O início do ano ficou marcado por forte turbulência financeira. George Soros, em 7 de Janeiro, comparou a situação com a de há oito anos, prevendo um novo colapso global, no que foi apoiado pelos relatórios de alguns grandes bancos internacionais (Royal Bank of Scotland, Société Générale, etc.). Há credibilidade neste regresso?.É interessante que a chamada "grande recessão" de 2008 e 2009 já tenha adquirido estatuto proverbial, servindo como aviso e ameaça. Tal como todos os escândalos jornalísticos ganharam o sufixo "gate", por referência ao Watergate de 1972-1974, e um abuso costuma ser apelidado de nazi, agora qualquer instabilidade financeira faz renascer a "crise de 2008". Isso aliás representa uma melhoria, pois antes invocava-se a "grande depressão", que foi muito pior..É também curioso que hoje as causas da perturbação sejam exactamente as opostas das anteriores, por exemplo em 2008. Nessa altura preocupavam os choques do petróleo, pressões inflacionistas e a ameaça chinesa. Agora assusta a derrocada do mercado petrolífero, o risco da deflação e o abrandamento da China. Nestas coisas da economia, bom é só o equilíbrio. Os deslizes são maus para qualquer lado..Será que 2008 vai mesmo regressar? A flutuação está forte e a fragilidade da economia mundial é grande. A razão é ainda não estarem digeridos todos os efeitos da crise de 2008. Pior, tendo os bancos centrais injetado imensa liquidez para a resolver, os instrumentos disponíveis são agora poucos. Assim, podemos habilitar-nos a um choque de grande magnitude, sem sabermos bem o que fazer. A principal diferença é precisamente o facto de aparecerem tantas vozes credíveis a avisar que vem aí uma crise. Nas finanças um verdadeiro colapso só acontece de forma inesperada. Por isso, mesmo muito mau, o ano de 2016 será certamente diferente de 2008, como esse não foi 1929..Se esta é a situação global, alguns casos parecem apostados em replicar os finais da década passada. Um dos mais evidentes é o português. Os paralelos, certamente involuntários, chegam a ser chocantes..Há oito anos, com o mundo à beira do abismo, o nosso Orçamento do Estado para 2009 continha "o maior aumento à função pública desde 2001", como titulava o DN de 15 de Outubro de 2008. No dia seguinte, também o DN assegurava que as "prestações sociais têm maior subida desde 2003". Os tempos mudam mas as políticas mantêm-se e, apesar da instabilidade financeira mundial, o Orçamento para 2016 promete coisas parecidas. O resultado não pode ser muito diferente. Na altura o défice previsto no documento era de 2,2% do PIB para 2009, igual ao indicado para este ano. É bom lembrar que o verdadeiro valor verificado há sete anos acabou por ser de 9,8%..Se o lado governamental segue a cartilha da época, no sector privado as coisas não são muito diferentes. O papel que BPN e BPP desempenharam então é agora protagonizado pelo BES e o BANIF, enquanto o resto do sistema bancário também finge nada ter a ver com isso. Se existe alguma diferença é a maior dimensão das imparidades actuais..No financiamento da economia, a 21 de Janeiro de 2009 a Standard & Poor"s reduziu o rating da dívida portuguesa de AA- para A+, o que deflagrou o encerramento dos mercados para todos os títulos nacionais. A economia cairia 2,7% nesse ano. Hoje o nosso país encontra-se de novo na berlinda das finanças. Seja pela reversão de privatizações e concessões pelo governo, ou pela forma original como o Banco de Portugal capitalizou o Novo Banco, penalizando investidores estrangeiros em dívida sénior, está a ficar claro que o nosso país não é de confiança para os capitais externos. No meio da instabilidade generalizada, Portugal volta a destacar-se pela fragilidade. Um novo encerramento de mercados, poucos meses depois da reabertura, é algo muito provável, se não aconteceu já..Existe, no entanto, uma grande diferença entre o caso global e o lusitano. Quando os analistas internacionais dizem que vamos repetir 2008, estão a formular uma ameaça, algo que não querem que aconteça mas que tomam como provável. Por cá, porém, esse regresso é assumido, constituindo mesmo o ponto central da estratégia política. Foi para conseguir o retorno à situação insustentável de 2008 que muitos votaram em Outubro, e é precisamente isso que o governo promete no seu programa, chamando-lhe "fim da austeridade". O que ainda não é explícito, mas em breve ficará claro, é que não se pode regressar numas coisas e não noutras. Não se podem ter os benefícios, sem a respectiva falência.