Relembrar Sá Carneiro
O voto de rejeição a um governo saído de uma vitória eleitoral - capitaneado pelo PS - representa bem mais do que um mero ato de concertação por parte de quatro partidos perdedores das últimas eleições. Corresponde a mais um passo para a tomada de um poder por parte de quem nunca se preocupou em explicar antes das eleições legislativas ao que vinha e que objetivos prosseguia. Essa sua opção só estará sujeita ao voto popular em futuras eleições.De todo o modo, é indesmentível que o Parlamento volta a passar a decisão de nomeação de um primeiro-ministro para o Presidente da República. Este, com a legitimidade que lhe vem do voto e do apoio popular próprio, decidirá, interpretando os resultados eleitorais e repetindo o procedimento de audição dos partidos representados na Assembleia da República. Qual a decisão? O futuro o dirá. O poder de nomeação de um governo por parte do Presidente da República não está hoje limitado, pelo que resta esperar o que vai fazer perante a solução de um governo minoritário que lhe vai ser proposta.No entanto, e independentemente desse facto, a posição dos partidos do centro-direita deve ser muito clara. Cumprimos o dever e o direito que as urnas nos deram, apresentando uma solução de governo moderado e credível. Agora deveremos ser sempre contrários às vontades e intenções de uma qualquer frente de esquerda. Não devemos caucionar nada. Desta forma, mais de 35 anos depois, é altura de revisitar Sá Carneiro e repetir a sua intransigência. Se este líder carismático traçou uma linha clara de confronto e recusa do Conselho da Revolução e da esquerda, hoje a atitude deve ser a mesma. Deveremos ser intransigentes contra o radicalismo e a ilegitimidade política. Quanto a esse objetivo é preciso assumir já o princípio "antes quebrar do que torcer".Todas as medidas politicamente essenciais para o PS deverão ter oposição firme por parte das forças políticas de centro-direita. Tudo o que seja essencial para socialistas terá de ser aprovado pela sua trave-mestra: PCP e BE. Foi essa a companhia que escolheram. Agora que façam com eles uma boa viagem.O anúncio de que se vai desperdiçar o esforço dos portugueses já foi feito pela esquerda. Nos próximos tempos vão ser irresponsavelmente anunciadas todas as facilidades. Ninguém ponha em dúvida que o desbaratar que aí vem terá consequências graves no futuro. Mas, desta vez, o PS, depois de forçar à austeridade, deve governar com ela. Já se percebeu que pretendem um centro-direita impaciente e com pressa de chegar ao poder. Pois se é isso que pretendem não é isso que devem ter. Desta vez não vão poder fugir e isso deve ser afirmado desde já de uma forma muito clara.O espaço político com que me identifico terá de ser consistente. Quando nos pedirem "responsabilidade" teremos de ser claros numa posição de antagonismo a quem desprezou a estabilidade orçamental e a legitimidade eleitoral. Quando nos precipitarem para a antecipação de eleições deveremos perceber bem a virtude da paciência.É possível que venha a inverter-se a ordem natural das coisas. Os portugueses votaram para que o PS fosse oposição, mas por ironia das ambições pode ter de ser o PSD e o CDS a assumir esse papel. Também aí, tal como no governo, deveremos estar unidos. Mais uma vez, a lição de Sá Carneiro e as suas ambições para o espaço AD devem ser um tributo a aproveitar. Acredito que Passos Coelho e Paulo Portas, mais de 30 anos depois, podem, de uma forma unida e previsível, recuperá-lo.
Vice-presidente do CDS. Advogado