Raquel Ferreira, 48 anos, norte-americana com ascendência portuguesa (os pais nasceram em Cabo Verde quando o arquipélago ainda era território nacional), tornou-se recentemente a mulher mais influente da Major League Baseball (MLB), a liga profissional dos Estados Unidos, ao ser promovida a vice-presidente dos Boston Red Sox, com assento no chamado "grupo dos quatro" da administração de uma das equipas mais importantes e populares dos Estados Unidos, que em 2018 venceu pela nona vez a World Series..A promoção foi um prémio de reconhecimento aos mais de 20 anos de trabalho dedicados à franquia com 118 anos de história, que nos Estados Unidos tem como maior rival na MLB os New York Yankees. Existem outras equipas de basebol com mulheres em altos cargos, mas nenhuma com um grau de influência de Raquel.."Ainda não tive a oportunidade de conhecer a Raquel Ferreira. Mas estamos todos orgulhosos pelo facto de ela ser descendente de um país de língua portuguesa. Ser vice-presidente dos Red Sox para muitos é um sonho. É uma posição importante num dos clubes fundadores da Major League Baseball e um dos clubes desportivos mais históricos dos Estados Unidos", disse ao DN Tony Cabral (nasceu na ilha do Pico, nos Açores), membro da Câmara de Representantes de Massachusetts, estado a que pertence a cidade de Boston.."O amor e paixão entre clube e adeptos em Boston e na Nova Inglaterra é comparável ao Benfica e Sporting na I Liga de futebol em Portugal. A cidade de Boston praticamente deixa de trabalhar quando a equipa joga. Os Red Sox são um dos clubes da MLB mais antigos, famosos e bem-sucedidos - tal como os Yankees de Nova Iorque. Boston é a cidade de campeões devido ao sucesso das suas equipas desportivas - Red Sox, Celtics, Bruins, e, claro, os Patriots. A cultura foi sempre e continua ligada ao desporto", acrescentou..Em 1999, depois de ter terminado o curso de Comunicação na Universidade de Rhode Island, nos Estados Unidos, Raquel começou a trabalhar como assistente administrativa nos Boston Red Sox. A dedicação e o profissionalismo valeram-lhe promoções sucessivas, sobretudo pela forma como lidava e aconselhava os jogadores estrangeiros e os mais novos. Até que, recentemente, na sequência da demissão de um diretor, chegou a vice-presidente com poderes reforçados..A empatia com os jogadores estrangeiros e até com os jovens norte-americanos contratados pelos Red Sox está de certa forma ligada ao facto de ser filha de emigrantes. Os pais de Raquel nasceram em Cabo Verde, na altura uma colónia portuguesa, e emigraram para os Estados Unidos, onde se conheceram e se casaram. Trabalhavam em turnos opostos, ele numa fábrica de têxteis, ela como costureira, para que um deles pudesse estar sempre em casa a tomar conta dela e dos três irmãos. Um passado que Raquel não esquece.."Tenho o maior respeito do mundo pelos meus pais e pela forma como se sacrificaram pelos filhos. Com 16, 17 anos trabalhei na fábrica onde o meu pai estava empregado. Tinha de colocar tampas em caixas. De início pensei: "Oh, meu Deus, eu não estou a fazer isto." Mas depois disse a mim mesma que tinha de o fazer, que o meu pai trabalhava ali. Ia lá todos os dias, chegava cedo e queria que as minhas caixas fossem as melhores, porque estava a representar o meu pai", referiu em declarações ao site theundefeated.com, ela que nunca mais esqueceu a mensagem que os pais lhe passaram: "Sempre me disseram que se quisesse alguma coisa tinha de trabalhar e lutar por ela. Se trabalharmos bem e no duro, alguém nos vai dar valor.".Proximidade com os jogadores.Raquel Ferreira tem tido um papel determinante na equipa. E recentemente ficou com os créditos da assinatura de contrato de Xander Bogaerts, um dos jogadores mais influentes dos Red Sox, natural de Uriba, que assinou um vínculo milionário de seis temporadas. "Conseguimos a extensão do contrato devido à Raquel, fruto da sua liderança e da relação que tinha com o jogador", reconheceu Sam Kennedy, CEO dos Red Sox, à imprensa norte-americana..Há várias declarações públicas de jogadores a elogiarem o papel de Raquel Ferreira nas suas carreiras. E ela vê-os a todos como uma família. "Isto é como um grande e gordo casamento português. Estamos todos juntos. Recebemos aquilo que damos. Eu tenho o respeito deles porque os respeito. Recebo o amor deles porque também lhes dou. Passa-se o mesmo em relação à minha família. É a mesma coisa com o trabalho.".Chegou à atual posição depois de em setembro Dave Dombrowski ter sido demitido de presidente de operações, e de os donos da franquia terem optado por um tipo de organização diferente. "Foi uma decisão fácil de tomar [a promoção]. A Raquel é a alma que representa tudo o que são os valores da nossa organização. Tive uma conversa com ela sobre a sua carreira e a sua experiência nos Red Sox. Quanto mais falávamos, mais eu sentia que ela tinha o perfil de liderança para as mudanças que queríamos fazer", referiu ao site theundefeated.com John W. Henry, o milionário proprietário da franquia, que é também o principal acionista do clube de futebol inglês Liverpool.."Ela é a pessoa que gera maior empatia naquela organização. Coloca-se no papel dos jogadores, entende o que eles sentem. Não falo apenas dos jogadores dominicanos que contratámos, mas também de jovens de 17,18 anos que chegaram de outros locais dos EUA. Todos passam por um período de adaptação e ela fez um ótimo trabalho nesse aspeto", acrescentou Theo Epstein, atualmente diretor de uma equipa rival, mas que durante anos foi chefe de Raquel..No basebol norte-americano só existem três mulheres com assento em cargos de direção em franquias profissionais. Mas nenhuma tem a responsabilidade atual de Raquel. "Todos os dias sinto os desafios. Olho para o lado e sou a única mulher na sala de reuniões. Mas já estou habituada. Vamos esperar que o panorama mude", referiu numa das várias entrevistas que deu a revistas e sites especializados em basebol..A agora vice-presidente dos Red Sox teve como primeira paixão o basquetebol - era fã de Michael Jordan. E mal terminou o curso quis logo ficar ligada ao desporto. Chegou a ir a uma entrevista numa rádio, porque a irmã conhecia o editor. Mas este, em vez de lhe oferecer emprego, informou-a de que conhecia uma mulher que ia deixar o cargo de administrativa nos Red Sox. Ela tentou a sua sorte e ficou. Até hoje.