Reabertura total das escolas preocupa comunidade escolar
A 22 de janeiro, os alunos de todos os níveis de ensino viram os estabelecimentos encerrarem devido ao elevado número de casos de covid 19 registados no país. Para o pré-escolar, 1.º, 2.º e 3.º ciclos, as portas já se abriram, mas os do Secundário e Superior só hoje voltam às salas de aulas e ao ansiado convívio com os amigos. "Foi o que mais me custou. Desta vez consegui adaptar-me rápido ao ensino à distância (e@d), mas foi mais difícil não estar com os colegas", confessa ao DN, Sílvia Nogueira, aluna de 11.º ano. Sentimento partilhado por Beatriz Araújo, estudante de 2.º ano, do curso de Medicina, da Universidade do Porto. "Não poder estar com os meus amigos foi o pior. Gosto de manter as minhas amizades, mas não gosto de mensagens. Gosto de estar frente a frente e poder abraçar. O lado emocional pesa.... Estamos mais desmotivados, mais stressados, e a incerteza custa muito. Em termos pessoais, não é fácil. O sítio onde estudo, onde me distraio e onde descanso é o mesmo", conta.
Beatriz Araújo, à semelhança de milhares de alunos, entrou para a universidade em ano de pandemia e continua a sentir as dificuldades do "ensino presencial intermitente, principalmente nas cadeiras práticas". "Foi difícil, especialmente num curso como Medicina, embora ainda esteja nos anos mais teóricos é sempre mais difícil sem o contacto com o professor. A matéria em si e a falta que faz o ensino presencial, é um entrave à aprendizagem no seu todo. As nossas avaliações continuaram a ser presenciais na maioria, mas as aulas não tinham o contacto necessário. As aulas práticas foram dadas em e@d. No 2.º semestre do ano passado, ainda tivemos anatomia presencial, mas este ano não. Não se podem mostrar os cadáveres e acabava por ser uma aula tudo menos prática. A cadeira de Psicologia Médica, também implica contacto e não foi possível", explica.
Apesar de estar feliz com o regresso, a aluna confessa não concordar com o retorno ao ensino presencial "a um mês do final das aulas". "Nesta fase, não me faz sentido voltar ao presencial. Acho que é precoce tendo em conta os atrasos do plano de vacinação. Devíamos esperar mais um pouco. Economicamente é complicado, mas devíamos olhar para o futuro. Vamos ter um mês de aulas e nós já tínhamos a avaliação presencial. Não faz sentido por um mês estragar o que fizemos até agora, os nossos esforços. Até agora, encontraram uma forma de manter o ensino em e@d. Deviam manter até ao fim do ano da mesma forma", diz.
Luís Sottomaior Braga, professor de História, segue a mesma linha de raciocínio e manifesta preocupação com o regresso dos estudantes de Secundário e Superior. "Há riscos. Já se percebeu que as escolas não são o lugar seguro de que tanto se falou. Daí a compensação às mudanças para mais risco que foi a vacinação geral dos professores, que fica concluída esta semana", menciona. O docente refere ainda haver "mais transmissão entre jovens e crianças do que se julgava" e pede cautela. "Há passos de ação que têm de ser dados: aumentar as condições para o distanciamento social entre os alunos (dado que os adultos estão agora mais protegidos pela vacina) e ter condições de testagem generalizada regular dos alunos (o que parece ainda não estar a acontecer). Mesmo com a vacinação dos professores e outros trabalhadores das escolas, estas continuam a ser um ponto crítico e definidor do sucesso do desconfinamento, que é útil e necessário abrir, mas precisa de acompanhamento e medidas, até algumas já prometidas e não executadas, para não ter de se recuar", conclui.
Cátia Valente, professora de Espanhol, diz-se "ciente da possibilidade de voltar a confinar" e, por isso, vai manter "algumas das atividades que fazia em e@d". "Não faz sentido deixar de utilizar ferramentas que se mostraram tão úteis e que motivaram tanto os meus alunos. Não só porque podemos precisar de voltar para o e@d, mas também porque acredito que algumas das estratégias que usei se manterão no futuro, num ensino mais moderno, mais tecnológico e mais centrado na motivação dos alunos e no prazer de estudar", explica.
"Compreendo que os docentes e os pais pretendam o presencial, pelo conforto e sentimento de controlo que lhes dá. Mas o secundário e o superior poderiam, perfeitamente, manter-se a distância". As palavras são de Marco Bento, professor na Escola Superior de Educação de Coimbra e Investigador em Tecnologia Educativa na Universidade do Minho para quem o e@d, quando aplicado de forma correta, não acarreta qualquer problema no modelo de ensino/aprendizagem.
"O futuro, com ou sem pandemia, poderá passar por regimes híbridos ou mistos", sublinha. Questionado sobre a continuidade de práticas diferenciadoras levadas a cabo em e@d, manifesta algumas dúvidas. "Concordaria que assim fosse se as práticas fossem adequadas, mas como a maioria são de transmissão e leitura de PowerPoints em direto, provavelmente, se o sistema presencial e a distância são a mesma coisa, a avaliação é a mesma, compreendo que os docentes e os pais pretendam o presencial", explica. A título de exemplo, adianta que, "na Escola Superior de Educação de Coimbra, as Unidades curriculares de tecnologia educativa mantêm-se à distância num regime síncrono e assíncrono em que os alunos estão a construir projetos educativos e práticos que resultarão num ciclo de webinars - A conversa com a Educação - totalmente desenhados, construídos e operacionalizados pelos alunos em parceria com colegas de curso entre ESEC e Universidade do Minho", explica. E conclui: "Construíram as rubricas de avaliação e assim permite que os desafie, monitorize e lhes dê praticidade e experiência no que aprendem, ou seja, nem eles sentem falta do presencial nesta fase."
À semelhança da ESEC, UP, Utad ou UL, a maioria das universidades portuguesas vai manter as aulas à distância em cadeiras mais teóricas. Os horários definitivos foram chegando aos alunos ao longo do fim de semana, mas os estudantes já sabem que a tão esperada normalidade só deverá chegar no próximo ano letivo.
Os alunos de secundário começam hoje a ser testados à covid 19. São, no total, cerca de 300 mil. Já no Ensino Superior, onde existem cerca de 400 mil alunos, a testagem é voluntária. Na Universidade do Porto, por exemplo, todos os estudantes podem pedir para fazer o rastreio gratuito, numa operação que terminará no final do mês e abrange 36 mil pessoas. Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas, ressalva a testagem em massa e a vacinação dos docentes e não docentes como sendo sinais de confiança para o terceiro período. "A testagem em massa é um indício positivo da atitude do governo de que o pessoal docente e não docente está a ser alvo. A vacinação que decorreu neste fim de semana garantirá maior segurança e confiança nas comunidades escolares, num local - a escola - que já de si é seguro, onde as regras e os procedimentos são observados e cumpridos", sublinha. Para Filinto Lima, "este período letivo é o período da esperança na permanência do ensino presencial, o mais ajustado principalmente no ensino não superior".
dnot@dn.pt