Receita da sopa da pedra para debater os desafios da atualidade

"Rumo a uma nova ordem mundial?" é o título da 5.ª Conferência de Lisboa, que reúne dezenas de oradores hoje e amanhã na Fundação Gulbenkian.
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Tal como um mestre culinário se compraz ao ver os comensais arrebatados pela iguaria por si confecionada, mas cuja receita fica para si, assim o Clube de Lisboa chega à quinta edição das suas conferências.

Desta vez ao interrogar os participantes e público - de regresso ao formato presencial, na sala 2 da Fundação Calouste Gulbenkian - sobre a possibilidade de uma nova ordem mundial. Para o presidente do conselho diretivo do Clube de Lisboa, Francisco Seixas da Costa, o resultado é "uma sopa da pedra", realizada com "relativamente poucos recursos" e graças a "algum patrocínio" e ao apoio da Câmara de Lisboa e do Instituto Marquês de Valle Flôr. Essa frugalidade passa por não pagar aos oradores. "Não pergunte como é que a gente faz", graceja o diplomata, embora sempre adiante que Lisboa e Portugal, bem como o interesse despertado pelos painéis, funcionam como polo de atração para os convidados internacionais deste evento bienal.

A estes oradores juntam-se especialistas portugueses e uma forte presença institucional, com a sessão de abertura a contar com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, Guilherme d"Oliveira Martins; e a sessão de encerramento com o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, e com o autarca da capital, Carlos Moedas. A iniciativa, porém, "tem como objetivo fugir do paroquialismo do debate marcado pela agenda portuguesa", ou a sua linha orientadora não fosse o debate sobre o desenvolvimento global.

"No passado andámos pelas temáticas do desenvolvimento, da globalização, do clima, da energia e dos efeitos da pandemia, foram as preocupações das conferências anteriores", lembra Seixas da Costa. Para este ano, "a situação na Ucrânia levou a um questionamento sobre a legitimidade da ordem internacional existente, tendo em conta o bloqueamento que criou nas Nações Unidas, e até as dúvidas que se colocaram relativamente à possibilidade de continuar a manter-se o mesmo modelo institucional de gestão multilateral", prossegue.

A questão sobre as Nações Unidas e o multilateralismo, reconhece o diplomata, pode ser a que mais interesse no plano nacional e imediato. "O país tem propensão para jogar no mundo multilateral. Em democracia fizemos sempre essa aposta no plano diplomático e as Nações Unidas são para nós um elemento fundamental de projeção." O ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus problematiza: "Estará em causa uma corrente que se consagrou ao longo do século XX e foi um referente da ordem internacional, e que o fim da guerra fria até terá estimulado? Será que neste momento de debate, numa fase bastante emocional, retrocedemos e vamos deitar fora o único instrumento que pode ter um mínimo de consenso, mesmo que saibamos estar atravessado por graves divisões?"

Sendo certo que as Nações Unidas foram muito criticadas no início da invasão russa, revelaram-se "fundamentais" mais tarde, quer nas negociações relacionadas com os ucranianos e russos, primeiro sobre o destino das pessoas sob cerco na siderurgia Azovstal, em Mariupol, mais tarde com o acordo obtido em conjunto com a Turquia para o desbloqueio dos cereais e fertilizantes no Mar Negro, e na troca de prisioneiros.

O papel da União Europeia vai também ser objeto de debate. "A UE vai ou não ter um papel de poder à escala mundial com um mínimo de representatividade, tendo em atenção que este choque com a Rússia provocou pela primeira vez uma certa reação de maior consciência dos seus problemas em termos de segurança?". Estendendo a reflexão aos outros conflitos armados, o Clube de Lisboa lança um painel um "bocadinho provocatório", que é saber porque é que há "uma espécie de hierarquia das guerras", ao que Seixas da Costa indica logo o caminho da resposta: "A diferente perceção em relação aos riscos e à segurança".

Não menos importante são as temáticas de natureza económica e da energia. "A globalização está numa espécie de intervalo ou estamos a caminho de uma ordem mundial mais dividida e em que está em causa aquilo que parecia ser um bem adquirido nas últimas décadas, a ligação entre os mercados à escala global?" Em específico vão debater-se os pagamentos internacionais, do sistema SWIFT às criptomoedas, e o papel das moedas das potências. A corrida pelo controlo das matérias-primas essenciais à economia digital e as liberdades dos cibercidadãos são outros temas a desenvolver.

Por fim, mas não menos importante, os oradores vão refletir sobre a nova realidade do setor energético criada pela guerra e "o impacto que isso poderá ter nos calendários dos compromissos internacionais face à mudança climática".

A conferência tem entrada gratuita, mas é obrigatória a inscrição prévia em https://www.clubelisboa.pt/conferencias/conferencias-de-lisboa /conferencias/5a-conferencia/.

cesar.avo@dn.pt

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