Terroso, quente, amadeirado, sensual, apimentado, são termos que há milénios procuram captar a qualidade etérea de um ingrediente que inebria perfumistas. A origem do almíscar não faria supor as qualidades odoríferas que o incluíram, no início do século XVIII, nos bens cotados na Bolsa de Valores de Londres a duas vezes o seu peso em ouro. O almíscar provém de uma substância de odor pungente excretada numa glândula, entre o ânus e o pénis, do macho do veado-almiscareiro como forma deste marcar o seu território e atrair as fêmeas. Pequeno, com pouco mais de 20 kg, sem chifres, com carne de sabor pouco apetecível, o veado-almiscareiro não é, aparentemente, presa apetecível à caça nas montanhas de onde provém, um território que cobre o leste europeu e a Ásia. Mas foi-o por milénios..O Homem percebeu que a glândula com a dimensão de uma noz, de pungente odor a urina, quando submetida ao calor do sol, de um forno ou submersa em azeite quente, liberta notas aromáticas inebriantes e perenes. Embora presente nas glândulas de outras espécies animais como o boi-almiscareiro, o rato-almiscareiro e o pato-almiscareiro, assim como espécies vegetais, o almíscar extraído do cervídeo proveniente da Rússia, Mongólia, China e Vietname, apresenta uma qualidade superior..Na Europa e na Ásia, o apetite por almíscar não obtinha consolo apenas nas qualidades odoríferas da secreção do veado. De bálsamo para mitigar os efeitos da epilepsia, convulsões e insónia, a preferido entre os potenciadores sexuais, a matéria-prima extraída da glândula do veado-almiscareiro, deu mote a uma corrida sangrenta que deixou a espécie à beira da extinção no século XX. A obtenção de 1 kg de almíscar obrigava ao abate de 30 a 50 animais. Uma matança em parte travada em 1979 com a proibição da caça do veado-almiscareiro expressa no Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção. .À parte os avanços firmados em tratado internacional já no século XX, o trabalho de um químico alemão do século XIX contribuiu para atrasar aquela que parecia uma inevitabilidade, a extinção do Moschus moschiferus, designação científica do pequeno cervo. Em 1888, Albert Baur, ao realizar experiências com explosivos, constatou que um dos subprodutos que obteve se aproximava do odor a almíscar. De um acaso, Baur criou os primeiros nitroalmíscares e, com eles, uma nova indústria, a dos almiscares sintéticos, base para a perfumaria, mas também como aromatizante, fixador, detergente e mesmo ingrediente alimentar. Indústria que beneficiaria na década de 1910 do contributo do croata Leopold Ruzicka. Prémio Nobel da Química em 1939, Ruzicka isolou o principal composto odorífero do almíscar, a moscona..Anterior ao aparecimento dos almiscares sintéticos, uma fragrância suave e fresca começou a competir com o aroma vincado do almíscar, mas também do óleo de canela e do óleo de sândalo. Giovanni Maria Farina, nascido em Santa Maria Maggiore, no noroeste italiano, em 1685, germanizou o seu nome para Johann ao ver-lhe concedida a cidadania alemã. A viver em Colónia, Johann desenvolvia naquela cidade a arte da perfumaria, prosseguindo uma tradição familiar transalpina de combinação e recombinação de óleos essenciais. Em 1708, Farina escrevia ao seu irmão Johann Baptist Farina, conforme lemos na obra de Markus Eckstein, Eau de Cologne: Farina"s 300th Anniversary (2017): "Encontrei uma fragrância que me lembra uma manhã de primavera, de narcisos da montanha e flor de laranjeira depois da chuva". .Nas suas palavras, Farina não escondia o entusiasmo perante o novo perfume que, sobre uma base de etanol diluído, misturava óleos cítricos como o de limão, laranja sanguínea, laranja amarga, clementina, toranja, alecrim, tomilho, a bergamota e o delicado Neróli, obtido da flor-de-laranjeira. O aroma que o mestre perfumista sintetizava no início do século XVIII, ao qual chamou água-de-colónia em honra da cidade que lhe deu abrigo, conquistaria nas centúrias seguintes, os olfatos de Napoleão Bonaparte, Vitória do Reino Unido, Luís I de Portugal, Voltaire, Beethoven, Oscar Wilde e Marlene Dietrich, para citar alguns entre os históricos que se renderam ao suave perfume entregue em delicadas garrafas de vidro. .A Farina coube, não só o mérito de perfumar as principais casas europeias, subtraindo mercado aos perfumes almiscarados, como também o de produzir um aroma que mantinha a sua homogeneidade a cada nova coleção. Um feito, considerando as dezenas de essências obtidas de outras tantas espécies florais, colhidas e tratadas em diferentes estações do ano..Um negócio que Farina dirigia com o irmão numa discreta loja na morada Obenmarspforten 21, em Colónia (atualmente também um museu), com entregas naquela cidade e em Frankfurt. Só a partir de 1712, a dupla se aventurou noutras cidades alemãs para, em 1740, remeter milhares de unidade para destinos tão diversos como Paris, Estrasburgo, Varsóvia e Amesterdão. Volvidos mais de 300 anos, a fórmula de Farina é ainda hoje secreta. Na linhagem familiar produtora da água-de-colónia, apenas três dezenas de pessoas acederam à receita original. Um segredo que não obstou ao surgimento, ainda no século XVIII, de águas-de-colónia concorrentes como a ainda hoje produzida 4711, uma vez mais em alusão ao número da porta em Colónia atrás da qual nasceu..No século XIX, a água-de-colónia viajou do seu pais natal para a corte do sultão Abdülhamit II, na Turquia, então parte do Império Otomano. A fragrância cedo conquistou os olfatos naquele território suplantando a água de rosas. Em 1920, Eyüp Sabri Tuncer iniciou a produção da Kolonya numa pequena loja em Ancara. Aos óleos essenciais cítricos, utilizados na fórmula original, a Kolonya turca adicionou, entre outros, alecrim e mesmo o açúcar. O perfume tem na sua composição álcool etílico (até 80%) - obtido da fermentação de uvas, batatas ou cevada -, água destilada e óleos essenciais.