"Existe um pedido de ajuda para contribuir para as chapas de um colégio na Manga [na cidade da Beira] que continua sem funcionar devido ao ciclone." "É privado?" "Não, é público." "Que dados precisa, por favor?" "Sugestão: identificação e contacto do responsável, identificação da escola, orçamento aproximado.".Esta é uma das últimas mensagens no WhatsApp Rescue Beira, criado por Luís Leonor um dia após a passagem do ciclone Idai. Vive na Beira, mas estava em Maputo e sem conseguir contactar a mulher e a filha mais nova. O grupo começou com 15 pessoas e, em 15 dias, multiplicou-se por dez. Deixou de ser a forma de encontrar familiares e amigos, tornou-se um grupo de contacto privilegiado para quem precisa e também para quem quer ajudar..Outras mensagens: "Conseguem-me alojamento para dois veterinários sul-africanos que estão a chegar à Beira hoje?" "Sim, no Solange Beach Club Palmeiras.".Alguém em outra cidade oferece: "Existe um barco de fibra não pneumático com atrelado disponível no Chimoio [capital da província de Manica], dá para sete pessoas, para quem posso ligar?".Há, também, muitos pedidos de apoio para as Organizações Não Governamentais (ONG): "Amigos, voluntários da Disaster Aid Australia estão a precisar de sítio para colocar tenda de 8 a 18 de abril." Um membro disponibiliza o terreno, com fotos: "Tenho o meu terreno na Manga, quase a chegar ao Ivato.".Luís Leonor explica como surgiu a ideia de fundar o grupo. "Estava em Maputo no dia 14 de março, quinta-feira. Deveria voltar na sexta-feira mas não consegui, só no domingo. Como passei esses dias em Maputo, sem informação, as pessoas que estavam online começaram a perguntar onde estava e o que se passava. Um dia antes de regressar à Beira, percebi que ia ficar sem contactos outra vez e criei um grupo para que, quando encontrasse um satélite, pudesse comunicar. Deixei 15 pessoas como administradores - não havia comunicações na Beira e era a garantia de o grupo continuar a funcionar -, neste momento, já multiplicou por dez o número de membros.".Engenheiro informático, Luís Leonor tem 49 anos e vive há sete na Beira, onde criou a empresa de software 2wPM. E resume a evolução do grupo em três fases: encontrar pessoas, arranjar alojamento para os voluntários e fazer chegar a ajuda humanitária a quem precisa..O grupo agregou sobretudo a comunidade portuguesa, também os que já viveram em Moçambique e estão noutro país ou vivem em Portugal, como Mónica Bastos, que viveu na Beira seis anos, como coordenadora do Centro Cultural Português. Vive atualmente no Luxemburgo e é adjunta de coordenação da rede portuguesa de Erasmus.."No dia a seguir ao ciclone, estavam várias pessoas no Facebook, todos a tentar perceber o que se estava a passar na Beira. Vi que o Luís Leonor estava em Maputo, começámos a falar. Ele foi logo no 1.º voo para a Beira e, sempre que conseguia ligação, passava a informação, que nós depois difundíamos. Ainda não se falava do ciclone nas notícias e temíamos que não se viesse a saber a verdadeira dimensão da tragédia", conta Mónica Bastos, uma das administradoras, e que sublinha: "O grupo nuclear não é apenas composto por portugueses.".Mais dois portugueses querem regressar.Terá sido aos dados deste grupo que se referiu José Luís Carneiro quando se deslocou à Beira, ao falar dos portugueses quando estavam por contactar. "O secretário de Estado das Comunidades não tinha nenhuma informação, a única coisa que existia era este grupo. O cônsul português não teve ação antes da chegada do secretário de Estado. A comunidade portuguesa não teve qualquer apoio dos serviços consulares durante uma semana", critica Luís Leonor..O cônsul João Patrício justificou ao DN que, também ele, ficou sem teto: "A minha casa ficou parcialmente destruída, fiquei sem água, sem luz, não podia ligar para ninguém. Fiquei desalojado e tive de ir para um hotel. O consulado também ficou muito danificado. Não dormi nada nessa noite, estive a descansar na sexta, mas vim ao consulado no sábado e no domingo... também não havia ninguém.".João Patrício garante que não há portugueses desaparecidos e que depois do repatriamento de sete emigrantes para Portugal há mais dois que pediram para regressar, mas que não têm a documentação em dia..O Consulado de Portugal funcionava no primeiro andar de um edifício da Baixa da cidade da Beira, passou a funcionar no rés-do-chão, no espaço do Centro Cultural Português. Estavam inscritos no consulado 10 631 portugueses em 2017..Presente, disse António Sousa.As comunicações estão a retomar o funcionamento normal, mas durante as primeiras duas semanas era grande a dificuldade em comunicar. Assim, António Sousa, 50 anos, decidiu apresentar-se no Aeroporto Internacional da Beira, onde montou acampamento a força especial portuguesa: Bombeiros Voluntários de Santarém, Grupo de Intervenção, Proteção e Socorro da GNR e Proteção Civil. Regressou nesta terça-feira e, o chefe de missão, comandante Pedro Nunes, destacou a ajuda do emigrante entre todo o apoio que receberam da comunidade portuguesa..António Sousa conta que nem tinha bem a noção do que era ajuda humanitária, mas sentiu que tinha de fazer qualquer coisa. "Como sou português, é lógico que tinha de me apresentar ao contingente português. Apresentei-me no mesmo dia em que chegaram, logo na altura foi solicitada ajuda e correu bem.".A primeira coisa que lhe pediram foi um meio de transporte, o que disponibilizou de imediato, até porque tem uma oficina de automóveis, a AMNS, Lda, Reparações Auto. O segundo pedido foi uma máquina multifunções para descarregar as toneladas de mercadoria que veio no avião, recorreu a uma empresa portuguesa onde trabalhou e ainda trabalha a mulher, Fátima Henriques..Contactou outro português para arranjar um camião para transportar os botes dos bombeiros para a água, depois teve de arranjar uma carrinha aberta para levar a mercadoria para o acampamento, também um minibus de 29 lugares para o transporte diário dos militares entre o acampamento e as localidades que iam ajudar.."Estiveram 11 dias na Beira, disponibilizei-me sempre no que o contingente tivesse necessidade, ligavam-se e, às vezes, era possível ajudar, outras não." A força especial regressou a Portugal, António Sousa passou a apoiar a equipa do INEM que chegou dia 30 à Beira e instalou um hospital de campanha junto ao centro de saúde de Mafambisse, a 40 km do centro da cidade..De Mafra para a Beira.António tem 50 anos, Fátima, 48, emigraram para Moçambique faz dez anos em setembro, deixando os filhos em Portugal, agora com 26 e 23 anos, respetivamente. Viviam em Mafra e ele foi trabalhar para uma oficina de automóveis, abriu depois a sua oficina, que ficou bastante danificada com o ciclone..O telhado voou e a água estragou o equipamento informático, também o sistema elétrico, teve danos em três viaturas. Ainda assim, voltou a abrir três dias depois da tempestade. Mas a energia elétrica só chegou na última quarta-feira, às 14.00..António e Fátima vão continuar em Moçambique, apesar de ele ainda não se ter adaptado ao sistema moçambicano. "É muito cansativo psicologicamente. Temos a experiência da Europa e, quando chegamos aqui, encontramos o oposto. Se na Europa produzimos muito rápido, aqui produzimos muito devagar." Em contrapartida, Fátima adora, além de ter familiares em Moçambique..O que preocupa agora António é sobretudo a propagação da cólera. O casal, como os outros emigrantes, apanharam a 1.ª dose da vacina no dia 29 de março no consulado português, levando a segunda e última neste sábado. Ele está preocupado com os funcionários, sendo que a vacinação à população em geral começou na quinta-feira. "Devia haver um sistema em que as empresas conseguissem que os seus funcionários fossem vacinados.".A jornalista viajou a convite da Cruz Vermelha