Retirada de capítulo sobre Boaventura: Editoras acusam Routledge de apoiar "abuso de poder"

A decisão da editora britânica Routledge de extirpar da coletânea <em>Conduta Sexual Inapropriada na Academia </em>o capítulo que acusa Boaventura de Sousa Santos de assédio sexual é qualificada pelas coordenadoras da obra como "ficar do lado de quem quer silenciá-lo" e apoiar "o abuso sistemático de poder na academia".
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"Estamos muito desapontadas com o facto de a Routledge ter tomado a decisão de retirar permanentemente de publicação o capítulo 12 [The walls spoke when nobody would - As paredes falaram quando ninguém se atrevia] e possivelmente o próprio livro. Isto corresponde a pôr-se do lado dos que estão a tentar silenciar este livro, sem fazer qualquer tentativa de apoiar o livro contra as ameaças legais e portanto não defendendo a liberdade académica nem o direito dos sobreviventes de assédio sexual de falarem das suas experiências. Tomar a decisão de retirar permanentemente o capítulo não é mais que uma forma de apoiar o abuso de poder sistemático na academia."

Em declarações enviadas ao DN em resposta às perguntas que o jornal tem vindo a fazer-lhes sobre a situação do livro e, esta quinta-feira, sobre a decisão da editora, já noticiada, de retirar o capítulo, as coordenadoras da obra, Erin Pritchard e Delyth Edwards, investigadoras nas universidades de Liverpool e Leeds, falam pela primeira vez publicamente desde que, em junho, a Routledge a retirou de venda, anunciando que estava "em revisão".

Confirmando que a decisão final da editora sobre a ablação do capítulo que narra acontecimentos alegadamente ocorridos no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES) foi, como o DN noticiou, tomada esta quinta-feira - "A 31 de agosto, a Routledge decidiu retirar o capítulo 12 do livro, revertendo os direitos autorais do mesmo para as autoras através de um email. Esta decisão final não nos foi, enquanto editoras, comunicada, nem concordámos com ela" -, Pritchards e Edwards contam todo o processo.

"Recebemos a 5 de junho um email da Routledge a informar-nos de que tinha recebido uma carta de um advogado português, em nome de uma pessoa (não era claro para a Routledge se esse indivíduo era oficialmente um cliente do advogado). A 7 de junho recebemos outro email da Routledge a informar de uma carta de cease-and-desist de um indivíduo que afirmava ser um dos assediadores descrito no capítulo. Nesse segundo email que nos foi enviado, a Routledge escrevia: 'A carta requer que a Routledge pare a publicação e a promoção do capítulo em questão e que proponha formas de mitigação do dano causado à reputação, saúde e trabalho académico do indivíduo, assim como à reputação do centro académico em causa [o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra] pelo capítulo'. Foi nesta altura que a editora decidiu suspender temporariamente o livro."

Uma carta de cease-and-desist é um tipo de procedimento legal existente no sistema jurídico anglo-saxónico através do qual alguém que se considera lesado "avisa" o autor/responsável dessa alegada lesão, pedindo-lhe que cesse a ação em causa. Este tipo de "aviso" pressupõe que, caso o autor/responsável da lesão não aja de forma a remediá-la, se seguirá um processo formal nos tribunais.

As coordenadoras prosseguem o relato com a reunião ocorrida a 16 de agosto com a editora, na qual foram informadas da existência de "múltiplos queixosos", mas não lhes deram mais informação. Foi no entanto sugerida a "possível opção de reverter os direitos do capítulo em questão e de todos os outros capítulos às autoras." Nada foi, garantem as coordenadoras da obra, "acordado nessa reunião".

Quinze dias depois - ou seja, esta quinta-feira - Pritchard e Edwards foram confrontadas com a decisão final da Routledge, em relação à qual requerem uma explicação: "Gostaríamos de pedir à Routledge que esclarecesse publicamente as razões pelas quais decidiu retirar permanentemente o capítulo 12."

As tentativas do DN de conseguir esclarecimento por parte da editora foram, como o jornal tem noticiado, goradas até ao momento. Na verdade, nem a Routledge nem o grupo editorial que a detém, a Taylor & Francis, assumiram sequer a decisão de retirar o capítulo ou de "despublicar" o livro - que como as coordenadoras informam é uma opção em cima da mesa - apesar de terem apagado dos seus sites as páginas a ele referentes.

Ainda esta quinta-feira, confrontado pelo jornal com a informação de que a editora decidira retirar o capítulo relativo ao CES, e questionado sobre se tal não poderia ser visto como censura, o responsável de comunicação com os media da Taylor & Francis, Mark Robinson, não respondeu.

Quem também não respondeu aos contactos do DN a propósito desta decisão da Routledge foram os dois principais acusados no capítulo, Boaventura de Sousa Santos e o antropólogo Bruno Sena Martins. Um e outro, porém, tinham assegurado ao DN, em julho e agosto, não terem tomado qualquer iniciativa legal junto da editora. Boaventura de Sousa Santos admitiu ter constituído um advogado em Portugal para sua defesa mas disse que este ainda não tinha tomado qualquer ação, estando a aguardar que a Comissão Independente nomeada pelo CES para investigar o caso iniciasse os seus trabalhos. Tal sucedeu a 1 de agosto, decorrendo até 30 de setembro o prazo de receção de queixas/denúncias.

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