A reforma eleitoral anda a ser discutida há muitos anos e até agora não avançou. Mas há quem aposte que vai mesmo acontecer, ainda que os partidos grandes, como PS e PSD, resistam até à última hora. A fé é de quem anda a bater-se por um modelo diferente, com a introdução de círculos uninominais, no caso o socialista Álvaro Beleza, presidente da SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social), e José Ribeiro e Castro, líder da APDQ (Associação para uma Democracia de Qualidade)..No congresso da SEDES, que decorreu esta semana, discutiu-se precisamente o tema da reforma do sistema político e em particular o eleitoral e há conclusões de tudo o que foi debatido naquele fórum. "A reforma eleitoral é viável e vai acontecer. Mais tarde ou mais cedo haverá uma maioria para a aprovar. É inevitável, as pessoas vão exigir nas redes, hoje toda a gente tem o microfone ligado e funciona uma democracia digital", afirma Álvaro Beleza..A que José Ribeiro e Castro acrescenta: "A luta é difícil, mas já se tornou significativa. E isto só lá vai com um levantamento transversal de cidadania de eleitores de todos os partidos a exigir esta transformação"..E que novo modelo esteve em debate no congresso da SEDES e por que se batem Beleza e Ribeiro e Castro? A proposta prevê a redução do número de assentos na Assembleia da República de 230 para 229, para evitar situações de empate nas votações. Mas a grande alteração prende-se com a forma como os eleitores votam, introduzindo um duplo voto por cada boletim: um para votar nos partidos, o segundo para escolher um deputado em concreto, numa votação uninominal. Um sistema "à alemã", mas sem a barreira dos 5% imposta naquele país: o partido que não alcance este mínimo de votação não entra no Bundestag..O desenho dos círculos já foi feito e o antigo líder do CDS até já fez projeções sobre as alterações que este novo sistema traria aos resultados eleitorais, para desmistificar a ideia de que é pernicioso para os partidos mais pequenos..Assim, Ribeiro e Castro pegou nos resultados das legislativas de 2019 e projetou (com as devidas salvaguardas de não se conhecer comportamento do eleitorado em relação aos círculos uninominais) que os partidos mais pequenos seriam beneficiados..Um exemplo dos novos círculos é Lisboa, com 1,9 milhões de eleitores, que elegeria neste novo modelo 44 deputados (menos quatro que o número atual de assentos). Deste total, 22 seriam eleitos em lista plurinominal (ou seja, o primeiro voto do eleitor, em partidos); e outros tantos nos círculos uninominais (o segundo voto do eleitor, num deputado específico). Neste desenho os 20 círculos do continente e ilhas elegeriam no total 210 mandatos, as comunidades portuguesas no exterior quatro, enquanto os restantes 15 lugares seriam preenchidos através de um círculo nacional de compensação, destinado a garantir a proporcionalidade do sistema.."A cidadania tem de ter deputados de proximidade, a quem os cidadãos conheçam os rostos. Este modelo promove mais participação na formação de listas de deputados, porque terão de ir ao encontro do sentimento dos eleitores", defende José Ribeiro e Castro. Mas reconhece que há resistência nos partidos. "Então não se vê agora no PSD e CDS que o problema é quem controla a feitura das listas de deputados? É isso que querem que continue", acrescenta..O novo modelo eleitoral, defende o presidente da APDQ, "não tem nenhum defeito dos que lhe apontam e tem todas as virtudes". A resistência dos aparelhos dos partidos, argumenta, "tem só a ver com os seus interesses"..Álvaro Beleza fixa-se na ideia de que, com maior ou menor resistência das forças políticas, "as redes sociais trouxeram a democracia direta para a mesa e a democracia indireta, a aristocracia dos nossos representantes, treme". E mantém que "isto vai se insistirmos"..Também quem agita o fantasma de um eventual reforço da representação parlamentar do Chega - como aponta a simulação dos resultados com o novo modelo - não o demove. "Não estamos a fazer uma coisa à medida ou contra nenhum partido. E é bom lembrar que o centro (PS e PSD) é maioritário há 50 anos em Portugal. Se a direita tiver uma liderança mais à direita, o Chega desaparece", afirma..Mas a SEDES - que comemora 50 anos de existência e que prolongará vários debates sobre as reformas que o país deve fazer, desde as económicas até à soberania - apresentou uma proposta mais vasta e transversal de reforma do sistema político. Recebeu na discussão desta semana o "input" para alterar algumas dessas ideias, como assumiu ao DN Álvaro Beleza..Entre as propostas que estiveram sobre a mesa, há a da defesa da separação clara entre as magistraturas e o exercício de cargos na administração pública, incluindo os de nomeação; um período de nojo de dois anos para a possível nomeação de ex-governantes para qualquer função de uma entidade reguladora, bem como a proibição de nos 24 meses subsequentes ao exercício de funções voltar a desempenhar cargos no governo ou de deputado no Parlamento..A SEDES propôs ainda um reforço dos poderes do Presidente da República, sobretudo do seu papel na regulação e na justiça, que passaria a indicar ao Parlamento as propostas para os presidentes das entidades reguladoras, bem como nomear o Procurador-Geral da República e o governador do Banco de Portugal..Há ainda um apelo à redução do pessoal dos gabinetes ministeriais (composto em média atualmente por 17 pessoas), e à reforma dos partidos políticos. Uma das propostas concretas neste campo, é a de uma alteração à Lei do Financiamento dos Partidos Políticos que obrigasse a que 25% do tal financiamento fosse canalizado para estruturas de formação e de produção do saber..A SEDES quer ainda uma revisão do Estatuto dos Deputados, nomeadamente na questão da exclusividade no exercício de funções, que teria de ser acompanhada por um "aumento substancial de remuneração". Proposta polémica que Álvaro Beleza rebate: "Essa questão é central, devemos ter políticos bem pagos porque há muita gente que não vai para a política porque é mal pago.".paulasa@dn.pt