O empresário colombiano Alex Saab, alegado testa-de-ferro do presidente venezuelano Nicolás Maduro, foi detido na passada sexta-feira (12 de junho) em Cabo Verde, onde o seu avião privado parou para reabastecimento a caminho do Irão. Saab, de 48 anos, é acusado de lavagem de dinheiro pelos EUA, que já pediram a sua extradição..O governo de Maduro apelidou a detenção de "ilegal", "arbitrária" e "uma violação do direito e das normas internacionais", alegando que Saab, de 48 anos e nacionalidade venezuelana desde 2018, " goza de "imunidade diplomática" uma vez que viajava como "agente do Governo Bolivariano da Venezuela"..Segundo o comunicado partilhado no Twitter pelo chefe da diplomacia venezuelana, Jorge Arreaza, Saab viajava numa missão para obter alimentos e medicamentos para a Venezuela. Mas há quem alegue que está a negociar a troca de ouro venezuelano por combustível iraniano - ainda no final de maio cinco petroleiros iranianos entregaram gasolina à Venezuela. .Caracas considera que esta detenção é mais uma das "ações de agressão e cerco contra o povo venezuelano, empreendidas pelo Governo dos EUA", alegando que só depois da detenção é que a Interpol emitiu o código vermelho (detenção imediata) no seu sistema. A detenção em Cabo Verde foi feita ao abrigo deste código..Esta segunda-feira (15 de junho), o tribunal do Sal decretou a prisão preventiva de Saab, tendo os EUA 18 dias (o prazo pode ser alargado por mais 40 dias) para pedir a extradição. EUA e Cabo Verde não têm acordos de extradição, mas esta pode ser pedida ao abrigo do princípio da reciprocidade recorrendo às convenções da ONU..Havia indicação de que Saab teria sido imediatamente colocado num avião para os EUA, o que não se confirmou. Tudo porque, em Cabo Verde, estaria também um avião privado pertencente à Presidential Aviation, que trabalha para o governo norte-americano, que estava pronto para partir em direção a um aeroporto de Miami no domingo..Quem é?.Saab é filho de um imigrante libanês que se instalou em Barranquilla, na Colômbia, tendo tido sucesso num negócio têxtil. O segundo de quatro irmãos, vendia uniformes e porta-chaves para empresas quando conheceu o também colombiano Álvaro Pulido, com quem começou a fazer negócios na Venezuela, segundo o InSight Crime, um site de jornalismo de investigação do crime organizado na América Latina com sede em Washington e Medellín..Entre 2004 e 2011, fizeram pequenos negócios com empresas venezuelanas (que alegadamente não declararam na Colômbia, daí serem procurados por lavagem de dinheiro também neste país). Ainda na semana passada, a justiça colombiana confiscou-lhe oito propriedades em Barranquilha (onde nasceu), no valor de 8,8 milhões de euros..Em 2011, começou a ligação de Saab ao regime de Caracas, com a assinatura de um contrato, com o então presidente venezuelano Hugo Chávez e o colombiano Juan Manuel Santos para a construção de casas pré-fabricadas. Foi uma das únicas vezes que foi visto em público, mantendo-se desde então muito discreto. Entre 2012 e 2013, a empresa terá recebido 159 milhões de dólares para importar o material para a construção das casas desde a Colômbia e o Equador, mas só terá entregado três milhões de dólares de produto final..Os negócios evoluíram também para o setor alimentar, com a preparação e distribuição de cabazes de alimentos, e uma ligação cada vez maior ao regime, através dos filhos de Cília Flores, mulher de Maduro, que chegou à presidência em 2013 após a morte de Chávez..Saab é casado com a italiana Camilla Fabri, estando ambos também sob investigação em Itália por lavagem de dinheiro, tendo visto a justiça congelar-lhe os ativos que detinha neste país, após o seu nome entrar na chamada lista Clinton (a lista negra de pessoas e empresas ligadas ao dinheiro do narcotráfico, criada em 1995 pelo então presidente dos EUA, Bill Clinton)..As acusações nos EUA.Num tribunal da Florida deu entrada, em julho de 2019, um processo contra Saab e Pulido. Ambos são acusados de lavagem de dinheiro e transferência de 350 milhões de dólares para fora da Venezuela, seja para os EUA seja via EUA para contas no estrangeiro. Caso seja condenado arrisca uma pena de 20 anos de prisão..Há muito que se diz que Saab é o testa-de-ferro de Maduro, tendo sido denunciado como tal em 2017 pela ex-procuradora-geral Luisa Ortega (inicialmente ligada ao regime, mas afastada em agosto de 2017 e desde então no exílio)..Mas, oficialmente, nos documentos legais nos EUA, não surge apelidado dessa forma. As autoridades acreditam contudo que pode levantar um véu sobre os negócios do regime e de Maduro. O presidente venezuelano é ele próprio procurado pela justiça norte-americana, que o acusa de "inundar os EUA com cocaína" e de ser um narcoterrorista.."Alex Saab envolveu-se com próximos de Maduro para liderar uma rede de corrupção de larga escala que depois usaram para explorar a população esfomeada da Venezuela. O Departamento do Tesouro tem como alvo aqueles por detrás dos sofisticados esquemas de corrupção de Maduro, assim como a rede global de empresas fachada que fazem lucro do programa de distribuição de alimentos anteriormente controlado pelos militares do regime", disse em julho o secretário do Tesouro dos EUA, Steven Mnuchin..Segundo a mesma fonte, a ligação entre Saab e o regime remonta a 2009, quando o empresário colombiano começou a trabalhar no concurso que ganharia em 2011 para a construção de 25 mil casas na Venezuela para os mais desfavorecidos, com cada uma a custar quatro vezes mais do que o verdadeiro preço de construção. O concurso terá sido ganho em troca de subornos..No setor alimentar, Saab beneficiou de contratos acima dos valores normais no programa alimentar do governo - os Comités Locais de Abastecimento e Produção (ou CLAP). Criado em 2016 para garantir que os venezuelanos mais necessitados recebiam caixas de alimentos, foi usado pelo regime, segundo o Departamento do Tesouro norte-americano, para "recompensar os apoiantes políticos e punir os opositores"..Através dos CLAP, Saab compra alimentos de baixa qualidade (segundo o portal armando.info, de investigação jornalística) ao México, onde monta estes cabazes de produtos básicos, que depois são vendidos ao governo venezuelano para serem distribuídos..O empresário terá usado uma rede de empresas fantasma em países como Panamá, Colômbia, México, Emirados Árabes Unidos, Turquia ou Hong Kong para esconder os lucros dos negócios de importação de alimentos..Saab também terá tido mão na criação de uma estrutura de venda de ouro venezuelano à Turquia, numa altura em que a falta de moeda estrangeira (a partir do início de 2018) levou o regime a pagar com ouro os seus contratos..De acordo com a InSight Crime, os EUA e Israel também investigam Saab por uma série de transações para este último país e uma alegada ligação ao grupo terrorista libanês Hezbollah, que terá relações com a Venezuela através do ministro da Indústria e do Petróleo, Tareck El Aissami..Reação da oposição.O líder da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, reconhecido por meia centena de países como o presidente interino da Venezuela, reagiu à detenção numa conferência de imprensa, alegando que esta é a prova de que não há "intocáveis" no regime e que "a justiça chega, mas demora"..Já o deputado Júlio Bordges, representante das Relações Exteriores de Guaidó, reagiu no Twitter. "O capo colombiano Alex Saab é o principal testa-de-ferro da ditadura, lida com os negócios opacos da PDVSA, ouro, alimentos, aliança com o Irão, relação com os cartéis e protege o dinheiro ilícito de Maduro e Cília Flores", escreveu..E acrescentou: "A sua captura é um duro golpe à estrutura do regime, demonstra que os venezuelanos não estão sós e que com Maduro não há futuro, nem sequer para aqueles que o apoiam. As ações contra os cúmplices da ditadura continuarão, estamos decididos a conseguir a transição."