Rebobinar e ver à frente
António Costa demitiu-se em consequência do resultado das eleições, que ditaram uma vitória da coligação PSD-CDS, sem maioria absoluta, e um forte crescimento dos partidos à esquerda do PS. Carlos César, líder interino dos socialistas, já fez saber que o PS deverá viabilizar o governo da coligação vencedora. Mas avisa que os socialistas querem a mudança de algumas políticas orçamentais para que o seu partido possa viabilizar, pela abstenção, as contas do Estado para 2016. César leu nos resultados eleitorais um aviso dos portugueses ao governo e recorda a Passos Coelho que não pode governar como se continuasse a ter uma maioria parlamentar ao seu dispor.
Pedro Passos Coelho congratulou-se com a vitória, mas sinalizou que tinha ouvido o recado dos eleitores e do PS ao afirmar que a coligação estava disponível para negociar no Parlamento a viabilidade do seu governo e a aprovação do Orçamento do Estado. Paulo Portas reconheceu que os resultados ficaram aquém do esperado e admitiu igualmente que o futuro governo terá de negociar atempadamente com o PS os principais documentos legislativos.
À esquerda, o Bloco acusou de imediato os socialistas de estarem a dar colo à direita e o PCP repetiu que são todos farinha do mesmo saco. As duas forças políticas desafiaram o PS a recusar o apoio à coligação de direita e a iniciar conversações para concretizar uma frente de esquerda que impeça o PSD e o CDS de continuarem a governar, mas os socialistas não responderam ao desafio.
Se o relato da noite eleitoral tivesse sido este ninguém estranhava. Não foi e caminhamos a passos largos para um governo de esquerda, liderado pelo principal derrotado de 4 de Outubro. Isto devia contar, mas não conta. Adiante, não vale a pena chover no molhado. Por estes dias, muitos eleitores estarão a sentir-se traídos, mas o que vai determinar o seu voto nas próximas eleições será muito mais a situação do país e a sua própria situação nessa altura.
O PS, o PCP e o Bloco terão, por isso, de ser geniais. Não lhes chega fazer mais do mesmo, um bocadinho mais à esquerda. O país terá de ter estabilidade, a economia terá de crescer, a classe média terá de recuperar poder de compra, os pobres terão de ver as desigualdades diminuídas. O próximo governo terá de ter cuidado consigo próprio, com as instituições europeias e com os mercados. Se o próximo governo correr mal, António Costa ficará na história do PS como o líder que entregou o poder à direita por mais de uma década. No mínimo.