Quem é Alexei Navalny, o opositor de Putin que terá sido envenenado?
Alexei Navalny, carismático ativista contra a corrupção das elites russas, é há uma década considerado o principal opositor a Vladimir Putin, o que lhe valeu processos judiciais, penas de prisão e duas presumíveis tentativas de envenenamento.
O advogado de 44 anos está hoje em coma, numa unidade de cuidados intensivos num hospital da Sibéria, depois de se ter sentido mal e perdido a consciência durante um voo de regresso a Moscovo, o que a sua equipa atribuiu a um envenenamento.
O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, desejou uma "recuperação rápida" a Alexei Navalny.
"Sabemos que está em estado grave. Como a qualquer cidadão russo, desejamos-lhe uma recuperação rápida", disse Peskov aos jornalistas.
Segundo a porta-voz do advogado e ativista, Kira Yarmysh, "Alexei foi envenenado, intoxicado" e "agora está nos cuidados intensivos", mas não foi dada autorização à sua mulher, Julia Navalnaya, e à sua médica, Alexey Anastasia Vasilyeva, para o visitarem, escreveu Yarmysh no Twitter, no qual tem atualizado a informação sobre Navalny.
"Os médicos estão a fazer o possível, e realmente a lutar para salvar-lhe a vida", declarou Anatoli Kalinitshenko, vice-diretor do hospital de Omsk, citado pela AFP.
Navalny está ventilado e em coma, apesar de "estável", segundo o hospital.
"Como qualquer pessoa envolvida na política de oposição na Rússia, eu sei que o governo de Putin não tem limites e não vai parar por nada. Eu sei isso, mas não tenho medo", disse numa entrevista em 2016.
Nascido em 1976 nos arredores de Moscovo, Alexei Navalny fundou em 2011 a Fundação Anticorrupção para investigar a riqueza de Vladimir Putin e do seu círculo próximo, organização que nos últimos anos tem sido alvo de frequentes buscas, multas e sanções financeiras e, no mês passado, foi encerrada por falta de verbas, depois de um processo que o obrigou a uma indemnização avultada a um empresário próximo do Kremlin.
O advogado que se tornou ativista acabou por se tornar, em 2011 e 2012, o líder da oposição democrática na Rússia, considerado, no país e no estrangeiro, a mais séria ameaça ao poder do então ex-presidente, primeiro-ministro e candidato às presidenciais Vladimir Putin.
Liderou manifestações com centenas de milhares de pessoas em Moscovo e em São Petersburgo, numa altura em que muitos russos despertaram para as denúncias de alta corrupção das elites e de fraudes eleitorais, nos maiores protestos antigovernamentais no país desde o fim da União Soviética.
Mas muitos dos dirigentes oposicionistas dessa contestação foram detidos, exilados ou mortos, como o amigo de Navalny e ex-vice-primeiro-ministro Boris Nemtsov, morto a tiro em 2016 perto do Kremlin.
Hoje, apesar de grandemente ignorado pela imprensa russa, não representado no Parlamento e impossibilitado de se candidatar a cargos políticos até 2028 por duas condenações por desvio de fundos que envolveram também o irmão, Oleg, e que assegurou terem motivações exclusivamente políticas, continua a ser a principal voz da oposição na Rússia.
Tem estado múltiplas vezes detido por dias ou semanas, acusado de violar as leis sobre manifestações.
No ano passado, durante uma dessas detenções, foi levado de urgência para um hospital por uma reação alérgica grave que a sua equipa atribuiu a um envenenamento. No dia seguinte, teve alta e foi levado de volta à prisão.
Em 2017, Navalny foi atacado por um grupo de homens que lhe lançou antisséptico para a cara, provocando-lhe lesões num olho.
Proibido de aparecer na televisão nacional, tem um canal no YouTube com quase quatro milhões de assinantes no qual divulga as suas investigações sobre corrupção, que chegam a ser vistas por dezenas de milhões de pessoas, entre as quais muitos jovens russos.
Um documentário de 2017 em que acusava o então primeiro-ministro, Dmitri Medvedev, de corrupção foi visto por mais de 30 milhões de pessoas em dois meses.
Nas investigações, Navalny aponta a responsáveis considerados intocáveis, tendo nomeadamente apresentado queixas contra Putin e contra o procurador-geral, Iuri Tchaika, e divulgado a origem ilegítima do património de muitos dos mais próximos do presidente.
"Faço política há muito tempo, sou frequentemente detido [...]. Faz parte da vida [...] Faço o trabalho de que gosto mais, as pessoas apoiam-me. O que é que pode fazer um homem mais feliz?"
Alexei Navalny
Em 28 de julho de 2019, Alexei Navalny, então preso por convocar uma manifestação em frente à autarquia de Moscovo, foi internado no hospital devido a uma doença misteriosa.
As suas pálpebras ficaram inchadas e teve vários abcessos no pescoço, nas costas, no tronco e nos cotovelos.
As autoridades falam de uma "reação alérgica grave", mas a equipa do principal adversário do Kremlin afirma que provavelmente foi vítima de "um agente tóxico". Os serviços de saúde replicaram que não encontraram "nenhuma substância tóxica" no seu corpo.
Em 2017, Navalny teve de ser tratado em Espanha devido a uma queimadura nos olhos recebida após ser pulverizado com um corante antisséptico.
Serguei Skripal
Em 4 de março de 2018, o ex-agente duplo russo Serguei Skripal e a sua filha Iulia foram encontrados inconscientes num centro comercial em Salisbury, no sul da Inglaterra, e hospitalizados em estado grave.
Londres acusou Moscovo de estar por detrás do envenenamento de Skripal com novichok, um poderoso agente nervoso de origem soviética, em retaliação pela sua colaboração com os serviços de inteligência britânicos. O Kremlin negou qualquer envolvimento e o caso provocou uma crise diplomática.
Sergei Skripal e a sua filha deixaram o hospital nos meses seguintes. Em junho passado, a polícia contraterrorismo britânica renovou o seu pedido de informações sobre dois suspeitos russos dos serviços de inteligência militar (GRU) da Rússia.
Piotr Verzilov
Piotr Verzilov, um ativista do grupo de protesto Pussy Riot, foi hospitalizado em Moscovo em 14 de setembro de 2018 nos cuidados intensivos de toxicologia em estado grave.
Verzilov foi rapidamente transferido para um hospital em Berlim, no mesmo período em que decorria o caso Skripal. Relatórios médicos alemães sugerem "muito provavelmente um caso de envenenamento".
Para a sua mulher na época, Nadejda Tolokonnikova, também uma ativista do Pussy Riot, alguém na Rússia, talvez uma "agência das forças de segurança", queria assassinar Verzilov.
Segundo Tolokonnikova, Verzilov foi envenenado durante o seu julgamento num tribunal de Moscovo em 11 de setembro de 2018.
Alexander Litvinenko
O ex-agente do serviço secreto russo (FSB) Alexander Litvinenko, opositor do Kremlin no exílio, morreu em Londres no ano de 2006 após ser envenenado com polónio-210, uma substância radioativa muito tóxica.
Uma investigação britânica estabeleceu, quase dez anos depois, a culpa de dois russos que tomaram chá com a vítima num hotel e apontou a responsabilidade de Moscovo, que negou qualquer intervenção no caso.
Viktor Yushchenko
Em 2004, o candidato da oposição ucraniana Viktor Yushchenko, herói da Revolução Laranja, adoeceu gravemente no meio da campanha presidencial contra o candidato favorito de Moscovo, Viktor Yanukovych.
Médicos austríacos identificaram o envenenamento por dioxina três meses depois. O seu rosto marcado e deformado ainda hoje apresenta vestígios causados pelo veneno.