Os rendimentos de capitais portugueses, como juros ou dividendos, não contam para apuramento do ganho total do inquilino, no cálculo para a atribuição do apoio às rendas, segundo o despacho interno emitido pelas Finanças, o que contraria as declarações do ministro da tutela, Fernando Medina, proferidas esta quarta-feira, no Parlamento. Isto significa que quem recebeu, por exemplo, um milhão de euros em juros, mas declarou no IRS um rendimento bruto anual inferior a 38 632 euros, que é o teto definido para o acesso à medida, será elegível para o subsídio..Para justificar a justeza da norma interpretativa do decreto-lei do governo, que mandou cortar nos apoios por considerar não apenas a matéria coletável, como dita o diploma, mas os ganhos brutos e os que estão sujeitos a taxas especiais como pensões de alimentos ou rendimentos prediais, Fernando Medina terá cometido um erro, indo precisamente contra o despacho: "Admitiria que rendimentos que não são de declaração obrigatória, que são tributados à parte, à taxa liberatória, pudessem beneficiar do apoio? É admissível que, no limite, alguém que receba um milhão de euros em rendimentos prediais ou por via de dividendos ou juros deva beneficiar desse apoio? A interpretação que fazemos é que não, porque devem ser considerados todos os rendimentos".."O ministro das Finanças não foi tecnicamente correto no Parlamento ao misturar rendimentos prediais, sujeitos a taxas especiais, e juros e dividendos oriundos do mercado nacional e que nem sequer constam da declaração de IRS", sublinha o fiscalista Luís Leon ao DN / Dinheiro Vivo. O cofundador da consultora Ilya explicou que "rendimentos de mercados de capitais nacionais são tributados à taxa liberatória, em regra de 28%". Ora o despacho, na definição dos ganhos que devem ser apurados, refere a massa bruta mais os rendimentos de taxas especiais, não mencionando aqueles que estão sujeitos à taxa liberatória. "E é assim porque a designação de liberatória significa que libera o contribuinte de registar aquele rendimento na declaração de IRS, a não ser que provenha de mercados de capitais estrangeiros e, aí, já têm de ser tributados segundo as taxas especiais", detalhou Luís Leon..Por isso, "o despacho do governo não introduz justiça", resume. Porque quem ganha um milhão de euros em juros até pode ter direito ao apoio máximo mensal de 200 euros, enquanto uma mãe divorciada com duas filhas a cargo viu o subsídio mingar significativamente de 200 euros mensais para 44,88 euros, uma vez que o Fisco teve em conta não só o rendimento bruto como também a pensão de alimentos, que, aliás, não tinha sido englobada por já ter sido tributada à taxa autónoma de 20%..O fiscalista levanta ainda a hipótese de a Autoridade Tributária (AT) estar, de facto, a considerar os ganhos sujeitos à taxa liberatória. "Mas, nesse caso, os serviços estariam a violar o despacho das Finanças". Por outro lado, e como estes rendimentos não constam da declaração de IRS, "a AT teria de correr o número de contribuinte dos inquilinos por todos os bancos e instituições financeiras, que são quem tem a obrigação de comunicar o pagamento desse tipo de rendimentos através do modelo 39", sinaliza..E a proposta de aditamento ao decreto-lei, entregue pelo PS no Parlamento, para incluir a mesma interpretação do despacho e, deste modo, contornar a ilegalidade da norma das Finanças, não vai resolver o problema. Mais uma vez, é excluída a riqueza tributada à taxa liberatória. Fernando Medina revelou, ontem, durante uma audição na comissão parlamentar de Orçamento e Finanças, que conhecia a norma, tendo concordado com o procedimento: "Conhecia o despacho antes de ele ser produzido e concordei com ele. Não vou revogar o despacho". "Quantos decretos em matéria fiscal têm despachos interpretativos? Isto não é uma exceção, é um quadro natural quanto ao funcionamento da nossa forma de execução. Todos os rendimentos devem ser contabilizados", defendeu..Contudo, reconheceu a subsistência de dúvidas legais. Por isso, conta com "a iniciativa do PS, na medida em que for aprovada, que irá suprir qualquer dúvida". "Dadas as dúvidas, a opção do PS, e que o governo suporta e apoia, é a possibilidade dessa clarificação ser feita por via legal", reforçou. A bancada do PSD questionou o ministro se, com o despacho, o governo pretendeu reduzir o custo da medida, que passou para 240 milhões de euros. "Quanto cativou? Nada", respondeu Medina. Recorde-se que, ao que o DN/DV apurou, se o executivo cumprisse as regras de aplicação do subsídio, tendo em conta a matéria coletável, já depois do abate da dedução específica de 4104 euros e sem os rendimentos de pensões de alimentos e os relativos a ganhos com rendas de imóveis, a despesa com este apoio iria derrapar para mil milhões de euros, ou seja, quatro vezes mais do que o previsto..Para sustentar a tese do governo, Medina enunciou as projeções do governo: "O governo, quando anunciou o apoio, estimou que 150 mil famílias iriam beneficiar do apoio e agora esse número está em 186 mil. O custo estimado era de 250 milhões de euros e agora está em 240 milhões de euros". Porém, acabou por admitir que "dezenas de milhar" de contribuintes terão ficado excluídos por terem "rendimentos acima por via predial ou por fontes que não são englobadas"..salome.pinto@dinheirovivo.pt