Rhapsody in Blue, agora com letra de Garth Risk Hallberg

Um romance de estreia que vem dos EUA. Bem embrulhado em promoção e a pesar mil páginas
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À quinta página, o romance tem sexo e uma tirada homossexual. Nessa página, à linha 11, uma outra tirada, desta vez religiosa. No mesmo período fala-se de um chefe de escuteiros, de um atelier no Bronx... E, claro, a confissão do personagem provinciano de Altana (Geórgia), de ter o "desejo ardente de escrever o Grande Romance Americano"... Mas lá mais para a frente há de novo sexo, desta vez heterossexual: "Pôr-se-ia de gatas e deixá-lo-ia possuí-la como nas revistas porno? Sim, e sim, porque era essa a origem do poder que exercia sobre ele: o facto de não ser cem por cento real [p. 640]."

Citações a propósito do romance inaugural de mil páginas de Garth Risk Hallberg, intitulado Cidade em Chamas - aquele que já foi contextualizado nas três páginas anteriores na entrevista de Brian Appleyeard ao autor. Quando se diz romance inaugural deve-se ao facto de o seu anterior trabalho, A Field Guide To The North American Family , ser considerado uma novela - na versão de capa dura tem 144 páginas -, afinal, Cidade em Chamas, precisava de ser apresentado como um primeiro grande romance, o passo inicial grandioso na carreira de um desconhecido que nasceu no Louisiana e cresceu na Carolina do Norte. É curioso que a sua proveniência geográfica seja sempre referida, como se tal tivesse sido determinante para escrever as 944 páginas da versão americana!

[citacao:Pôr-se-ia de gatas e deixá-lo-ia possuí-la como nas revistas porno? Sim, e sim, porque era essa a origem do poder que exercia sobre ele: o facto de não ser cem por cento real]

Antes de mais, sosseguemos o leitor no que respeita ao grafismo, coisa muito importante num tijolo destes: está bem maquetado e com letras em tamanho decente, situação nem sempre respeitada em livros desta espessura.

Reparemos também na capa, porque serve ao interesse da recensão. É uma das mais feéricas, mantendo o depósito de água que está em todas as outras capas das várias edições mundiais, com um fogo de artifício que rivaliza com a sobriedade da capa alemã. O autocolante da capa, com a frase símbolo retirada ao jornal The New York Times - "Uma sinfonia épica" - relaciona o leitor mais musical às múltiplas utilizações da música Rhapsody In Blue, de George Gershwin.

Tema que nada tendo a ver com este romance, exporta para a década de 70 o que essa melodia feérica permitia no seu tempo a nível de interpretação social. Isto, tendo em conta que parte importante de Cidade em Chamas, a que ocorre durante mais de uma centena de páginas, no apagão de 13 de julho de 1977, que é um tumulto de ações e de emoções. Ou seja, é como se Rhapsody in Blue ganhasse uma letra décadas depois.

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