Revisão constitucional

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O projecto do PSD de revisão constitucional é um contributo importante para a reforma da justiça portuguesa. Quer pela sua oportunidade política, quer pelo seu conteúdo ideológico.

Com efeito, num momento histórico em que os tribunais e o Ministério Público sofrem uma crise profunda, num momento em que o desnorte do legislador é patente, recuando em toda a linha no tocante às principais opções políticas da anterior legislatura, como a revisão do Código de Processo Penal e do Código de Processo Civil, este projecto de revisão constitucional não podia ser mais oportuno.

O propósito do projecto é claro: trata-se de alargar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e das empresas, firmando na Constituição novas conquistas civilizacionais em matéria de direitos humanos. Assim, às pessoas colectivas e entidades equiparadas são reconhecidos os direitos ao bom- -nome, à imagem e à reserva da sua sede e da sua comunicação escrita e oral.

Em matéria de direito à liberdade, prevê-se o internamento controlado por um juiz de pessoa com grave doença contagiosa, pondo fim à lacuna constitucional grave que não permitia ao Estado actuar no caso de a pessoa recusar o tratamento médico. O internamento provisório e a obrigação de permanência na habitação ficam equiparados à prisão preventiva, merecendo as mesmas garantias constitucionais, incluindo para efeitos de habeas corpus. A lei processual penal vê finalmente ancorado na Constituição o princípio da aplicação da lei mais favorável vigente à data da abertura do inquérito.

Em matéria de privacidade, o domicílio das pessoas singulares e a sede das pessoas colectivas beneficiam de uma protecção reforçada, sobretudo no que respeita à busca nocturna em situação de flagrante delito, que só é admitida em relação a crime punível com pena de prisão igual ou superior a cinco anos. Ainda no que toca à privacidade, é importante a reserva judicial da autorização da chamada busca online, isto é, a infiltração em sistemas informáticos pessoais, e do seguimento dos movimentos de uma pessoa através de mecanismos de localização à distância. Por outro lado, os poderes das empresas de segurança privada de intrusão na esfera privada ficam claramente delimitados na lei constitucional.

De acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ao arguido em qualquer processo criminal, contra-ordenacional e disciplinar são reconhecidas as seguintes garantias de defesa: o direito ao silêncio e à não auto-inculpação, o direito de ser informado, no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da acusação contra ele formulada, o direito de ser ouvido sobre as suas razões de facto e de direito e impugnar as razões da acusação, o direito de apresentar prova e contestar a prova apresentada contra ele, o direito à presunção de inocência até à sentença condenatória, o direito a ser julgado de forma equitativa, pública e no mais curto prazo compatível com estas garantias de defesa, o direito de recorrer e o direito de ser assistido por intérprete e de escolher defensor e ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória. Mas o projecto não esquece as vítimas de crimes e também consagra pela primeira vez uma carta de direitos constitucionais das vítimas, que inclui o direito de ser informado da acusação formulada, o direito de ser ouvido sobre as suas razões de facto e de direito e contestar as razões do arguido, o direito de apresentar prova e contestar a prova apresentada pelo arguido, o direito a um julgamento equitativo, público e no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa e o direito de recorrer. Em perfeita harmonia com estas inovações, o processo criminal mantém a sua estrutura acusatória, mas sofre uma alteração profunda, com a supressão da fase moribunda da instrução.

Por fim, em termos de organização do sistema judicial, há três novidades cruciais. A primeira é a unificação dos órgãos de gestão e de disciplina das carreiras judiciais comum, administrativa e fiscal, permitindo alcançar uma gestão mais racional e igualitária das carreiras judiciais. A segunda novidade é a eleição do presidente do Conselho Superior da Magistratura de entre e pelos seus pares, de modo a evitar a actual situação de o presidente do Conselho Superior da Magistratura ter menos legitimidade democrática do que o próprio vice-presidente do Conselho, por aquele ser eleito apenas pelos juízes do STJ e este ser eleito por todos os juízes. Por fim, a terceira novidade é a despolitização do cargo de presidente do Tribunal de Contas, que passa a ser eleito de entre e pelos seus pares. Dito isto, só por ignorância se pode sustentar que este projecto representa uma retrocesso civilizacional em matéria de justiça.

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