Refugiados querem saber português e trabalhar na comunidade
Na pequena vila de Penela, um concelho do interior do distrito de Coimbra, reina ainda a curiosidade. Ao final da manhã de ontem, os funcionários da câmara que trabalham na rua em frente ao complexo habitacional onde moram agora quatro famílias de refugiados não tinham ainda vislumbrado qualquer sinal das 22 pessoas que chegaram a Portugal no fim de semana e que, pelo menos durante dez meses, vão morar ali, no interior do país. Não era de estranhar. Afinal, os refugiados da Síria e do Sudão aguardavam a chegada de Natalyia Beck, a ucraniana que sonhou este projeto de integração ao serviço da Fundação ADFP - Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional de Miranda do Corvo.
Ainda estavam a habituar-se à luz, ao clima e às casas quando o DN os visitou, ontem. A maioria tem filhos pequenos, alguns ainda bebés. A mais nova é filha de Sameer Mohamad Ghalyoun, tem apenas 10 meses, nasceu no campo de refugiados do Cairo, no Egito, e há de dar os primeiros passos no apartamento que agora espera a família, em Penela. Foi um longo caminho para a paz e para a liberdade que a família percorreu desde a Síria, que deixou há dois anos. Tal como a irmã, também um dos três meninos rapazes (o casal tem quatro filhos) nasceu no campo de refugiados e experimenta pela primeira vez viver numa casa a sério. "Muitos deles nunca tiveram um brinquedo, sequer", conta Natalyia, diretora do Centro de Instalação de Refugiados Paz/Peace", que os acompanhou desde o aeroporto até Penela.
A maioria traz consigo uma bagagem académica e cultural que se nota desde logo no trato, mesmo quando nos apercebemos da fragilidade emocional e, consequentemente, física. "Têm muito frio", conta a responsável, às voltas com a quantidade de donativos que entretanto têm chegado ao centro, instalado num edifício complexo de blocos e apartamentos.
Já passa do meio-dia quando ela e a tradutora Asma ben Salem - uma tunisina de 34 anos radicada em Portugal desde 2009 - distribuem o pão para aquele dia. "Sabe que nós, na cultura árabe, comemos muito pão... e, além disso, alguns estranham o peixe ou a sopa, sobretudo as crianças." Da boca dos quatro homens que se sentam connosco para uma longa conversa nunca se ouve uma queixa. Sameer tem 37 anos e é formado em Bioquímica. Trabalhava na conceção de perfumes, em laboratório, e tudo o que quer é "voltar a trabalhar, seja em que área for, para poder reconquistar a independência da família". Também a mulher quer "estabilizar aqui, em Portugal", um sonho comum às restantes mães. Do grupo, apenas Sameer e Fouad Ahmed falam inglês. São afáveis, e o segundo não se cansa de agradecer a hospitalidade portuguesa. Tem 44 anos (mais dez do que a mulher) e há dois conseguiu escapar à onda de destruição que assolou a sua cidade, no Norte da Síria, onde vivia com a família e trabalhava como gestor numa empresa de contabilidade. "O que mais quero é que os meus filhos vão para escola e se formem. Espero conseguir a nacionalidade portuguesa e ter aqui um emprego para poder sustentar a minha família."
Os sonhos da família são todos diferentes entre iguais. A mulher é filha única, deixou a mãe no campo de refugiados no Cairo e, por isso, pede todos os dias a ajuda do centro "para conseguir trazê-la". Já a filha Thasmin, que faz 13 anos no dia 21 de novembro, não pede mais do que uma festa de aniversário. No mesmo piso fica o apartamento atribuído a Hawa Mohamed Ibrahim, a avó que veio do Sudão com os netos, de 22 e 12 anos. Aqui, a tarefa do neto Bilal é também a de traduzir para árabe o que diz o resto da família e só depois Asma conta o que nos querem dizer. O rapaz estudou Geografia no Cairo e espera voltar à universidade aqui, em Portugal, com o apoio da Plataforma Global de Assistência a Estudantes Sírios.
Um projeto de vida na aldeia
Falta apenas conhecer a família de Mamoud Kattan e os seus três filhos, de 2, 3 e 4 anos. Nos próximos dias hão de ingressar na creche da Santa Casa da Misericórdia local, a que preside o último governador civil de Coimbra e antigo deputado pelo PSD, também ex-presidente da câmara, Fernando Antunes. Penela é um vila com cerca de seis mil habitantes, onde todos se conhecem. No café Bigodes, a presença dos refugiados é agora tema de conversa. Daniela Figueiredo, a jovem empregada de mesa e de balcão, está tão expectante como os demais. "As pessoas estão à espera de ver como é que eles se vão integrar. Há muita gente que critica pelo facto de os terem trazido para cá, porque a verdade é que também há muita gente em Portugal que precisa de ajuda... mas também temos de perceber que já passaram por muito, fugiram da guerra." O projeto do Centro de Instalação de Refugiados aponta para os ajudar a construir "um projeto de vida", tal como sublinha Paula Santos, responsável pela área da infância e juventude na Fundação de Miranda do Corvo.
Há três anos, quando Portugal e a Europa ainda não tinham despertado para o drama dos refugiados, a instituição deu largas à ideia de Nataliya Beck e bateu à porta de vários municípios. A resposta positiva chegou de Penela, através do jovem presidente Luís Matias, que gere o complexo propriedade do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, onde moram sete famílias portuguesas.
Nos próximos dias, o relacionamento entre vizinhos há de estreitar-se. E na escola, os meninos da Síria e do Sudão vão conviver com uma realidade completamente nova. "A palavra inclusão vai ser sinónimo de respeito e de responsabilidade na integração destas pessoas", garantiu o autarca, no sábado, à imprensa.