Rami Makhlouf, patrão da maior operadora de telemóveis da Síria, era apontado como um dos pilares do regime de Bashar al-Assad. Afinal, é seu primo direito e terá ajudado a financiar a guerra civil que já dura há nove anos. Mas num momento em que falta dinheiro nos cofres do Estado, nem o facto de partilharem laços de sangue está a poupar Makhlouf. E o empresário de 50 anos denuncia tudo no Facebook..O homem mais rico da Síria é sobrinho da mãe de Assad, Anisa, e um companheiro de infância do presidente, que assumiu o poder após a morte do pai, Hafez, em 2000. Era considerado um dos mais influentes membros da família, tendo chegado a ser um dos alvos dos protestos que rebentaram em 2011 contra o regime de Assad. Nesse mesmo ano, anunciou que se ia afastar dos negócios e focar-se na sua organização de caridade (que ajuda as famílias dos mártires da guerra e dos feridos com um salário mensal), mas terá sempre mantido o controlo..Além de estar à frente da Syriatel, Makhlouf tem um império de negócios que se alastra aos ramos do petróleo, eletricidade e imobiliária e que, segundo os especialista vale milhares de milhões de dólares. Antes da guerra, dizia-se que controlava 60% da economia. Uma fortuna que começou com o pai, Mohammad, que como cunhado de Hafez desempenhou um papel fulcral na economia Síria de 1970 até 2000..No Instagram os seus filhos mostram o seu estilo de vida luxuoso no Dubai, incluindo um avião privado que pertence ao filho Mohammad, enquanto na Síria a economia está em crise e 80% da população vive abaixo do nível de pobreza..Príncípio do fim.Makhlouf é alvo das sanções tanto dos EUA (desde 2008) como da União Europeia, mas parecia protegido internamente. Até ao verão de 2019..No ano passado, as autoridades sírias assumiram o controlo da sua organização de caridade Al-Bustan (Jardim) -- que seria rival da organização da mulher do presidente, Asma Assad -- e dissolveram as milícias que estavam ligadas a ele e que tinham ajudado ao esforço de guerra. Havia o rumor de que o próprio Makhlouf tinha sido colocado em prisão domiciliária..Em dezembro do ano passado, segundo a imprensa síria, estaria na lista dos empresários que viram os seus bens congelados por parte do regime, por fuga ao fisco e enriquecimento ilícito. Em outubro, o presidente tinha pedido a todos do setor privado que tinham "desperdiçado fundos estatais" para devolverem o dinheiro, numa tentativa de reforçar as finanças do país..Já este ano, os seus bens terão sido confiscados uma segunda vez, por causa de impostos alegadamente devidos pela sua empresa de importação de combustível, a Abar Petroleum. Em abril, as autoridades egípcias anunciaram a apreensão de quatro toneladas de drogas num carregamento de leite da Síria para a Líbia, realizado por uma das suas empresas. Makhlouf negou qualquer envolvimento..Além da crise económica, há especialistas que dizem que a Rússia poderá estar a pressionar Assad para que pague o apoio militar que recebeu e que lhe permitiu recuperar o controlo da guerra na Síria. Moscovo estará ainda a pressionar o aliado para ceder a negociações de paz, que permitam o aliviar das sanções e abram uma janela de oportunidades para os russos na Síria..Makhlouf é também considerado um dos maiores defensores do recurso à violência por parte do regime para calar os opositores, sendo visto como um eventual obstáculo à paz..Mensagens vídeo.Apesar de ter mantido um perfil baixo durante todo o conflito sírio, Makhlouf quebrou o silêncio através do Facebook..A 30 de abril, num vídeo publicado nesta rede social, Makhlouf pediu a Assad para "reagendar" o pagamento de cerca de 185 milhões de dólares que estava a ser exigido em impostos à Syriatel. O empresário trata o primo por "senhor presidente", o que reforça a ideia de que já não há um canal direto de comunicação entre os dois, indicando que a empresa já tinha pago os seus impostos e que não tinha o valor pedido..De acordo com o The Washington Post, mostrava-se ainda disponível para dar dinheiro diretamente a Assad mas não ao regime, indicando haver pessoas em quem não confiava. "Sou uma pequena e simples parte de tudo isto", afirmou. "Senhor presidente, imploro-lhe, esta é a verdade", acrescentou, indicando também que se afastou da vida pública para evitar ser um "fardo" para Assad..Três dias depois, num segundo vídeo, acusou a forças de segurança de deterem funcionários das suas empresas como forma de intimidação, para que ele se afastasse dos seus negócios.."Alguém poderia imaginar que as agências de segurança viessem atrás das empresas do Rami Makhlouf, quando ele foi o maior financiador delas durante a guerra?", questionou no vídeo..De acordo com o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, baseado no Reino Unido, cerca de 40 funcionários da Syriatel e 19 da Al-Bustan foram detidos desde abril..O terceiro vídeo, de quase 17 minutos, foi partilhado no Facebook este domingo. Nele, Makhlouf alega que o regime do primo lhe deu um prazo para deixar os seus negócios ou perderia as licenças, mas que não irá ceder. O patrão da Syriatel diz que o colapso da empresa seria um golpe "catastrófico" para a economia do país..Segundo Makhlouf, o regime está a ainda a exigir a entrega de 120% dos lucros ao estado, ameaçando prendê-lo caso não o faça.."Durante a guerra não abandonei o meu presidente, o meu país ou o meu povo. Não me conhecem se acham que iria desistir de tudo agora, nestas circunstâncias", afirmou..O diretor da publicação de economia The Syria Report disse à agência AFP que Makhlouf "sente a pressão a acumular-se para o marginalizar". Segundo Jihad Yazigi, "ele tentou resistir durante muito tempo antes de atirar um último trunfo, revelando os problemas da família", alegando que tal vai-lhe "custar caro"..Problemas de família.Não é a primeira vez que os Assad têm problemas com a família. Há quase 40 anos, o pai de Bashar, Hafez Assad, expulsou o irmão Rifaat al-Assad, depois de uma tentativa de golpe falhada. Este mudou-se para a Europa com as quatro mulheres e 16 filhos, vivendo entre Londres e Paris..Bashar sucedeu ao pai (que assumiu o poder num golpe em 1970) em 2000, apesar de durante anos não ter sido ele o herdeiro. O seu irmão mais velho, Bassel, devia ocupar o lugar, mas morreu num acidente de automóvel em 1994. Bashar tem outro irmão mais novo, Maher, que lidera um grupo de elite dentro do exército sírio e tem expandido a sua rede de negócios nos últimos anos. Nenhum dos dois irmãos de Assad era grande fã de Makhlouf..O próprio irmão mais novo de Makhlouf, o coronel Hafez Makhlouf, era um conselheiro de segurança de Assad e terá desempenhado um papel importante na resposta violenta aos protestos de 2011. Mas, em 2014, foi afastado do seu cargo e viajou para a Rússia, onde esteve antes de regressar à Síria como cidadão privado e já sem papel nos serviços de segurança. Alegadamente os seus contactos russos não eram bem-vindos.