São poucos os atores de Hollywood que cumprem o desejo de se reformarem. É mais comum dizerem que se reformam e, depois, estarem de volta para o inevitável comeback. Mas, nos últimos anos, algumas estrelas têm sido fiéis ao desejo de se afastarem das luzes da ribalta. O cinema e o estrelato cansam numa indústria como a americana e há quem prefira viver uma reforma dourada. Outros também rescindem para terem uma vida supostamente mais "normal", longe da imprensa, dos agentes, dos publicistas....Sean Connery, que recentemente chegou aos 90 anos, é um dos que cumprem a palavra quando, depois de Liga de Cavalheiros Extraordinários (2003), de Stephen Norrington, preferiu renunciar ao cinema. Para um ator que atingiu tudo - de Óscares a consenso crítico, passando pela imortalização como James Bond -, há quem acredite que tenha tido uma epifania: sair com dignidade e numa altura em que o seu nome ainda era suficiente para dar luz verde a um dispendioso filme de estúdio..Connery, sabe-se, passa grande parte do tempo a jogar golfe e não é visto em eventos públicos. Porém, não se pense que o ator escocês tinha alergia aos procedimentos da indústria: aparecia em cerimónias e dava entrevistas sempre com um sorriso sincero. Lembro-me de em 1996 ter sido convidado para o entrevistar em São Francisco por ocasiões de O Rochedo, simpático filme de ação de Michael Bay, e apanhei-o em grande forma: falador e cavalheiro. Depois da entrevista, numa festa de antestreia, em plena prisão de Alcatraz, o veterano era visto na fila com os jornalistas para petiscar o catering. O ator que foi ativista pela independência da Escócia talvez nunca fosse muito adepto dos privilégios das estrelas de Hollywood. Contudo, antes da reforma, terá ficado traumatizado com os maus resultados de A Armadilha, de Jon Amiel; Sarilhos em África, de Bruce Beresford ou Causa Justa, de Arne Glimcher, onde já se estava a tornar uma espécie de avozinho duro cristalizado. Ainda assim, em 2000, terá tido o seu canto de cisne a sério: Descobrir Forrester, de Gus Van Sant, obra verdadeiramente subvalorizada. No seu caso, um surpreendente comeback como o de Joe Pesci em O Irlandês, de Martin Scorsese, não deverá mesmo acontecer..Daniel Day-Lewis já antes tinha dito que não voltaria ao cinema. À medida que se tornou uma lenda viva e com a fama de ser o maior ator do mundo, tornou-se um ator raro. Só os maiores cineastas do mundo como Steven Spielberg ou Paul Thomas Anderson eram capazes de o convencer a regressar, mas depois de Linha Fantasma, precisamente de P.T. Anderson, estreado há dois anos, terá dito que nunca mais. Acreditaremos? O ator britânico não é velho, mas todos sabem que dá tudo e mais alguma coisa para conseguir caber nas personagens maiores do que a vida que interpreta. É ele mesmo quem diz que lhe sai da pele e que depois sofre muito. O fim da sua carreira de ator talvez tenha sido em prol da sua vida familiar: é pai de três e casado com Rebecca Miller, ex-atriz, entretanto convertida em cineasta rara. Sabe-se também que Day-Lewis gosta de viver isolado. Sabe-se ainda que no fundo, no fundo, um dia um Scorsese ou um Spielberg ainda o convence a ir contra a sua palavra. O cinema fica órfão com este Daniel a fazer sapatos numa mansão perdida algures num local remoto da Irlanda....Depois, há casos como Cameron Diaz, atriz irregular mas que era esforçada quando apanhava génios da comédia como os Farrelly ou quando tinha realizadores a sério como Ridley Scott ou Scorsese. Terá dito não ao declínio quando, aos 40, apanhou um fracasso rotundo, o remake de Annie, de Will Gluck, em 2014. Pelos corredores do sho biz há muitas teorias. Que a atriz não estava a gostar de se ver com rugas, que já não tinha os papéis que queria. Certo, certo é que Cameron teve sempre problemas com a sua beleza. Mal filmada era um desastre: Jake Kasdan borrava a pintura em Professora Baldas, em 2011, mas Ridley Scott filmava-a como uma diva em O Conselheiro, em 2013. Era uma atriz que precisava de um plano perfeito..Contudo, pelo que se conta nos EUA, está longe de ter desaparecido. Escreve livros sobre duas das suas obsessões: saúde e envelhecer bem. Cameron Diaz, que por alturas de Gangues de Nova Iorque e Doidos por Mary, era uma das maiores estrelas do mundo, pode ser vítima de uma síndroma de Hollywood: o bullying pela aparência sensual perfeita. Vítima, é bem bom repetir....Outra das atrizes que se reformaram enquanto ainda eram movie stars foi Kelly McGillis, estrela de Testemunha, de Peter Weir e de Top Gun - Ases Indomáveis, de Tony Scott. Segundo rumores, não terá pactuado com a pressão dos padrões de beleza feminina na América. Ou então borrifou-se pura e simplesmente e disse não a uma tendência de lhe enviarem apenas propostas de filmes em que era a namorada do herói. Sim, Kelly McGillis pode ter sido uma das vítimas do fardo do label "símbolo sexual". Há quem também esteja convencido de que tenha preferido uma vida mais anónima e de família, mesmo quando ainda é vítima de perseguição de paparazzi quando se fala de Top Gun. E as fotos que saem na internet mostram um envelhecimento acentuado, enfim, um outro corpo, quase irreconhecível. E por estar visivelmente obesa, é também vítima do tal bod- shaming tão típico da misoginia destes dias..O caso de Gene Hackman é também intrigante. Depois de ser um dos atores que mais filmes faziam com os estúdios de Hollywood, Hackman anunciou há 16 anos que nunca mais queria trabalhar. Supostamente, o seu médico dizia-lhe que o coração pedia tranquilidade. O grande ator americano tinha também uma barriga cheia de grandes momentos na história do cinema americano e foi o próprio Kevin Costner quem disse publicamente que se tratava do maior ator americano vivo..Hackman, agora com 90 anos, parece que vive uma reforma dourada. Muita tranquilidade, golfe e todos os luxos de uma moradia faustosa no Novo México. Às vezes, dá uma entrevista ou outra e recorda ter sido o Lex Luthor de Super-Homem, vilão de Imperdoável, de Clint Eastwood, e o genial patriarca em Os Tenenbaums - Uma Comédia Genial, provavelmente a obra-prima de Wes Anderson. O que custa é a sua despedida: a comédia banal Alce Daí, Senhor Presidente, de Donald Petrie, veículo para fazer de Ray Romano uma estrela. Foi um fracasso completo mas que não beliscou o prestígio de alguém com dois Óscares e uma série de clássicos e sucessos numa longa carreira. Um genuíno ator americano da velha guarda, daqueles que já não se fazem, um pouco na linha de Robert Duvall, que, tal como muitos atores, acredita que não é possível jamais para um ator parar de representar....Robert Redford, por seu turno, veio há dois anos anunciar que se iria retirar da representação. Mas foi preciso em dizer que nunca se deve dizer nunca. No Festival de Toronto, explicou que se sentia velho mas que a decisão era em parte devido à felicidade do seu último papel (sem contar com o cameo em Avengers: Endgame, dos manos Russo, no ano passado): O Cavalheiro com Arma, charmoso filme de gangsters de David Lowery. Ou seja, quis fechar o pano com um dos papéis da sua vida. Redford estava feliz com o filme e desejou sair por cima. A confirmar-se, de facto, uma despedida doce, mas também é preciso não esquecer que o veterano galã é também realizador, e aí talvez ainda possam surgir esperanças de um regresso. De referir que a Academia nunca foi simpática com ele como ator, sobretudo quando a imprensa fez um escândalo sobre a sua ausência nos Óscares de 2014 devido a Quando tudo Está Perdido, de J.C. Chandor, onde era mais do que favorito. Esse tipo de preconceito talvez também tenham acelerado essa decisão de alguém que continua ligado a Sundance, o festival que ajudou a erguer. A ausência deste eterno "jovem" continua a deixar o panorama do cinema americano muito pobre..Depois, há quem esteja numa reforma a viver do culto e dos louros do passado. Sim, as estrelas de ação também fogem para longe das câmaras. Que o diga Chuck Norris, mítico action hero dos anos de 1980, agora numa espécie de licença sabática para não expor muito a sua degradação física, embora corra a lenda de que o ator de McQuade - O Lobo Solitário, de Steve Carver, nunca envelheça. Ou seja, Norris está numa semirreforma. Interrompe o seu afastamento apenas para uma aparição especial em séries. O seu último filme foi quase em jeito de brincadeira e pretexto para estar ao lado dos rivais Stallone, Schwarzenegger, Van Damme e Bruce Willis em Os Mercenários 2, de Simon West. Aliás, a reforma para alguém como Chuck Norris é uma forma de proteção. Aos 80 anos, é uma forma de não estragar a imagem, digamos assim... O homem quer estar sossegado no seu rancho no Texas....Por fim, o caso de Jack Nicholson, alguém que não anunciou o adeus ao cinema mas que está parado desde Tens a Certeza?, do amigo James L. Brooks, já datado de 2010. Há teorias sobre esta relutante reforma. A primeira é que o ator poderá estar com sintomas de Alzeihmer, mas a mais insistente é que o fracasso de Tens a Certeza? retirou-lhe a possibilidade de poder fazer o que quer dentro dos sistema das majors, embora ainda seja plausível pensar que depois de três Óscares e toda a glória, Jack apenas quer ser Jack: curtir a sua Los Angeles, ir aos jogos do Lakers e não fazer mais nada. Porém, no ano passado, terá vindo a público de que estaria interessado num regresso, neste caso para o remake americano do filme alemão Toni Erdmann, de Maren Ade. O tempo passou e o filme não avançou, mesmo sem Jack. Mas poderia ter sido uma despedida gloriosa o papel de um pai a pregar partidas a uma filha que se esqueceu de viver... Ainda assim, olhamos para os seus últimos filmes e percebemos que o seu cartão-de-visita final deveria ter sido em The Departed - Entre Inimigos, de Martin Scorsese, em 2006. Esse sim, um Jack diabólico e com um olhar a sorrir para o demónio. Que despedida teria sido...