A Praça do Império foi criada para a Exposição do Mundo Português, em 1940, que comemorou o duplo centenário da Independência de Portugal (1140) e da Restauração (1640). Exatamente. A escolha da "evocativa paisagem de Belém, à sombra dos Jerónimos", nas palavras do comissário da Exposição, para a implantação da Exposição do Mundo Português - Cidade Simbólica da História de Portugal, desde logo pretendeu aludir à memória e ao simbolismo do lugar. Foi da antiga praia da barra do Restelo que, em 1497, Vasco da Gama partiu para a descoberta do caminho marítimo para a Índia. Por isto se diz que ali começou o império. Eram objetivos da exposição comemorar o passado épico de Portugal e consolidar uma "consciência nacional"..Essa praia ocupava toda aquela área no século XV? A dita praia do Restelo abrangia o território da atual Praça do Império, Centro Cultural de Belém e os terrenos fronteiros ao Mosteiro dos Jerónimos. Belém assim como a Praça do Comércio são casos exemplares de sucessivos aterros e da criação de "terra firme" sobre o Tejo..Voltando ao século XX, o que existia nesta zona antes da exposição? O projeto da exposição foi arrojado em vários aspetos. Em 17 meses transformaram-se cerca de 450 mil metros quadrados de território ribeirinho, envolvendo técnicos, artistas de várias artes e ofícios e muitos operários, com o objetivo de criar um percurso cénico pelos oito séculos de nacionalidade. Para tal foi necessário sacrificar antigas edificações, algumas construídas nas décadas anteriores, já que o último aterro de regularização da margem ocorrera em finais do século XIX, no âmbito da obra do novo porto de Lisboa e da implantação da linha de caminho-de-ferro para Cascais. Era um espaço considerado "vazio", embora a vida urbana e comercial do antigo lugar de Belém se tenha reorganizado no território ganho ao rio..E é então que nasce a Praça do Império, projetada por Cottinelli Telmo, poucos anos depois de realizar o filme A Canção de Lisboa, pois além de arquiteto era cineasta. Com as demolições de 1938/1939, o Mosteiro dos Jerónimos ganhou a "esplanada" sobre o Tejo que hoje conhecemos. A Praça do Império, com a sua sólida e perene fonte luminosa, debruada com 32 brasões de armas em pedra, glorificando a expansão ultramarina portuguesa, era o "grande átrio de honra" da exposição. Além de coordenar a equipa, o realizador e arquiteto Cottinelli Telmo foi o seu autor, com o jardim geométrico gizado por Vasco Lacerda Marques..Dos espaços da exposição quase nada ficou. Cottinelli Telmo era um conhecido defensor de arquiteturas efémeras. Os pavilhões, construídos com estruturas e materiais de reduzida durabilidade, tinham tempo de vida útil limitado aos cinco meses e meio da Feira Histórica, estando desde logo prevista a sua desmontagem. O edifício do Museu de Arte Popular, que corresponde à conversão do Pavilhão das Artes e Indústrias Populares da Exposição, foi o único que subsistiu, depois de várias intervenções de reforço e reabilitação..Até o Padrão dos Descobrimentos era temporário. À semelhança dos pavilhões, este notável elemento patrimonial, da autoria de Cottinelli Telmo e do escultor Leopoldo de Almeida, foi construído para ser efémero, com uma estrutura ligeira de metais e madeiras e moldada em argamassas de cimento e de estafe, ou seja, gesso com "armadura" de estopa. Em 1960, comemorando os 500 anos da morte do infante D. Henrique, foi erguido o atual, uma estrutura resistente e revestida a pedra. Afinal, este símbolo de Belém tem somente 60 anos....Já os jardins seriam para manter. Viriam a ganhar brasões florais duas décadas depois. A nova praça e o seu jardim ficariam como perene memória simbólica. Os brasões foram colocados em 1961, por ocasião da XI Exposição Nacional de Floricultura. Tendo sido comemorados os cinco séculos da morte do infante D. Henrique no ano anterior, o tema da composição vegetal acompanhou a efeméride e moldou, em matéria viva, os brasões florais das capitais de distrito, das ilhas e das ex-colónias portuguesas..Agora vão ser retirados. A polémica que, desde 2014 e com maior vigor nos últimos meses, tem envolvido a intervenção no jardim da Praça do Império merece uma cuidada reflexão. De facto, os brasões florais foram colocados para serem temporários, mas foi-se prolongando no tempo esta presença, embora já poucos se lembrem dos feitos ultramarinos... Devemos aceitar como autêntico e, portanto, manter, o "acumulado" de transformações que o passar dos anos trouxe aos monumentos, e nestes incluem-se os jardins..Anteriormente esta zona já tinha sofrido grandes alterações. Como a construção do Centro Cultural de Belém ou do novo Museu dos Coches. Confesso que me foi difícil aceitar esses "corpos estranhos". O que é notável na construção da memória coletiva é que também existe uma certa amnésia coletiva... Talvez seja o que nos ajuda a aceitar que o território, as edificações, as pessoas, tudo está em constante mudança e nos é impossível travar modificações ou progressos. Temos um bom exemplo: a construção da linha de comboio determinou o desaparecimento do antigo Cais Real de Belém, um "irmão" do Cais das Colunas, que ficava onde agora está a estátua de Afonso de Albuquerque e era onde o rio chegava. Quem preferia ter ali esse cais em vez das facilidades da centenária linha férrea? Ninguém..Alexandra de Carvalho Antunes é investigadora na Universidade de Lisboa, pós-doutorada em História da Arquitetura e Património Cultural e autora de livros como Cais Real de Belém e Cais da Pedra no Terreiro do Paço (Ed. Mazu Press, 2019).