No início de cada ano, somos sempre envolvidos numa espécie de balanço compulsivo do que deixamos para trás e do que gostaríamos que fosse o ano novo que agora começa e que desejamos sempre que seja melhor..Em matéria de direitos humanos, urge mesmo que o seja, porque globalização não pode rimar com violação..A verdade é que de tanto falarmos da crise dos refugiados e dos fenómenos migratórios, temo que os êxodos humanos se banalizem e que o sofrimento humano seja tolerado numa espécie de conformismo cúmplice..A voz atenta de António Guterres na ONU e as palavras sempre corajosas do Papa Francisco sobre os conflitos existentes e a busca de paz duradoura devem interpelar-nos a todos para a necessidade imperiosa de não nos deixarmos acomodar como meros espectadores no estádio, mas antes passarmos a correr no mesmo..Segundo relatório divulgado pelo ACNUR em 2017, em todo o mundo, as deslocações forçadas causadas por guerras, violência e perseguições atingiu em 2016 o número mais alto já registado..A nova edição do relatório "Tendências Globais" revela que ao final de 2016 havia cerca de 65,6 milhões de pessoas forçadas a deixar os seus locais de origem por diferentes tipos de conflitos - mais de 300 mil em relação ao ano anterior. Esse total representa um vasto número de pessoas que precisam de proteção no mundo inteiro, cerca de 65,6 milhões..O número de refugiados, ao alcançar a marca de 22,5 milhões, tornou-se o mais alto de todos os tempos. Destes, 17,2 milhões estão sob a responsabilidade do ACNUR, e os demais são refugiados palestinianos registados junto à organização irmã do ACNUR, a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA)..O conflito na Síria faz que este país seja o local de origem da maior parte dos refugiados (5,5 milhões). Entretanto, em 2016 um novo elemento de destaque foi o Sudão do Sul, onde a desastrosa rutura dos esforços de paz contribuiu para o êxodo de 739,9 mil pessoas até o final do ano passado. No total, já são 1,4 milhões de refugiados originários do Sudão do Sul e 1,87 milhões de deslocados internos (que permanecem dentro do país)..Todos esses números evidenciam o imenso custo humano decorrente das guerras e perseguições a nível global: 65,6 milhões significam que, em média, uma em cada 113 pessoas em todo mundo foi forçada a deslocar-se..As crianças, que representam a metade dos refugiados de todo o mundo, continuam a carregar um fardo desproporcional de sofrimento, principalmente devido à sua elevada vulnerabilidade..Não possuímos ainda com rigor os dados de 2017, mas as tendências migratórias persistem e as travessias muitas vezes para a morte e impulsionadas pelo desespero mantiveram-se a um nível dramático e muito elevado, só no Mediterrâneo perderam a vida mais de 1300 seres humanos e milhares foram resgatados e encontrados em condições verdadeiramente miseráveis..Com efeito, a roda-gigante de violações sistemáticas de direitos humanos e materializadas em perseguições étnicas, religiosas, políticas é persistente e foi mais uma vez perpetuada num ciclo sem fim..As perseguições ao povo rohingya marcaram sem dúvida o ano que agora terminou. Desde agosto de 2017 que 655 mil refugiados rohingya entraram no Bangladesh. Cerca de 60% são crianças!.Enquanto a violência continuar no Myanmar, o número de refugiados rohingya que procuram segurança e proteção no Bangladesh não para de aumentar e o seu sofrimento tem sido atroz e incompreensível..Só travaremos estas crises e dramas humanos se soubermos gerir e prevenir os conflitos armados e as violações aos mais elementares direitos fundamentais, pois enquanto persistirem continuaremos a ter fluxos massivos de refugiados que buscam proteção internacional porque o seu país não garante essa proteção ou é ele próprio agente de perseguição..Por seu turno, uma vez acolhidos os refugiados em países seguros e na Europa em particular, há que assegurar a sua integração. Por isso, congratulo-me com a assinatura no dia 20 de dezembro de 2017 entre a Comissão Europeia e os parceiros sociais e económicos da UE de uma Parceria Europeia para a Integração que oferecerá novas oportunidades aos refugiados que residam legalmente na UE para a sua integração no mercado de trabalho europeu..Portugal tem aliás tido uma enorme preocupação com a integração dos refugiados que acolhe, conseguindo para estes cerca de 50% de empregabilidade e um acesso pleno à educação, à saúde e ao ensino da língua portuguesa, sendo também a esse nível um inspirador exemplo..A vida e a liberdade são direitos imanentes e intrínsecos ao indivíduo e constituem garantias fundamentais do ser humano, assim o proclama a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção Europeia, pelo que os direitos humanos devem ser prevalecentes e preferentes face a outros interesses ou poderes, porque o maior poder será sempre o da busca de um mundo mais humano, onde a claridade dos direitos universais e sem fronteiras geográficas impere..Tal como Simone de Beauvoir nos disse, "o presente não é um passado em potência, ele é o momento da escolha e da ação". Que saibamos em 2018 fazer as melhores escolhas e agir, colocando travões nessa roda-gigante de refugiados que não para de rodar e que tem como principal motor as violações sistemáticas dos direitos humanos..Deputada do PS