Com as competições paradas a nível planetário devido à pandemia de covid-19, o futebol continua a chegar a casa dos portugueses. Só que agora não há transmissões em direto, apenas repetições de jogos que fizeram história. O resultado é conhecido e não muda, mas isso não impede que os protagonistas continuem a vibrar com os momentos marcantes do futebol português. Os canais desportivos, como a Sport TV, a Eleven Sports e o Canal 11, por exemplo, optaram por oferecer aos telespectadores uma extensa ementa de duelos memoráveis, daqueles que os adeptos recordam e os jogadores lembram com um brilhozinho nos olhos..A Sport TV, que detém os direitos televisivos da I Liga, optou por recuperar os grandes clássicos e dérbis do futebol português dos últimos anos no canal aberto (a Sport TV+), na rubrica Os Melhores Jogos da Época e os Clássicos da Liga. Já a Eleven Sports tem exibido reposições de jogos mais atuais, com foco na Bundesliga, na liga espanhola e na Liga dos Campeões. E o Canal 11 privilegiou os grandes duelos da seleção nacional, com destaque para o Euro 2004 e o Euro 2016, mas sem esquecer as grandes campanhas europeias dos clubes portugueses. O percurso do Benfica de Jesus até à final da Liga Europa, a caminhada dos dragões até ao triunfo na Champions sob a batuta de Mourinho ou a final da Taça UEFA conseguida pelos leões de José Peseiro são apenas alguns exemplos..Reviver o passado de glória é também uma forma de puxar pelo ego clubístico e nacional, numa altura em que o país está mais apreensivo por causa do coronavírus, na opinião de alguns dos protagonistas, como é o caso de João Pinto, Veloso, Maniche, Pauleta ou Miguel Garcia..João Pinto. Dos jogos da seleção ao dérbi dos 6-3, passando pelo empate épico com o Bayer. João Pinto tem visto "alguns jogos" durante a quarentena. Gosta de recordar os bons encontros, que no caso dele foram muitos entre os 704 que construíram uma carreira invejável. O agora diretor da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), junto da seleção principal, já reviu a final do Campeonato Europeu de 2016 e o Portugal-Inglaterra no Euro 2000, no Canal 11, bem como o Sporting-Benfica de 1994 na Sport TV..Estes três foram os que mais o marcaram. "O primeiro porque o vivi como diretor da Federação e porque ganhámos pela primeira vez na história o Campeonato da Europa de futebol. O Inglaterra-Portugal do Euro 2000 vivi-o como jogador. Foi um jogo de grande emoção, grande espetáculo, de futebol bonito, bem jogado, demos a volta a um jogo que estava praticamente perdido, deu-nos muita força e confiança para todo o Europeu. Depois, o Sporting-Benfica de 1994 porque foi um jogo que marcou a minha carreira e que ficou na história dos dérbis e do campeonato da época. Disputava-se o título Nacional, o Sporting estava muito forte e a jogar bem e eu fiz uma das exibições da minha carreira marcando os três primeiros golos do Benfica", confessou o antigo médio de águias e leões..Mas há um que ainda não viu e gostava de ver: "Um dos jogos mais emotivos e que gostava de voltar a rever é o Bayer Leverkusen-Benfica, que ficou 4-4 e deu a passagem às meias-finais da Taça das Taças." Nesse dia 15 de março de 1994, João Pinto teve um papel decisivo no jogo. Além de marcar um golo, foi ele quem, depois de fintar dois adversários, ofereceu a bola a Kulkov na jogada do 4-4, que valeu o apuramento. A caminhada europeia do Benfica acabaria depois nas meias-finais frente ao Parma, mas esse jogo ficou para a memória como um hino ao futebol, na opinião de João Pinto..Veloso já reviu o "supergolo" de Carlos Manuel à Alemanha e vai evitar ver o duelo com o PSV. António Veloso prefere ver futebol, mesmo em diferido, do que notícias sobre o coronavírus. "Acabei de ver na Bola TV um Espanha-Argentina de 2006, que os espanhóis venceram por 2-1", atirou em conversa com o DN o antigo lateral esquerdo do Benfica, dizendo que "mesmo a rever há sempre coisas novas a ver, coisas que a memória foi apagando, mas que a gravação manteve intacta". O antigo internacional português também já reviu o "supergolo" de Carlos Manuel à Alemanha. A 16 de outubro de 1985, a então RFA perdeu pela primeira vez em casa na qualificação para o Mundial 86 e Portugal carimbou a presença no Mundial do México com um golo de Carlos Manuel. "Foi uma vitória especial por ser frente a uma seleção poderosíssima e um jogo que merece ser revisto vezes sem conta", segundo o ex-jogador, lembrando que a ideia de repetir as grandes campanhas de clubes e seleções pode ajudar a levantar o moral do povo português em tempos de quarentena..Para Veloso, ver futebol "é uma boa forma de estar entretido" numa altura em que não se pode sair de casa. E se pudesse revia todos os jogos em que participou e o Benfica ganhou. E não são poucos. Veloso fez 365 encontros oficiais e a maior parte foram vitórias. E desses há um que gostava de ver repetido vezes sem conta: "Um jogo de 1991 em que fomos às Antas ganhar e fomos campeões. Faltavam duas jornadas para o final do campeonato e uns dias antes o FC Porto tinha-nos eliminado da Taça de Portugal. O ambiente que rodeava o jogo era dos piores que vivi, era de cortar à faca mesmo. No final houve dirigentes que tiveram de sair do estádio escondidos numa ambulância, tal o clima. O César Brito resolveu a guerra a nosso favor com dois golos sem resposta e fomos campeões nas Antas, nunca mais me esqueço." As derrotas sempre foram "mal digeridas", no dia a seguir ao jogos ninguém podia falar com ele. Agora é quase igual. "É um pouco angustiante ver alguns jogos sabendo já o que vai acontecer e não poder fazer nada para mudar o resultado", admite Veloso, mesmo sabendo que a carreira também se faz de derrotas..E nesse capítulo há uma particularmente dolorosa que o mundo não o deixa esquecer e que ele não quer voltar a ver. A final da Taça dos Clubes Campeões Europeus de 1988 perdida para o PSV. Com o resultado empatado (0-0) ao fim de 120 minutos de jogo, o vencedor foi decidido na marca dos 11 metros. E foi ele, António Veloso, a assumir a marcação e a falhar a última grande penalidade: "Ninguém queria marcar, então eu, como capitão, cheguei-me à frente e falhei. Chorei imenso e ainda hoje muitos adeptos me lembram isso, não para cobrar, mas porque acham que eu não merecia ficar ligado à história do Benfica por isso. Fui muito mais do que um penálti falhado, mas doeu... era uma final europeia.".Maniche e aquele jogo em Marselha que mudou o chip e lançou o FC Porto rumo ao título europeu. Por estes dias, o Canal 11 tem passado jogos da campanha europeia do FC Porto na era José Mourinho. O fim da história já se sabe e terminou com os dragões a levantar a orelhuda. Um dos jogadores da equipa portista dessa época (2003-2004) dava pelo nome de Maniche.."O jogo que vi e o mais especial foi o jogo com o Marselha, que, no meu ponto de vista, foi o mais importante na nossa caminhada. Ganhámos 3-2, vindos de um empate com o Partizan e uma derrota com o Real Madrid. Tínhamos de ganhar ao Marselha fora para seguir vivos no grupo e conseguimos isso com um jogo fantástico e sofrido frente a um Marselha que tinha uma grande equipa, num estádio difícil, complicado e de ambiente terrível. Foi o jogo da mudança de chip que permitiu ganhar ao Marselha e ao Partizan e empatar no Bernabéu na segunda volta, apurando-nos em segundo lugar. Foi esse o jogo que me prendeu a atenção e que parei para ver", recordou o antigo médio, decisivo na galopada portista rumo ao título europeu, que deixou para trás o Manchester United, o Lyon, o Dep. Corunha e o Monaco na final. Momento esse que pode ver no Canal 11 no dia de Páscoa à tarde. A campanha de Portugal no Euro 2004 "não teve igual" e também já prendeu a atenção de Maniche. "Foi uma jornada gloriosa, faltou o título, é verdade, mas enchemos o país de orgulho com partidas memoráveis. As imagens do Euro 2004 são história do futebol português e eu tenho um orgulho enorme de ter participado nessa página da história, mesmo sem o final feliz. Foi aí que colocamos a semente para a geração de 2016 triunfar", afirmou o ex-FC Porto, Benfica e Sporting..E ele podia até destacar o jogo com a Holanda em que foi decisivo - marcou um golaço e colocou Portugal na final -, mas como espetáculo a rever destaca o encontro com a Inglaterra: "Esse jogo teve tudo e é um ótimo espetáculo televisivo. Foi o jogo mais intenso e aquele que ficou na memória pelos penáltis e a forma como ultrapassámos a Inglaterra. O Ricardo a defender sem luvas primeiro e a marcar depois, o penálti do Postiga que manteve o Estádio da Luz em suspenso até abrir a boca de espanto... foi épico.".Mas, para Maniche, o Euro 2004 não tem fim. Literalmente. O ex-jogador da seleção nunca viu a final do europeu frente à Grécia na televisão. "Não consigo, é doloroso demais. Aliás, eu não gosto de ver os meus jogos, só mesmo a quarentena para me prender ao sofá e ver os meus jogos. Sou demasiado crítico e fico a matutar em pormenores que já não consigo mudar", confessou o antigo médio, agora comentador do Canal 11..Miguel Garcia. O herói de Alkmaar que já reviu o Sp. Braga-Liverpool de 2010-2011.Miguel Garcia ainda hoje é conhecido pelo herói de Alkmaar. O antigo lateral direito do Sporting decidiu a meia-final da Taça UEFA (atual Liga Europa) na época 2004-2005. Um jogo emocionante e dramático com um golo no final do prolongamento. O momento será repetido no Canal 11 na quinta-feira às 23.00. "Esse já está nos planos. Até gravei uma entrevista para passar depois do jogo e tudo. É incontornável na minha história e na do Sporting aquela noite de 5 de maio de 2005 na Holanda que permitiu ao Sporting atingir a final da Taça UEFA, que nesse ano se jogava em Alvalade. Entrámos na eliminatória a ganhar, depois eles marcaram e nós precisávamos de mais um golo fora para passar. Foi incrível porque o golo só apareceu aos 122 minutos. Depois de eu marcar o jogo acabou (felizmente). Um momento inesquecível", recordou o ex-leão..A final não correu bem. Os leões perderam com o CSKA de Moscovo por 3-1. A tristeza e a desolação foram gerais e ainda hoje causam depressão aos adeptos leoninos. E o mais provável é Miguel Garcia "não ter disposição" para a rever... apesar de já terem passado 15 anos. Para passar o tempo, o antigo leão tem visto alguns jogos do Sporting e do Sp. Braga, onde também jogou. "Vi o Sp. Braga-Liverpool da época 2010-2011, que nós vencemos com um golo do Alan e passámos aos quartos-de-final da Liga Europa pela primeira vez na história do clube e já vi que vai dar o Sp. Braga-Benfica do mesmo ano e esse também quero ver", contou ao DN, explicando que alterna o futebol com séries, filmes, trabalho e alguma leitura. Dos 268 jogos oficiais que fez na carreira, se pudesse gostaria de rever o seu primeiro embate com o grande rival da Segunda Circular: "O meu primeiro dérbi foi muito especial. Um Benfica-Sporting no Estádio da Luz que vencemos por 3-1, em 2004-2005, com golos do Liedson e do Sá Pinto. O jogo, o ambiente, foi tudo especial. Eu entrei aos 92 minutos para o lugar do Sá Pinto e quase nem toquei na bola. Tinha 20 anos na altura e sonhos ilimitados e por isso inesquecível.".Pauleta e o inesquecível Portugal Polónia do Mundial 2022.Já Pauleta reviu os jogos de Portugal no Euro 2000, Euro 2004 e Euro 2016 que o canal da Federação repetiu nas últimas semanas e nenhum foi mas "emocionante" e "marcante" do que aquele que há quatro anos deu o título europeu a Portugal. Se o golo de Eder à França será eterno para o agora diretor da Federação, junto da seleção de sub-21, há um Portugal-Polónia do Mundial 2002 na Coreia-Japão que merece ser revisto, porque "foi um jogo em que um açoriano marcou três golos e a seleção ganhou [4-0]".