Rodrigo Areias filma romance de um Portugal "antigo"

Rodrigo Areias encena uma história quase romântica nos cenários do centro histórico de Guimarães, sua cidade natal: "Surdina" é um filme sobre uma vida social "à moda antiga", sem nada de virtual.
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O título do novo filme de Rodrigo Areias é tão simples quando enigmático: Surdina (a partir de hoje, nas salas de cinema). Isto porque a palavra, pouco usada no nosso quotidiano - transportando uma sugestão algo poética, algo perturbante -, nos remete para qualquer coisa de indecifrável: algo que se cala ou foi calado, um silêncio que se instala na vida de alguém. Algo que não deixa de ter alguma relação com o seu significado musical.

Tudo isso tem a ver, claro, com a história de Isaque (António Durães), um homem que se descobre numa encruzilhada insólita com o seu quê de assombramento: a sua mulher, falecida há alguns anos, terá sido vista a fazer compras... Não é um filme de terror, longe disso, mas também não se apresenta como uma investigação policial. Para Rodrigo Areias, a inesperada aventura emocional de Isaque envolve uma pergunta inesperada: será que ainda é possível filmar romances de personagens anónimas, solitárias, algo marginais e claramente atípicas?

Rodado sobretudo na zona do centro histórico de Guimarães, cidade natal do realizador, Surdina não é um objeto saudosista, mas também não se pode dizer que haja nele qualquer atração pelos sinais do "progresso", seja ele arquitetónico ou tecnológico. As personagens vivem numa espécie de dimensão alternativa que, de modo sugestivo, a sinopse oficial do filme descreve como "um Portugal antigo e recôndito, que afinal existe, apesar de tudo quanto façamos para nos modernizarmos".

Quer o argumento escrito por Valter Hugo Mãe, em particular através da austeridade dos diálogos, quer a música de Tó Trips, romântica "ma non troppo", participam na criação de um universo dramático com tanto de familiar como de misterioso. Isto porque não se trata de reduzir esse país "esquecido" a qualquer forma de pitoresco mais ou menos televisivo. Bem pelo contrário, Surdina é um filme ligado a uma sensibilidade e a um modo de estar em que a vida social não tem nada de virtual, antes acontece através de encontros e desencontros em que cada um, com maior ou menor felicidade, está sempre a reinventar a sua relação com os outros.

Daí também a dificuldade de inserir o trabalho de Rodrigo Areias num género tradicional. Afinal de contas, a sua experiência vai desde a recriação simbólica do "western", em Estrada de Palha (2012), até experiências abstratas como a dessa fascinante curta-metragem que é Pixel Frio (2018). No limite, talvez possamos definir Surdina como um retrato de um Portugal insólito, interior e genuíno, alheio a qualquer normalização turística. Aqui e ali com um toque de contagiante humor.

* * * Bom

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