A mentira mais "viral", na última semana de campanha, está publicada desde o dia 27 de setembro num dos grupos que mais desinformação difunde em Portugal, o "grupo de apoio ao juiz Carlos Alexandre", no Facebook, que tem mais de cem mil seguidores. Escrita em maiúsculas, por Carlos Ferreira de Oliveira, está a frase: "Vergonha de país, só mesmo em Portugal estes absurdos e roubalheira. Onde quem mais precisa e é português/as nada têm." Seguem-se dezenas de pontos de exclamação e várias linhas de emojis em forma de diabo. A mensagem foi partilhada mais de três mil vezes..A desinformação é óbvia e tem uma história. Em meados de setembro, a conta de Facebook da atriz Maria Vieira publicou uma mensagem com o mesmo teor: "Racismo em Portugal é: dar 875 euros mensais a um refugiado que está de passagem e 389,34 euros para quem trabalhou com 40 anos de descontos. Isso é racismo!".O Facebook pediu a um dos seus fact-checkers portugueses, o Polígrafo, para verificar a veracidade da afirmação. O Polígrafo concluiu que é falsa. Mas a notícia que escreveu não afirma a falsidade no título. Deixa antes uma interrogação. E enquanto a rede social agia para desvalorizar a mentira original no algoritmo do Facebook, os propagadores de fake news encontraram uma nova estratégia para repetir a mentira..Puseram a circular, como Carlos Ferreira de Oliveira, o texto do Polígrafo, que desmente os factos da mensagem, como atestado da mentira. Na página de apoio a Carlos Alexandre o título do fact-check é: "Refugiado 'de passagem' recebe 875 euros mensais enquanto reformado 'com 40 anos de descontos' só tem...".Os comentadores, como é habitual, não abrem os links, só leem os títulos. E soltam as teclas para escrever coisas como esta: "Grande vergonha. Claro que querem vir toudos para a EUROPA dinheiro casa e comer ..e medicos de graça." (citação exata) Uns sugerem o voto no Chega. Outros dizem que a melhor forma de agir é reforçar a abstenção. Há mais de 300 comentários..De nada vale, nesses casos, sugerir a leitura do próprio texto que comentam, e que explica que nenhum refugiado "de passagem" (ou seja, reinstalado em Portugal) recebe mais do que 150 euros de apoio - e só durante 18 meses. Acresce que o valor indicado das pensões mínimas também está incorreto, por defeito. Ou seja, na realidade, qualquer reformado com 40 anos de descontos recebe mais do dobro, por mês, do que qualquer refugiado reinstalado em Portugal..O difusor desta manipulação dupla (uma fake news que usa o seu próprio desmentido para ser partilhada), Carlos Ferreira de Oliveira, é um autor que já surgiu no projeto de monitorização de desinformação nas redes sociais do MediaLab do ISCTE, por partilhar conteúdos sobre o Brasil e Portugal, integrado numa rede de perfis que espalham desinformação..Essa ligação, entre desinformação portuguesa e brasileira, é acentuada nesta mesma história sobre refugiados. Um outro site, tafixe.com, divulga uma montagem vídeo com o título: "Refugiados ganham 20 000 € em subsídios? Não pagam dívidas e recusam-se a trabalhar?" O site foi registado em 2007, por Rui Ferreira, de Braga. Mas aparece nos dados do Google Analytics com sede em Arcozelo, Vila Nova de Gaia..O vídeo foi publicado no mesmo grupo do Facebook em que Carlos Ferreira publica, e foi retirado, por violar as regras da rede, quando já tinha mais de 1500 partilhas e comentários. O mesmo aconteceu no YouTube, que bloqueou a conta "devido a violações recorrentes ou graves da política do YouTube, que proíbe discurso de ódio". Essa conta chama-se República dos Bananas e conseguiu encontrar outras formas de difundir a mensagem racista, como pudemos verificar. Abriu, em setembro, um grupo com esse nome no Facebook - copiando um outro criado no Brasil..Corrupção continua a ser o tema da desinformação.E se o maior exemplo, nesta semana, é de uma mentira sobre refugiados, a regra é que o tema preferido, usado pelos divulgadores de mentiras, seja a corrupção. Foi essa, aliás, a origem do grupo de amigos do juiz de instrução do caso Marquês, entre outros. O juiz do DCIAP de Lisboa Carlos Alexandre é usado aqui como um símbolo do combate à corrupção. E um pretexto para os que querem fazer desse tema - real - um palco para campanhas falsas..Um dos exemplos, na última semana da campanha eleitoral, é a velha história das unhas da deputada Isabel Moreira. Regressou à ribalta, no dia 25, no mesmo grupo de apoio a Carlos Alexandre. Já tem mais de duas mil partilhas. E diz assim: "A geringonça, gente que não trabalha, vive á nossa custa e decidem os nossos dinheiros" (citação exata). Além de ser um tema de há um ano (outubro de 2018), nada na imagem, captada pela Reuters, de Isabel Moreira a arranjar as unhas no Parlamento ilustra a mensagem que a acompanha..Outra história antiga, que regressou na véspera das eleições, insinua aproveitamento de bens públicos para fins privados. É falsa, também. O título do link, que remete para um site chamado Bligz, afirma: "Antonio Costa diz que 'os Portugueses têm de começar a habituar a viver sem automóvel." (citação exata)..A frase atribuída ao primeiro-ministro nunca foi dita. O que António Costa disse, de facto, há mais de três anos, enquanto inaugurava uma estação de metro na Reboleira, é bem diferente: "As cidades levaram grande parte do século XX a habituarem-se ao automóvel e agora têm muito pouco tempo para se habituarem a viver sem o automóvel.".Três anos depois, o site Direita Política trocou "cidades" por "portugueses" e a previsão de que estas "têm muito pouco tempo para se habituarem" foi substituída por uma ordem, em mau português - "têm de começar a habituar". E juntou outra mentira, para reforçar a primeira: "Diz o tipo que anda sempre de carro e tem 11 motoristas.".Além de já ter sido fotografado a viajar em transportes públicos, em Lisboa (metro ou autocarro 746, por exemplo), o que por si só desmente a frase de que "anda sempre de carro", António Costa não tem 11 motoristas. No seu gabinete, onde além do primeiro-ministro trabalham 48 pessoas, estão registados 11 motoristas que trabalham para todos os serviços do gabinete. Deslocações de assessores, funções de administração ou segurança militar. Muitos deles transitaram de governos anteriores, por serem funcionários do Estado. Ao serviço do primeiro-ministro estão apenas dois motoristas, que se revezam..Alerta para os boletins de voto.Entre o ranking desta semana, elaborado pelos investigadores do MediaLab do ISCTE, estão outras notícias falsas sobre Jardim Gonçalves (dando a entender que recebe uma pensão pública, quando esta é paga pelo Millennium BCP), Zeinal Bava e a Brisa..Tipicamente eleitoral é a mensagem falsa - que viola as regras do Facebook, mas continua a ser partilhada - de um boletim de voto. A manipulação é evidente: "Para manter a Geringonça no Governo, não esquecer de marcar 3 cruzinhas, uma em cada partido!!!" A imagem que acompanha a mentira é a de um boletim de voto com cruzes no PS, no BE e na CDU..Para se ter uma noção da dimensão do problema há uma média a ter em conta. Cada utilizador do Facebook tem 155 amigos, segundo os dados oficiais do Reino Unido (porque o Facebook não divulgou esses dados sobre Portugal), em média. Se um texto, como aqueles que referimos, é partilhado três mil vezes, chegará em média a quase meio milhão de utilizadores. Ou seja, a um em cada 20 portugueses. Ou a um em cada dez votantes..Baixo efeito nos resultados eleitorais?.Esta é a última semana de dados recolhidos, antes das legislativas do próximo domingo. Por isso, a equipa de investigadores, liderada por Gustavo Cardoso, fez um primeiro balanço dos efeitos da desinformação sobre as eleições. Embora exista um "risco de desinformação", como comprovam os exemplos que referimos, ele é "relativamente baixo" se pensarmos num efeito direto sobre os resultados eleitorais.."Os partidos que disputam a representação parlamentar estão dentro do espectro democrático. Os partidos extremistas, antidemocráticos, permanecem insignificantes até agora", sublinham. "O interesse e o envolvimento na política são muito baixos em Portugal. São os mais baixos de todos os Estados membros da UE, de acordo com o Eurobarómetro Padrão 2018. Apenas 6% da população mostra um interesse "forte" pela política e 49% afirmam ter um interesse "baixo" ou "nenhum interesse" sobre política..Se isso pode ajudar a explicar uma das fraquezas do processo de desinformação - que necessita de abranger setores importantes da opinião pública para se tornar eficaz -, há outras razões para se prever que a difusão de mentiras não cause mudanças profundas nas próximas eleições.."Ao contrário da maioria dos Estados membros da UE, o quadro partidário da política portuguesa manteve-se relativamente estável", explicam os investigadores do ISCTE. "Não se prevê que as eleições de 6 de outubro venham a ser renhidas. Por conseguinte, não existe qualquer justificação sólida para que a desinformação eleitoral provoque uma oscilação dos resultados, para um lado ou para o outro."