A nova presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, pertence ao Grupo do Partido Popular Europeu (PPE), que conseguiu eleger também o primeiro vice-presidente do hemiciclo. Foi uma boa semana para o seu grupo? Para o PPE foi uma grande semana, não há dúvidas nenhumas. Primeiro porque a presidente do Parlamento foi eleita com uma votação muito expressiva. Para presidente as votações são sempre mais curtas do que esta. E foi eleita logo à primeira volta. Isso tinha a ver, claro, com o compromisso que os partidos tinham entre si, mas acho que também tinha muito a ver com a candidata. Se o PPE tivesse escolhido alguém sem a capacidade de fazer pontes, o prestígio e o currículo de relação com outros grupos que tem a Roberta Metsola, nunca teria atingido este patamar. Depois, também muito bom para o PPE o facto de ter tido o primeiro vice-presidente. Mas, mais uma vez, as pessoas contam. O Othmar Karas é vice-presidente há muito tempo. É um europeísta convicto, com muito boas relações com todos os grupos, e aqui isto faz a diferença..Eleita à primeira, Metsola é a terceira mulher a presidir ao Parlamento Europeu.Mas sendo a presidência do PPE, não faria mais sentido que a primeira vice-presidência fosse do segundo maior grupo no hemiciclo, dos Socialistas e Democratas? Isto não é uma combinação. São eleições. Evidentemente que isto não é um arranjo. Há equilíbrios que são respeitados, mas depois nós não podemos falsear a eleição. Ninguém sabe qual vai ser o resultado final..Mas não houve nenhum acordo de última hora com os Conservadores e Reformistas Europeus para garantir esse extra de votos? O candidato deles desistiu na eleição de Metsola... Eles queriam eleger um vice-presidente..E conseguiram eleger um dos 14 vice-presidentes. Sim, eles prescindiram de apresentar um candidato a presidente porque possivelmente depois não haveria apoio para o vice-presidente deles. Mas não tem a ver com isso. Se for ver os resultados são dez ou 15 votos de diferença. É aleatório, não se pode calcular. Não venham com narrativas da conspiração. Se olhar para os três primeiros candidatos têm todos mais de 500 votos e portanto a diferença entre eles é pouca. Perante isso, qual é a pessoa que pode garantir que toda a gente vai votar desta ou daquela maneira? Até lhe posso dizer que na reunião de líderes dos grupos se recomendou o voto nos socialistas para ser eventualmente o número um..Pedro Silva Pereira reeleito vice-presidente do Parlamento Europeu.Houve essa indicação? Sim, foi feito à frente de toda a gente, muita gente pode confirmar. O PPE cumpriu. Às vezes é o próprio grupo que não gosta de uma pessoa e não vota nela. Se estamos a falar numa diferença curta, basta haver dez que por qualquer razão não querem apoiar aquela pessoa para isso imediatamente ter efeito. Só para explicar que é um método que não é controlável, não é manipulável. É controlável no sentido dos grandes números. Garantir que vão ser eleitos cinco socialistas, três PPE, então sim, porque sabemos que nunca vai haver uma dissidência tal que ponha isso em risco. Mas mesmo assim, os liberais [Renew Europe], que também estavam no acordo, para serem 5-3-3, só elegeram dois dos vice-presidentes à segunda, à primeira só conseguiram eleger um. Ficaram por muito pouco, mas não chegaram à maioria absoluta que precisavam. Isto só para explicar o mecanismo. Quando as pessoas vêm com narrativas da conspiração, isso não faz sentido. Tem a ver com o próprio prestígio das pessoas, o Othmar Karas está aqui desde 1999, é vice-presidente para aí há dez anos. Depois é como digo, há perfis que são mais ideológicos e até conseguem os votos, mas não conseguem um registo que lhes permita estar nos primeiros lugares, e há outros que são mais consensuais, conseguem fazer isso. Era o caso da Roberta Metsola. Era sempre uma boa candidata porque tinha esse perfil de ser uma pessoa transversal aos vários grupos. É uma verdadeira europeísta. Não tem espírito de fação..E o que espera do mandato dela? Uma presidência muito aberta, uma pessoa que acredita no papel do Parlamento, que o vai reforçar bastante, vai dar-lhe visibilidade. É uma pessoa carismática, com força, acho que vai representar uma agenda claramente pró-parlamentar e pró-europeia. E depois uma coisa muito interessante: o facto de ela vir do país mais pequeno, aquele que era menos provável que alguma vez tivesse um presidente. Isto também é um facto que jogou a favor dela..O país mais pequeno da UE pôs de lado as diferenças para festejar feito de Metsola.E acha que ela pode trazer mais votos para os partidos do PPE, numa altura em que se fala do eventual renascer da social-democracia na Europa, com a vitória de Olaf Scholz na Alemanha... Não estou a ver ainda esse renascer... No caso da Alemanha houve uma mudança, que é natural, num certo sentido é salutar. Mesmo os grandes líderes, foi o caso de Angela Merkel, do Helmut Kohl, da Margaret Thatcher, do Tony Blair, do Felipe González, do Cavaco Silva, todos acabam por sair. Muitas vezes saem pelo seu próprio pé, certo, mas porque sabem que as condições para continuar não são as melhores. Isto é natural que aconteça. No caso alemão atribuo mais à necessidade de fechar o ciclo, porque a democracia precisa dessa alternância, dessa mudança. E após 16 anos com a mesma chanceler, apesar de governos e coligações diferentes, havia necessidade de mudar. Agora vale a pena é olhar para as eleições francesas..Macron propõe refundar as "grandes promessas" da UE e fala de Fernando Pessoa.O presidente Emmanuel Macron, no discurso no Parlamento Europeu, falou de Fernando Pessoa e você respondeu com Molière... A citação é Je vis de bonne soupe, et non de beau langage. Quer dizer, "Eu vivo de boa sopa e não de bela linguagem"..Defende que é preciso mais ação? Macron é de facto um excelente orador e uma pessoa com conhecimento dos dossiers, desse ponto de vista impressiona. Mas depois aquilo que lhe é mais assacado é justamente a capacidade de realização e de ir ao terreno mudar as coisas..Então o que esperar destes seis meses da presidência francesa do Conselho da UE? A presidência francesa tem grandes intenções, algumas delas boas, mas tem aqui um problema: tem eleições a meio. Isto foi uma escolha deliberada de Macron, porque ele podia ter adiado a presidência francesa. Então em março e abril vai haver um interregno, mais alargado porque há 99% de probabilidades de haver uma segunda volta. Vamos estar imenso tempo em que a presidência francesa vai paralisar, vai suspender, nem tenho dúvidas sobre isso. Não estou a criticar, estou a dizer que é natural que isso aconteça. Ora, isso é mau. Seis meses já é pouco tempo, num país que tem uma capacidade de iniciativa grande. Junto com a Alemanha, são os países maiores, e o eixo franco-alemão tem sempre um aspeto de dinamismo. É pena que isso seja desacelerado. Vejo grandes ambições de Macron nomeadamente na área da reforma de Schengen para fora, não para dentro, onde acho que há inconsistências..Como assim? Antes da pandemia não era tão claro, mas há uma suspensão de Schengen por todo o lado. Há critérios assimétricos. Aquilo que sempre defendi, e que a comissão de resto defendeu, nomeadamente o vice-presidente Margaritis Schinas, logo em abril de 2020, era os critérios para fechar, abrir, ter testes ou não, serem uniformes. Já havia uma proposta para isso, que os países não quiseram. Não é a questão de não haver liberdade de circulação e de ela estar condicionada, isso até se compreende, mas devia ser uniforme. Devia saber que se este país está no verde, podia fazer uma coisa, se está no amarelo, fazer outra. Depois está sempre a mudar constantemente, as pessoas nem têm tempo de perceber. Aqui é a falha dos franceses. Olham muito só para as fronteiras externas. Na transição climática, na questão digital, propõe-se acabar um conjunto importante de dossiers, e também dar um empurrão, um impulso grande na defesa, onde tenho dúvidas sobre o que pode e deve ser feito..Na agenda externa há uma aposta por África... Que para Portugal é crucial. E Macron até anunciou uma cimeira com a América Latina, que de facto era um dos défices com a França. E atenção que a França tem vetado o acordo com o Mercosul e portanto a fama e a reputação da França na questão da América Latina não é boa. Por isso surgiu a questão no contexto da discussão com os eurodeputados. E ele lembrou então que há a intenção de fazer com Portugal e com Espanha uma cimeira que possa renovar a parceria com a América Latina. Acho isso importante. Na agenda externa parece bem, é natural, o presidente francês tem muitas competências e tem uma visão. E aí acho que se pode conseguir alguma coisa. Mas tenho pena realmente daquela interrupção. Porque depois nós não sabemos sequer se é o Macron que continua a seguir, pode não ser. As eleições não são dadas por garantidas. As pessoas estão todas a contar com uma coisa que não tem que acontecer, não está escrito nas estrelas que é assim. Até neste momento, olhando para as perspetivas das eleições francesas, vemos que há risco sério de haver uma segunda volta em que haja uma indefinição sobre quem vai ganhar. Penso que se for um candidato da direita radical contra Macron ele vai ganhar, isso é relativamente seguro..Campanha francesa cola-se ao palco europeu de Macron.Mas se for Valérie Pécresse... Se for a Pécresse, o que para o PPE seria muito bom, isso altera os dados e altera a própria posição da França em muitos aspetos. Há uma coisa em comum com Macron. Mesmo no centro-direita ela pertence a uma ala mais moderada, a ala mais centrista, mais chiraquiana. Isso é muito positivo, fiquei muito contente. Às vezes Os Republicanos, que estão muito pressionados por uma extrema-direita que é muito forte em França, fazem algumas concessões à extrema-direita. O facto de terem escolhido uma personalidade que claramente vem de uma ala mais central do partido faz com que, por um lado, aumente as suas hipóteses, o que se está a verificar nas sondagens, e, por outro, fiquem mais de acordo com aquela que é realmente a linha do PPE..susana.f.salvador@dn.pt.A jornalista viajou a convite do Parlamento Europeu.