Quatro horas de batalha para salvar a humanidade do supervilão Darkseid e das forças negras extraterrestres. A Liga de Justiça de Zack Snyder é tudo isso e muito mais, sendo que o "muito mais" passa pelo mais publicitado acontecimento cinematográfico na plataforma HBO. Um novo corte de uma versão que em 2017 tinha desiludido os fãs (a qualidade deixava muito a desejar) e a indústria (resultados muito longe dos recordes da saga Vingadores...)..Na altura, depois do suicídio da filha, Zack Snyder não foi capaz de o finalizar e a Warner apostou no cineasta e argumentista Joss Whedon, precisamente o autor de Avengers, para a conclusão do projeto. Whedon terminou o filme com muito desbaste, cenas que ele próprio criou e uma outra lógica. Mais recentemente, a Warner deu luz verde a Snyder para finalmente poder oferecer ao mundo a sua versão e, como agora se pode perceber, é todo um novo filme: uma nova narrativa, um visual e ratio de ecrã diferentes e um epílogo que recupera novas personagens, em especial um operático Joker interpretado por Jared Leto, bem diferente do Joker de Esquadrão Suicida. Esta nova versão dividida em capítulos custou quase 70 milhões de euros e teve uma particularidade: Snyder não quis receber um cêntimo. Um trabalho de paixão de um cineasta apaixonado com o genuíno sentido de banda desenhada deste universo DC. Segundo os analistas estão a apontar, a marca dos 150 milhões de assinantes para a HBO vai concretizar-se graças a este filme. Desde a sua estreia na plataforma na quinta-feira passada que parece existir um consenso entre os seguidores dos super-heróis da DC: a partir de agora, esta é que é a versão definitiva (mesmo quando Snyder já veio a público dizer que gostaria de lançar uma versão a preto & branco...), isto se acreditarmos no fogo-de-artifício da internet.. Mas se é fácil perceber que da mediocridade nasce um filme de super-heróis como deve de ser, também é importante perceber as suas limitações: as batalhas entre deuses e humanos continuam algo plásticas e certos desvios do argumento caem sempre no saco roto da tendência excessiva de destruição e da nuance bélica mais abrutalhada. Ainda assim, este director"s cut tem uma visão de cinema e prova que num blockbuster de super-heróis é importante as cenas respirarem e não acelerarem a narrativa.. Numa chamada de Zoom para a Alemanha, o diretor de fotografia Fabian Wagner fala em exclusivo para o Diário de Notícias e as suas palavras são explícitas: "O Zack Snyder é um visionário, sabe sempre exatamente o que quer para cada plano. As coisas até se tornam fáceis com ele, tudo está bem organizado, por muito complexo que seja. Além do mais, é um tipo que pede ideias aos outros e que aceita todo o tipo de colaboração, mas sempre sem perder o propósito da sua visão. Goste-se ou não, é um tipo inovador!".. O habitual colaborador de Snyder vai mais longe na defesa deste Zack Snyder"s Justice League: "Espero que quem não tenha apreciado a versão de 2017 consiga mesmo gostar deste novo filme. Este é o filme que o Zack sempre quis e tentou fazer, aliás, não poderia ser mais Zack Snyder! Estão aqui todos os seus elementos e a sua maneira de fazer cinema leva o seu tempo. A duração é muito importante, daí ser tão longo. Mas faz todo o sentido, sobretudo para vermos as histórias introdutórias de todas as personagens e descobrimos as cenas que estavam cortadas. A versão de 2017 tinha imensas partes em falta!" Para quem acha que a estética DC é igual à do universo Marvel, o diretor de fotografia é taxativo: "Os looks são bem distintos. Um filme como Liga da Justiça de Zack Snyder tem uma aura visual bem única, é bem mais escuro. O que o faz diferente? Uma combinação de todos os aspetos da fotografia, da escolha de lentes ao processo da pós-produção da cor... Só lhe digo que a composição e os acabamentos são muito importantes." Wagner confessa que o fato negro de Superman foi algo que Snyder sempre quis. E quem compara as sequências entre as duas versões percebe que o tom de pastel dourado da versão anterior nada tem que ver com a negritude de agora. Também da WETA, a empresa dos efeitos visuais responsável por estas mudanças, há novidades via Zoom. Anders Langland e Simeon Duncombe, dois magos dos efeitos, ligaram ao DN desde a Nova Zelândia, mostrando-se muito agradados por terem tido uma segunda oportunidade para dar ao filme e a certas sequências o aspeto originalmente planeado. Estes veteranos de obras como Senhor dos Anéis, X-Men e o novo The Batman, cuja rodagem terminou na semana passada, terão sido os responsáveis, entre outras coisas, pela novíssima roupagem do terrível alien Steppenwolf, agora mais brilhante e com outro formato, mesmo que os seus olhos pareçam saídos de um filme de animação... Quando lhes perguntamos se esta nova versão foi caríssima graças aos seus préstimos, riem e confessam: "Sim, foi devido ao nosso custo! Não se vê pelos nossos fios de ouro?! A sério, isto envolve muita gente e muito tempo. Não somos mesmo só os dois." Simon explica o processo: "Para este filme recebíamos blocos de cenas onde estava a informação de que naquele lugar era preciso pôr isto ou aquilo. Por exemplo, "monstro aqui" ou "torre a cair aqui". E tínhamos muito trabalho, a vantagem é que o Zack Snyder sabia muito bem o que queria, tinha tudo bem organizado. É impressionante a quantidade de efeitos que tivemos de criar!" Mesmo considerando que a Nova Zelândia não sofreu tanto com a pandemia como a América ou a Europa, os dois técnicos confessam que a pressão da Warner a nível de timings e um possível recolher obrigatório ainda os deixou em sobressalto: "A operação foi muito complexa. Mas na WETA achamos que os efeitos visuais são um utensílio para ajudar a contar a história e, como aqui havia muito trabalho a fazer, não nos preocupámos com detalhes. Optámos por tentar fazer o melhor possível em vez de um sem-número de variações para ir ver como é que ficava. E com a covid-19 chegámos a ficar stressados pois ainda tínhamos de filmar algumas cenas de motion caption e com o recolher a ordem era para fecharmos o estúdio. Felizmente, tudo correu pelo melhor.".Por fim, Simeon Duncombe sorri de orgulho: "Vivemos uma época entusiasmante para se ser artista de efeitos visuais! Criamos mundos e personagens fantásticos que antes não poderiam ser vistos. É incrível perceber o que é possível criar e servir as ideias mais malucas dos cineastas." Mas esta Liga de Snyder é muito mais do que apenas um aparatoso filme de efeitos visuais. Trata-se, antes de mais, de uma respeitosa homenagem ao espírito da tradição dos comics, feita com amor genuíno, sentido operático e trágico mas também um humor inteligente que não se sentia na versão bastarda. O universo DC limpa-se agora depois de equívocos como a versão de 2017 mas também de outros casos, como Batman vs. Super-Homem, do próprio Zack Snyder e spin-offs como o último Wonder Woman ou Aquaman. Que este corte do realizador venha mudar a mentalidade dos filmes de super-heróis. dnot@dn.pt