Redescobrir a herança estética e a exigência ética de Rossellini
Alfred Hitchcock. David Lean. Ingmar Bergman. Yasujiro Ozu. Charlie Chaplin. Eis alguns autores clássicos que têm reaparecido nas salas de cinema (e também no mer- cado do DVD). Se é verdade que a cinefilia se enraíza num gosto obstinado pela preservação dos filmes e suas memórias, então podemos dizer que o mercado português, mesmo com as suas lacunas e desequilíbrios estratégicos, não se tem esquecido dos clássicos. E de um fundamental valor cultural e comercial: a possibilidade da sua redescoberta através de cópias restauradas para os novos formatos digitais.
Roberto Rossellini é mais um nome que podemos incluir nessa lista de ilustres mestres da sétima arte. Assim, estão a chegar às salas nada mais nada menos que dez títulos de Rossellini, cumprindo uma temporada de exibição (começa dia 26, em Lisboa; a partir de 9 de Abril, no Porto) que nos poderá permitir redescobrir a herança estética, e também a exigência ética, de um criador sem o qual nunca será possível compreender a eclosão da modernidade cinematográfica.
Em 1959, nos tempos heroicos da Nova Vaga francesa, Jean-Luc Godard publicou na revista Arts uma entrevista (imaginária) com Rossellini a que deu um título de poética contundência: "Um cineasta é também um missionário." Tinha acabado de sair o filme Índia (na altura conhecido como Índia 58) e, numa apaixonada celebração da solidão criativa de Rossellini, escrevia o futuro autor de Pedro, o Louco: "(...) humildade e lógica eram os dois singulares valores que iluminavam esta viagem ao fim da noite cinematográfica, viagem que o conduziu ao berço da civilização indo-europeia."