através do seu Gabinete de Apoio ao Sobre-Endividado (GAS), lançou um alerta para que os portugueses continuassem a privilegiar a poupança. "Tanto as famílias como as instituições de crédito estão a ter comportamentos que revelam que estão a ser menos responsáveis na forma como lidam com o dinheiro", diz Natália Nunes, responsável pelo GAS..E continua: "A situação financeira das famílias não teve melhorias significativas, continuamos a viver tempos difíceis, prova disso é que o GAS continuou a receber o mesmo número de famílias sobre-endividadas em 2015 que em 2014, mas com um acentuar da degradação económica, ou seja, com muito maiores dificuldades de reestruturar as suas dívidas." Para piorar a situação, relembra que muitos daqueles que conseguiram voltar a empregar-se fizeram-no por valores inferiores aos que recebiam. "É surpreendente que as famílias estejam a regressar aos hábitos de consumo de pré-crise, com os resultados que se verificaram.".[destaque:Especialista diz que os portugueses "estavam cansados de restrições".Deco lamenta a falta de aprendizagem].E lembra ainda que as instituições financeiras aumentaram a concessão do crédito à habitação, automóvel e ao consumo. Nos últimos dados do Banco de Portugal, relativos a novembro de 2015, a concessão de crédito ao consumo voltou a subir para 493 milhões de euros e a componente de crédito através de cartões de crédito subiu 49,9% face a igual período de 2014. O montante de crédito para a compra de automóvel totalizou os 166 milhões de euros.."O clima de euforia que se viveu no verão de 2015, com a saída da troika e depois a campanha eleitoral, deu esperança às famílias e o acesso a crédito também foi facilitado", diz Natália Nunes. Mafalda Ferreira remata: "Foi uma explosão consumista."